
Tannourine, Líbano - A República Islâmica do Irã se ofereceu recentemente para construir uma barragem nesta pitoresca vila alpina, no alto das terras cristãs do Líbano.
Mais ao sul, nos densos subúrbios de Beirute, a generosidade iraniana ajudou a reconstruir bairros devastados seis anos antes pelas bombas israelenses - uma conquista que foi comemorada em maio, com uma celebração animada.
- Da mesma maneira que conseguimos armas e outras coisas, também recebemos dinheiro - exclamou Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, em resposta aos gritos de aprovação da multidão. - Tudo isso se tornou possível por meio do dinheiro iraniano!
A pressa dos iranianos em distribuir dinheiro no Líbano, quando suas próprias finanças estão sendo massacradas pelas sanções internacionais, é o mais recente indicativo de quão preocupado está o governo de Teerã com a perspectiva de que o líder sírio, Bahar Assad, possa cair. O Irã conta com a Síria para se relacionar com o mundo árabe e o país é um parceiro estratégico fundamental no confronto contra Israel. Mas as revoltas árabes abalaram as previsões de Teerã, com Assad impossibilitado de esmagar uma revolta que já dura um ano.
O inflamado cortejo iraniano ao governo libanês indica que Teerã está tentando encontrar um substituto para o seu maior aliado no mundo árabe, segundo políticos, diplomatas e analistas. Não se trata apenas de financiar projetos públicos, mas de tentar formar laços mais próximos por meio de acordos culturais, militares e econômicos.
O desafio para os líderes iranianos é o fato de que muitos libaneses - incluindo os moradores de Tannourine, local de construção da hidrelétrica - são contrários a essa união. Eles não veem os gestos do Irã como uma demonstração de boa vontade, mas como uma forma discreta de colonização cultural e militar.
- Tannourine não é Teerã - afirmou Charbel Komair, que é vereador.
A maior parte dos libaneses sabe que o Irã é o maior patrono do Hezbollah, fornecendo de tudo, de mísseis a vacas leiteiras. Mas ir além dos xiitas do Hezbollah é outra questão.
- Eles estão tentando reforçar sua base no Líbano para enfrentar um eventual colapso do regime na Síria - afirmou Marwan Hamade, líder druso e membro do parlamento, destacando que o colapso iria cortar o "cordão umbilical" por meio do qual o Irã forneceu bens ao Hezbollah e obteve acesso praticamente ilimitado ao Líbano durante décadas.
- O Hezbollah se tornou a linha de frente da influência iraniana, não apenas no Líbano, mas em todo o Mediterrâneo - tentando divulgar a cultura iraniana, sua dominação política e agora sua presença econômica - afirmou Hamade. - Mas existe uma espécie de rejeição libanesa a um envolvimento excessivo do Irã por aqui.
Contudo, isso não impediu o Irã de tentar. Mohammad-Reza Rahimi, primeiro vice-presidente do Irã, chegou a Beirute há algumas semanas com ao menos uma dúzia de propostas de projetos financiados pelo Irã debaixo do braço, praticamente um para cada ministério, segundo os líderes libaneses. O tamanho da delegação iraniana - mais de 100 membros - chocou as autoridades do governo. Os jornais libaneses contavam empolgadamente sobre detalhes embaraçosos do cortejo; em sua pressa por repetir seu sucesso no estreitamento das relações com o Iraque, por exemplo, os iranianos se esqueceram de substituir a palavra Bagdá por Beirute, no esboço de um acordo.
O Irã se ofereceu para construir a infraestrutura necessária para levar eletricidade através do Iraque e da Síria até o Líbano. Propôs-se a oferecer cursos de língua persa nas universidades públicas do Líbano. As demais propostas tinham relação com comércio, desenvolvimento, hospitais, estradas, escolas e, naturalmente, com a barragem de Balaa, em Tannourine.
Ainda assim, virtualmente, nenhum novo acordo foi assinado. O embaixador iraniano, Ghazanfar Roknabadi, reagiu como um pretendente desprezado, resmungando publicamente e afirmando que o Líbano precisa fazer mais para realizar acordos. A embaixada do Líbano rejeitou um pedido de entrevista, mas a TV estatal iraniana citou Roknabadi, dizendo: "A nação iraniana oferece conquistas e progresso para os países muçulmanos oprimidos da região".
É aí que reside o problema. A Síria, governada por uma seita assumidamente xiita, realizou sua aliança como uma forma de contrapeso ao poder dos países sunitas, como a Arábia Saudita. A aliança foi composta para confrontar o ocidente e seus aliados, não como resposta a quaisquer simpatias sectárias.
No Líbano, um país com diversas seitas religiosas, muitas pessoas interpretam as referências iranianas a "muçulmanos", como referências apenas aos "xiitas". O Hezbollah insiste que isso não é verdade, que o dinheiro chega sem exigências específicas e que é para o bem de todos os libaneses.
