Antakya, Turquia - Durante meses, as diversas milícias conhecidas como Exército Livre da Síria usaram desertores do exército sírio para criar um desafio razoável, embora hesitante, ao governo do presidente Bashar Assad. Cada dia parecia trazer notícias de novos recrutas. Soldados fugiam em bandos, ou oficiais atravessavam a fronteira, levantando a moral dos rebeldes e inchando suas tropas.
Agora, porém, comandantes da oposição dizem que as deserções caíram a quase zero. Alguns comandantes desistiram de tentar atrair desertores, e outros vêm recorrendo a medidas mais desesperadas: bajulações, mentiras, ameaças e até mesmo sequestros de militares para obrigá-los a trocar de lado - ou pelo menos a ficar fora da luta. Sem deserções, eles dizem, a oposição não tem como crescer, quanto mais vencer.
- Aplicamos meios usados apenas pelo diabo -, afirmou Ahmed Qunatri, comandante rebelde no norte da Síria que desertou da Guarda Republicana.
Conforme os combates na Síria entram no 19º mês, as forças de Assad conseguiram cortar o que acaba sendo o recurso mais importante da rebelião armada: soldados com treinamento e armas para mudar de lado. Numa mudança de estratégia, o governo preferiu atacar cidades e bairros à distância, com artilharia e poderio aéreo, preservando recursos e distanciando os soldados dos combatentes rebeldes - e do público, incluindo amigos e vizinhos, que possam incentivar deserções.
Alguns comandantes rebeldes temem que todos os soldados com alguma inclinação para desertar já o tenham feito. O resto continua leal ao governo, ou morre de medo de traí-lo. Outros estariam apenas desconfiados de um movimento armado que traz extremistas em suas fileiras.
O coronel Qassem Sa'adeddine, chefe do conselho militar rebelde de Homs, declarou numa entrevista na Turquia que a estreita vigilância do governo, especialmente nos postos de checagem, significava que "a comunicação com os oficiais tornou-se muito mais difícil". O coronel disse que também havia ficado mais difícil proteger as famílias dos desertores - por exemplo, é mais complicado criar casas seguras em bairros despovoados pelo governo. "Hoje os oficiais estão mais hesitantes. Cada vez mais, os rebeldes usam a força", afirmou ele.
- Nós os prendemos e lhes damos uma chance de desertar - explicou ele. - Alguns são convencidos após uma semana, e assim são bem-vindos. - Os que não se convencem - leais ao governo - são presos, disse ele, e enfrentam um "julgamento".
Alguns dos métodos usados pelos rebeldes refletem uma astúcia criada pela necessidade, mas também uma aptidão para a brutalidade. Por diversas vezes nos últimos meses, grupos rebeldes - sem fazer nenhum esforço para persuadir seus inimigos - foram acusados de executar sumariamente soldados capturados. - Quanto menos desertores existem, menos a oposição se aplica em atrair soldados em vez de simplesmente combatê-los - argumentou Peter Harling, especialista na Síria do International Crisis Group. - E quanto mais severamente os grupos armados tratarem o inimigo, menos soldados mudarão de lado. É uma dinâmica de autoalimentação.
Vários comandantes dizem ainda estar tentando persuadir. Qunatri, o comandante rebelde, declarou numa entrevista em Antakya que preferia enviar emissários aparentemente inocentes até os soldados nos postos militares. Um menino de 12 anos, por exemplo, ajudou a atrair um soldado, provocando-o impiedosamente até que ele cedeu. "Cara, por que você não deserta?" perguntava o menino repetidamente, como se o posto militar fortemente armado fosse um pátio escolar.
Outro oficial rebelde, que usa o nome de guerra de Abu Ali, mandou um barbeiro, Walid, para fazer amizade com os soldados oferecendo cortes de cabelo grátis. "Eles queriam desertar", contou Abu Ali. "Eles não sabem como, ou quem poderia ajudar."
Outro comandante rebelde, que era um comerciante antes da guerra, disse já ter enviado um pastor, que vagava pelos postos militares e oferecia um ouvido solidário aos soldados. "Ajuda se os soldados também forem pastores", explicou o comandante. "Nostalgia."
Outro dos agentes do ex-comerciante, um entregador de comida, identificou seis recrutas, mas o posto militar era protegido demais para que eles fugissem: não havia como passar pelos oficiais. "Tivemos a ideia de mandar pílulas para dormir", afirmou o comandante. Os recrutas colocaram o medicamento na água e no chá. "Trinta e oito soldados caíram no sono", disse um soldado chamado Shadi, um dos que desertaram naquele dia. Os rebeldes capturaram os soldados dormindo e suas armas. Alguns trocaram de lado voluntariamente, e outros tiveram de jurar que não retornariam para o combate. "Dos 38, apenas dois voltaram para o exército", completou ele.
Embora os rebeldes aleguem ter atraído milhares de recrutas, há poucas evidências de que as deserções tenham afetado o exército sírio. Muitos rebeldes dizem ainda estar esperando por um momento decisivo, por exemplo, quando um batalhão mudará de lado. Até isso acontecer, eles garantem estar limpando o exército de todo e qualquer dissidente.
Um oficial de Damasco disse que rebeldes telefonaram para ele durante 16 meses, sem nunca dar seus nomes - primeiro usando pedidos amigáveis, depois dizendo que ele seria morto se não desertasse. Algumas vezes eles ligavam de celulares de soldados mortos. O oficial afirmou que seu nome aparecia em listas publicadas pelos rebeldes, contendo pessoas que haviam trazido vergonha a suas famílias. "Eu finalmente desertei, mas tinha tanto medo que não confiava nem em minha própria esposa", explicou o oficial.
Em outro caso, um oficial foi sequestrado por rebeldes e obrigado a anunciar sua falsa deserção em vídeo, segundo um dos rebeldes envolvidos na operação.
Há algumas semanas, três guardas da fronteira síria decidiram fugir do país, forçando outro soldado a acompanhá-los por medo de que ele tentasse frustrar sua fuga. "Foi algo muito confuso", declarou o soldado numa entrevista por telefone. "Se eu ficasse, os oficiais me culpariam e eu certamente receberia a pena de morte. Se eu me recusasse, meus colegas me matariam."
Depois de cruzar a fronteira para o Líbano, os desertores disseram ao soldado que ele estava livre. "Mas ir para onde?" perguntou o soldado. "Estou preso, sem ter como voltar. Já estou envolvido." Desde o início de seu exílio, ele diz ter começado a simpatizar com os rebeldes.

