Tal Rifaat, Síria - Abdul Hakim Yasin, comandante de um grupo que combate contra o governo sírio, parou sua caminhonete em um conjunto residencial que ele usa como base de guerrilha.
Sua tropa esperava ordens para um ataque antes do amanhecer contra um posto militar de verificação na entrada de Aleppo, a maior cidade da Síria. Os homens receberam munição e fizeram suas preces. O caminhão bomba estava quase preparado.
Agora, o comandante tinha uma surpresa. Minutos mais cedo, seu pai, que havia sido preso pelo exército no mesmo posto de verificação em julho, havia ligado para informar que os carcereiros o haviam libertado. Ele precisava de uma carona para sair de Aleppo rapidamente.
"Deus é bom!", gritaram os homens. Para resgatar um de seus companheiros, eles subiram nos caminhões carregados com armas e aceleraram, rasgando a escuridão nas estradas quase desertas que levam à cidade cercada.
Durante cinco dias em agosto, Yasin e seu grupo, os Leões de Tawhid, permitiram que dois jornalistas do New York Times vivessem e viajassem ao seu lado enquanto eles faziam sua parte na guerra para derrubar o presidente Bashar Assad.
Esse grupo está sob comando da Brigada Al Tawhid, uma estrutura relativamente nova na província de Aleppo que uniu diversos grupos e luta sob a bandeira do Exército Livre da Síria.
Yasin, de 37 anos, era um contador de barba feita antes da guerra. Ele vivia uma vida tranquila com a esposa e os dois filhos pequenos. Agora ele tem uma barba cerrada e demonstra uma calma estoica frente ao fogo cruzado. A guerra o transformou em algo que ele jamais poderia imaginar.
Ele vaga pela região de Aleppo com dezenas de homens armados com uniformes camuflados, planejando ataques com outros comandantes, fugindo de ataques aéreos, encontrando-se com contrabandistas e com especialistas em bombas para conseguir mais armas, revezando-se entre as obrigações da linha de frente em uma difícil campanha urbana.
Sua tropa representa bem uma nação em guerra contra si mesma. Os homens lutam lado a lado com um contingente de desertores, que acreditam que o governo ao qual serviram precisa acabar.
Os civis começaram com pedras e armas compradas para caçar. Sua primeira arma potente foi um gigantesco estilingue feito para arremessar coquetéis Molotov e pequenas bombas caseiras. À medida que soldados profissionais se juntavam a eles, as tropas adquiriram rifles, metralhadoras, lançadores de granadas e granadas de mão. Agora, eles possuem um veículo blindado e dois tanques e estão ansiosos para lutar e usar todos os recursos para destruir o governo de Assad e suas tropas mais bem equipadas.
No começo da semana, Abdul Hakim Yasin havia deixado a base dos rebeldes para realizar uma reunião a respeito do ataque ao posto de verificação. Jamal Abu Houran, um soldado desertor que se tornou um dos sargentos em que Yasin mais confiava, trouxe as armas e a munição. Os combatentes rezaram.
Yasin voltou rapidamente, apertando com força a buzina de seu caminhão. Ele gritou que seu pai havia ligado, contando que havia sido libertado da prisão. Eles precisavam correm para resgatá-lo. Os homens comemoraram, subiram nos caminhões e foram rapidamente para Aleppo.
No primeiro caminhão, Yasin tentava ligar para um amigo que havia ido à frente com roupas de civil em um caminhão baú vazio. Ele esperava algum tipo de armadilha e queria garantir que seu pai estivesse realmente livre e que aquilo não fosse uma cilada. Então os combatentes poderiam entrar em cena.
Quando estava chegando à cidade, ele conseguiu falar com o outro homem, que informou que estava com Jamal Yasin, se dirigindo ao norte.
Por um momento, Yasin parecia mais um filho que um comandante. Ele desligou o telefone e dirigiu em silêncio, digerindo a notícia.
Na escuridão da estrada abandonada, o outro caminhão se aproximou e parou. Jamal Yasin saiu de dentro. Ele era um homem de costas retas e compleição quadrada, com a cabeça raspada. Ele não parecia ferido.
Jamal Yasin afirmou que não havia sido torturado. Mas a cela era tão pequena e superlotada que ele mal conseguia dormir.
Abdul Hakim Yasin admitiu sua preocupação.
"Eu tinha 99 por cento de certeza de que isso era uma emboscada", afirmou.
Seu pai ouviu e o acalmou gentilmente.
"Você realmente achou que se fosse uma emboscada eu iria ligar para você?", perguntou. "Nem que estivessem cortando a minha garganta!"
"Papai, eu juro por Deus que estou sob muita pressão", afirmou Abdul Hakim.
"Fique tranquilo, meu filho, não precisa se preocupar", respondeu o pai.
Abdul Hakim Yasin deixou o pai na casa do irmão em Tal Rifaat. Os combatentes esperaram do lado de fora, felizes com a reunião, dando graças a Deus. Yasin sacou sua pistola e atirou para o alto, na escuridão da noite. Ele estava sorrindo.
