Washington - A sangrenta conclusão da crise de reféns na Argélia evidenciou os desafios mais amplos que os Estados Unidos e seus aliados encaram ao confrontar a al-Qaeda no Magrebe Islâmico e outras células terroristas que têm por refúgio o norte da África.
Os Estados Unidos e a França vêm cortejando a Argélia há meses, esperando garantir seu apoio a um esforço internacional para expulsar militantes islâmicos do norte do Mali. Mas o avanço dos militantes ao sul, que desencadeou um pedido de intervenção do exército francês pelo governo do Mali, e a tomada de reféns num complexo produtor de gás no Saara pegaram os EUA de surpresa e geraram novas promessas da Casa Branca de combater o terrorismo na região.
Ao combater os militantes, as nações ocidentais estão confrontando bandos multinacionais que muitas vezes conseguem se mover com relativa liberdade pelas porosas fronteiras africanas. E essas células têm muitos alvos convidativos para escolher: toda a região é rica em petróleo, gás, urânio e outros empreendimentos internacionais que claramente representam interesses ocidentais - e em alguns casos são mal defendidos.
Além disso, com os Estados Unidos e o Reino Unido determinados a não enviar tropas ao Mali, e os franceses esperando evitar uma ação ilimitada por lá, as nações ocidentais precisam se apoiar pesadamente nas forças das nações locais - que nem sempre estão abertas a conselhos externos.
Rudolph Atallah, ex-funcionários de contraterrorismo do Pentágono, apontou que a al-Qaeda no Magrebe Islâmico é uma rede originalmente regional, que se espalhou lentamente através das fronteiras. - Para desmantelar essa rede, os Estados Unidos e seus aliados, africanos e europeus, precisarão de uma estratégia regional muito bem elaborada - afirmou ele.
Moldar essa estratégia não será nada fácil, considerando os envolvidos.
Os argelinos possuem um exército capaz, mesmo de mão pesada, mas não se mostraram ansiosos por cooperar extensivamente com os Estados Unidos ou seus vizinhos. O novo governo da Líbia parece disposto a cooperar, mas possui pouca habilidade. O Mali tem pouca habilidade militar, e quaisquer soluções duradouras precisam ser desenvolvidas com um olho na política interna.
As duras realidades políticas operando na África ficaram evidentes durante a crise de reféns na Argélia. Calculando que a cooperação da Argélia será necessária para a campanha contra os militantes no Mali, tanto França quanto Estados Unidos foram cuidadosos para não reclamar que os argelinos montaram sua operação de resgate aos reféns sem consultá-los, e tampouco se queixaram das táticas.
- A Argélia tem uma abordagem que, em minha opinião, é a mais apropriada, pois não poderia haver negociação - disse no sábado passado o presidente da França, François Hollande.
França e Estados Unidos querem que a Argélia feche suas fronteiras com o Mali, e a França quer que a Argélia continue permitindo que aviões franceses sobrevoem seu território.
Conforme observou o inquérito independente sobre o ataque à missão diplomática dos EUA em Bengazi, a afiliada da al-Qaeda no norte da África e outras facções militantes na região representam, cada vez mais, uma nova face do terrorismo - grupos que são violentamente antiamericanos, mas não sob comando e controle dos líderes da al-Qaeda no Paquistão.
A al-Qaeda no Magrebe Islâmico começou como um grupo argelino que combatia o governo argelino. Expulso da Argélia, o grupo encontrou refúgio no norte do Mali, assim como militantes que deixaram a Líbia após a queda de Muamar Kadafi.
A estratégia inicial dos EUA e da França era manter um perfil discreto na região, enquanto treinavam tropas africanas que seriam enviadas ao Mali para enfrentar os militantes afiliados à al-Qaeda.
Havia crescentes sinais de que a região do norte da África estava se tornando mais perigosa. Um especialista ocidental em segurança, que avaliou a ameaça ao complexo de petróleo da Argélia no ano passado, relatou um risco "elevado" devido aos militantes no Mali.
Ainda assim, o plano francês e americano deduziu que a ameaça imposta pelos militantes no Mali seria de lento crescimento, e que o Ocidente teria tempo para organizar uma reação militar africana. O plano era de implantá-la em setembro deste ano.
Mas a ofensiva dos militantes no Mali e o ataque na Argélia demonstraram que os grupos possuem um alcance maior do que o previsto, e estão preparados para assumir a ofensiva. A intervenção francesa que se seguiu foi introduzida como uma nova variável na equação.
- A base mudou completamente - afirmou Bruce Hoffman, especialista em terrorismo da Universidade Georgetown.
A administração Obama, que enviou 100 instrutores a várias nações africanas, visando ajudar a preparar as tropas locais para sua missão ao lado dos franceses no Mali, parece estar pesando quão enérgico será seu apoio ao esforço militar francês.
Com os americanos ainda tentando determinar o que exatamente aconteceu na Argélia e identificar seus mortos, os Estados Unidos ainda não divulgaram seus planos de adaptar a estratégia na África.
Especialistas dizem que qualquer estratégia regional precisa ajudar as nações africanas a proteger melhor suas fronteiras, para limitar a movimentação de facções militantes e reduzir o tráfico de drogas - uma das principais fontes de renda desses grupos.
Focar nos líderes militantes que são responsáveis pela maioria dos ataques é essencial, disse Atallah. Mas ele enfatizou que uma solução duradoura no Mali precisa estimular uma acomodação política entre o governo do Mali e os tuaregues, um povo nômade do norte do Mali, e assegurar que as forças armadas do país não usem a campanha antiterrorismo como uma desculpa para reprimi-los.
O problema do abuso de direitos humanos segue como uma incômoda preocupação para qualquer intervenção militar apoiada pelo Ocidente. A organização Human Rights Watch relatou recentemente que os grupos militantes do norte do Mali recrutaram centenas de crianças para usar como soldados, e acrescentou que havia crianças nos postos de controle bombardeados por aviões franceses.
Com a Casa Branca basicamente focada em questões domésticas, e autoridades cautelosas sobre expandir a pegada militar dos EUA na região, algumas das barreiras à ação podem ser autoimpostas.
Hoffman defendeu que os Estados Unidos devem considerar intensificar seu apoio à intervenção francesa fornecendo suporte logístico adicional, e talvez fazendo uso de aviões não tripulados para que o exército francês possa conduzir melhor suas operações e entregar a missão, assim que possível, às tropas africanas.
- Não acho que o envolvimento dos EUA precise ser extensivo - disse ele. - O que acho é que precisamos ser mais proativos.
The New York Times
Norte da África representa teste para governo americano no combate ao terrorismo
Estados Unidos e seus aliados encontram amplos desafios ao enfrentar células terroristas que têm refúgio naquela região
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