- Os iranianos afirmam: 'Se vocês querem fábricas, estamos prontos, se querem eletricidade, estamos prontos', e eles não pedem nada em troca - afirmou Hassam Jishi, gerente geral da Waad, uma organização que reconstruiu os subúrbios ao sul. (O nome significa "promessa" em árabe, uma referência à promessa de reconstruir a área, feita por Nasrallah.) Construir apartamentos e lojas para cerca de 20.000 pessoas custou 400 milhões de dólares, afirmou Jishi.
Metade do dinheiro veio do Irã, afirmou Nasrallah em seu discurso, acrescentando que ele ligou diretamente para o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, para pedir ajuda com a reconstrução, antes mesmo do cessar-fogo com Israel, em 2006. Tanto Khamenei quanto o presidente Mahmoud Ahmadinejad responderam de forma generosa, afirmou.
- Nós devemos um agradecimento especial aos líderes da República Islâmica do Irã, ao governo, à população, porque sem o dinheiro iraniano, nós nem poderíamos ter pensado em chegar aonde chegamos - afirmou Nasrallah.
Nos subúrbios ao sul, o que já foi uma confusão de construções caóticas se transformou agora em uma organizada sequência de bonitos blocos de apartamento laranja e rosa, com elevadores, geradores e estacionamentos. Mas uma rede elétrica desorganizada cruza as ruas como muitas teias de aranha, porque o fornecimento de eletricidade continua a ser imprevisível. O Líbano sofre com uma falta crônica de eletricidade, gerando apenas 1.500 megawatts de energia, quando o pico de demanda no verão chega a 2.500 megawatts.
O projeto iraniano de financiar a hidrelétrica parece ter o objetivo de resolver tais problemas - e a finalidade de conquistar os corações e as mentes da população, resolvendo um problema que o governo foi incapaz de solucionar até o momento.
Aqui em Tannourine, pode-se ouvir o som das águas ecoando nas altas paredes do vale, entalhadas com as cavernas onde os primeiros cristãos procuraram abrigo da perseguição, séculos atrás. Nos fins de semana, restaurantes construídos sobre o rio Jordão atraem uma multidão de pessoas vindas de Beirute, 72 quilômetros ao sul, para longos almoços guarnecidos com meze e shish kebab, e regados com um suave arak produzido no local. As fontes da região enchem as garrafas de uma das marcas mais populares de água mineral do Líbano, chamada Tannourine.
A ideia da barragem é popular entre os 35.000 habitantes da cidade, já que ela iria gerar eletricidade e fornecer água para a irrigação, afirmou o prefeito Mounir Torbay.
A barragem foi incluída no orçamento libanês de 2012 e o contrato foi concedido a uma empresa libanesa, segundo o prefeito. Mas, então, o projeto foi atrapalhado pelos políticos do país.
Um importante político cristão que estava tentando vencer seus rivais pediu para que a república islâmica desse 40 milhões de dólares para a represa, o Irã concordou em fazê-lo em dezembro, desde que uma empresa iraniana a construísse. Segundo Torbay, a população dessa região é quase exclusivamente cristã, e ficou apavorada com a perspectiva da chegada de um grande número de iranianos, provavelmente trazendo suas mesquitas, esposas e talvez até mesmo seus mísseis. Muitos suspeitam que alguma empresa ligada às Guardas Revolucionárias ganhará o contrato.
- Nós precisamos muito da represa, mas não queremos que ela seja construída por uma empresa iraniana - afirmou o prefeito. - Eles são de uma religião e de uma condição social diferente da nossa.
Ainda há cerca de 70 igrejas em Tannourine, das quais 22 são dedicadas à Virgem Maria, e boa parte dos cristãos acredita que sua cultura e sua tradição já enfrentam ameaças grandes o bastante em todo o Oriente Médio, segundo os residentes.
- Um dos sonhos do Irã é dominar essas montanhas - afirmou o prefeito. - Para eles, é importante vigiar o Mediterrâneo. Portanto, o Líbano é uma parte fundamental de sua estratégia.
O futuro do projeto continua incerto. O governo está inclinado a aceitar os 40 milhões, em especial porque boa parte da ajuda estrangeira desapareceu desde que uma aliança dominada pelo Hezbollah formou o governo no ano passado.
Quanto aos planos iranianos de conquistar o Líbano, muitos libaneses relembram que cristãos e sunitas já tentaram, sem sucesso, fazer isso no passado.
- Eu acredito que o plano iraniano de controlar o Líbano também esteja fadado ao fracasso - afirmou Sejaan M. Azzi, vice-presidente das Forças Libanesas, partido político que já foi uma milícia cristã. - Não confiamos na ajuda econômica iraniana; nós acreditamos que ela seja parte de um projeto político, militar e de segurança.