Yangon, Mianmar - O centro de Yangon está cheio de sinais de que o capitalismo está em marcha nesta antiga ditadura militar socialista. A Coca-Cola e a Pepsi competem em outdoors, uma concessionária de carros surge a cada semana, e vendedores vendem cópias da nova Lei de Investimento no Estrangeiro para motoristas presos no trânsito - ruas congestionadas, um símbolo perverso, porém poderoso, da transformação de um país.
Mas a 45 minutos de distância, nos arredores da cidade, existe um Mianmar diferente. Crianças brincam em poças sujas ao longo de estradas profundamente esburacadas, e trabalhadores diaristas dormem a tarde toda em frágeis barracos de madeira, aguardando trabalhos que chegam muito raramente.
- As coisas são iguais por aqui há 20 anos - Daw Thein Yi, de 53 anos, afirmou observando os netos enquanto batia a roupa molhada contra uma pedra.
Os moradores da favela suburbana em expansão, conhecida como Cidade Nova Dagon do Sul, têm pouco da esperança e da expectativa divulgadas na Yangon central em relação às mudanças democráticas que ajudaram a abrir um dos países mais fechados do mundo e ajudaram a inspirar uma visita do presidente Barack Obama - a primeira visita de um presidente americano.
U Sein Maung, um trabalhador diarista de 50 anos, pai de quatro filhos, piscou de perplexidade quando lhe perguntaram sobre a visita antes da chegada de Obama. - Não ouvimos falar que ele viria - afirmou.
Meses de mudanças econômicas e políticas - às vezes de tirar o fôlego - em Mianmar sob o governo civil do Presidente Thein Sein atingem apenas uma pequena parte das 55 milhões de pessoas do país, dizem os que acompanham a transformação.
- A maioria das mudanças ocorreu nas camadas superiores da sociedade - afirmou U Yan Myo Thein, um ex-prisioneiro político que frequentemente escreve comentários para os meios de comunicação social de Mianmar.
Pode ser cedo demais para esperar que grandes porções da população empobrecida do país se beneficiem da abertura para o mundo e seus negócios. Muitas partes do campo parecem ser cenas de outro século, com fazendeiros usando carroças de madeira para transportar suas colheitas e arando os campos de arroz com bois.
Mas para alguns em Mianmar, a preocupação é que o fracasso em atingir a maioria indigente indique problemas ainda maiores com o programa de reformulação que tenta libertar o país do legado de sua era militar e socialista.
- O governo ainda não teve êxito em libertar o mercado - disse U Phone Win, diretor de um escritório de advocacia, Maw Htoon & Partners, que aconselha empresas estrangeiras querendo investir no país.
Phone Win afirma que as pequenas empresas permanecem frustradas por muitas restrições e costumes hierárquicos de funcionários do governo acostumados a trabalhar para líderes militares. Mesmo algo tão básico quanto a abertura de um restaurante, uma loja ou um hotel boutique pode ser bloqueada por burocratas acostumados a esperar as ordens dos superiores.
Na alta classe, Phone Win diz, ele recebeu uma multidão de estrangeiros querendo investir no país. Muitos vão embora sem conseguir. - Bilionários estão vindo aqui em seus aviões particulares, mas ninguém consegue fazer negócios - afirmou.
O refrão comum entre investidores estrangeiros ultimamente é "esperar para ver".
Antes das eleições em 2010, Mianmar era tanto uma das ditaduras mais brutais na Ásia quanto uma economia planificada, fechada, onde as fábricas do governo fabricavam uma variedade de produtos como sabão e bicicletas.
Desde então, Thein Sein, um ex-general, afastou o país rapidamente de seu passado ditatorial, esperando ressuscitar uma economia corroída por décadas de liderança ineficaz e por corrupção. Essas mudanças, incluindo a libertação de prisioneiros políticos e a permissão de eleições multipartidárias, ganharam elogios cautelosos e levaram os Estados Unidos e outros países a atenuarem sanções criadas para paralisar a junta.
A atenuação das sanções abriu o país para uma inundação de futuros investidores famintos pelos recursos naturais do país e ávidos por vender para uma população que tinha pouco das conveniências modernas como carros e telefones celulares.
Stephen Groff, vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da Ásia, a instituição com sede em Manila que voltou a ter contato com Mianmar após um afastamento de 25 anos, comparou as mudanças econômicas aqui à abertura da economia do Vietnã, que começou permitindo a livre-empresa no final da década de 1980. Nos dois países, as mudanças vieram de dentro da liderança e, portanto, foram muito mais graduais do que as revoltas convulsivas vistas, por exemplo, durante a Primavera Árabe.
As ruas de Yangon hoje atestam essa estabilidade relativa. Os moradores afirmam que os crimes violentos permanecem raros na Yangon central, apesar de grandes oportunidades para furto. Como os cartões de créditos foram introduzidos há apenas alguns meses e os bancos continuam funcionando de modo precário, os moradores carregam grandes quantidades de dinheiro. Secretárias e trabalhadores de escritório usam sacas de arroz para transportar pilhas de dinheiro para suas empresas.
A continuidade e estabilidade têm vantagens óbvias, afirmou Groff. Mas também significa que os mesmos funcionários do governo que serviam a junta altamente repressiva são agora responsáveis por quebrar o sistema que eles ajudaram a construir.
- O ambiente legal e regulatório e o sistema financeiro permanecem muitíssimo fracos e subdesenvolvidos - afirmou.
Conselheiros do governo que estão ajudando a introduzir novas políticas dizem que as mudanças vindas do gabinete de Thein Sein estão sendo atoladas nas esferas inferiores do governo.
- A comunidade internacional tem expectativas muito altas - precisam diminuir suas expectativas - disse U Tin Maung Than, diretor do Instituto de Recursos de Desenvolvimento de Mianmar, uma organização de pesquisa intimamente ligada ao gabinete do presidente. - E o povo precisa diminuir suas expectativas também.
Para Sein Maung, o trabalhador diarista, as expectativas não poderiam ser mais baixas.
Ele não tem geladeira, televisão ou qualquer coisa que funcione com eletricidade, com exceção de uma única lâmpada de neon pendurada no teto. Sua esposa e quatro filhos dormem em tábuas desniveladas do barraco que ele construiu do zero.
Enquanto respondia perguntas do repórter - um raro visitante de fora na favela - ele segurava seu filho caçula, um bebê de 4 meses.
O que será de seu filho na nova Mianmar?
- Ele nunca será rico - Sein Maung declarou sem rodeios. - Não existe jeito de pessoas como nós enriquecerem. Apenas esperamos que ele tenha acesso à educação.
The New York Times
Visita de Obama sublinha falta de mudança para os pobres de Mianmar
Presidente norte-americano não trouxe grandes esperanças para as classes sociais mais baixas daquela nação
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