"Vamos embora", afirmou.
Havia um ataque planejado, um assalto ao posto de verificação que iria facilitar o acesso dos rebeldes a Tal Rifaat.
O ataque iria começar em breve, afirmou Yasin, uma hora antes do amanhecer, quando a maior parte dos soldados do governo estaria dormindo. Os combatentes voltaram a rezar ou tentavam descansar um pouquinho.
Encostado contra a parede, Abu Hilal, um soldado sírio cativo que havia sido informado de que seria utilizado como refém, observava.
Pouco antes de partir, ele foi vendado e levado para fora. Os homens o colocaram no banco de trás de uma das caminhonetes.
Ele passou rapidamente por um buraco na parede de trás do conjunto habitacional e se aproximou de um caminhão plataforma. A caçamba carregava uma pilha de canos grossos cheios de explosivos caseiros. Era um caminhão bomba preparado para ser detonado à distância.
Yasin contou mais a respeito de seu plano. A garantia de que Hilal seria libertado não passava de uma cilada. Os combatentes planejavam colocá-lo na direção do caminhão bomba quando estivessem perto do posto de verificação e, então, dizer a ele para dirigir e realizar uma troca de prisioneiros, detonando a bomba e dando início ao ataque.
Mas pouco depois do amanhecer, os combatentes retornaram. Eles entraram limpos e sem ferimentos.
Yasin contou que eles chegaram ao posto de verificação. Tudo parecia perfeito para o ataque.
"Nós dissemos a Abu Hilal: 'Vá, dirija naquela direção, seu pai está esperando por você, não faça nada de errado no futuro'", afirmou Hakim. Abu Hilal parou o caminhão no posto de verificação. Abdul Hakim Yasin apertou o botão do detonador por controle remoto, pronto para o clarão e o estrondo de mais de 290 quilos de explosivos. Este seria o sinal para que os combatentes atacassem.
Mas nada aconteceu.
Ele apertou o botão novamente.
O caminhão não explodiu.
Yasin suspeita que o posto de verificação estivesse equipado com um aparelho que bloqueou o sinal.
Agora ele estava sentado em seu escritório, decepcionado com o fracasso, feliz com o fato de que sua própria família continuava intacta. Ele estava exausto. Todas as pessoas que ele imaginava que iriam morrer - seu pai, o prisioneiro, os soldados do posto de verificação - estavam vivas.
"Esse é o jogo do destino", afirmou.
Algumas horas mais tarde, novamente uniformizado, Abdul Hakim Yasin conduziu seus combatentes até Aleppo. Sua missão no posto de verificação havia acabado; eles deveriam retornar às linhas de frente.
O comandante passou longe do posto de verificação. Ele preferiu uma rota mais longa, dirigindo com os caminhões espalhados e em alta velocidade, para diminuir o risco de sofrer um ataque de helicópteros ou aviões a jato.
Quando chegaram à cidade, os caminhões passaram por bairros residenciais até chegar e um conjunto de prédios sob domínio rebelde.
Ali, segundo eles, outra unidade rebelde havia interceptado um comboio do governo, destruindo veículos e capturando muitos soldados. A tropa de Yasin deveria substituir os outros rebeldes e eliminar a chance de que os soldados escapassem.
Quando se aproximaram, foram alvejados por tiros. O comboio se dirigiu a um conjunto industrial e os combatentes saíram dos caminhões, estacionando-os em frente aos armazéns.
Yasin observava, destacado pelas chamas cor de laranja. Seus inimigos estavam cercados e lançavam morteiros contra os prédios. Outro jato apareceu e voou sobre o local. Ele era invisível na noite sem luar, mas seu motor podia ser escutado. Em seguida, ele também atacou, mergulhando em direção aos prédios e disparando mísseis ar-terra em pares.
O avião arremeteu, deu a volta e mergulhou, lançando novos mísseis. Eles atingiram o chão ao lado dos prédios.
No calor de muitos conflitos, esse pode ser considerado um encontro desanimador. Os rebeldes não conseguiam ver a aeronave. Mas mesmo que pudessem vê-la, não havia nada com que pudessem atacá-la. O piloto atacava à vontade, ajudado pela luz laranja que emanava do inferno do outro lado da rua, que iluminava os contornos do conjunto industrial onde os combatentes se escondiam.
Entretanto, os combatentes Tawhid nem se distraíam com a explosão dos mísseis. Eles esperavam que os soldados se revelassem, certos de que, noite após noite, seus inimigos estavam enfraquecidos, e que os rebeldes ganhavam força.
Após cada explosão, Yasin, um contador que leva uma vida imposta pela guerra, acionava o rádio para ver como seus homens estavam. Ao redor dele, eles se arrastavam pela escuridão, com as armas nas mãos, esperando pelas ordens ou por novas ações contra um governo que já está morto para eles.

