Lagunitas, Califórnia - Para encontrar a porta da frente de David Lee Hoffman, é preciso dar a volta à direita no campanário e passar a fossa em um barco chamado Titanic II. Deve-se atravessar - cuidadosamente - o túnel de pedra, seguir a escadaria de tijolos até o Palácio dos Vermes e a vista deslumbrante da torre Solar Power Shower ("Banho de Energia Solar").
Não tem como errar.
Pelas últimas quatro décadas, Hoffman, de 67 anos, um empresário que se especializou em folhas de chá raras e antigas, vem construindo um complexo com inspiração chinesa e tibetana em uma colina íngreme nesta relíquia hippie. Não dotado de personalidade jurídica, ele fica no oeste do condado de Marin, onde o armazém geral tem um piano comunitário e vende roupas "feitas com paz e amor".
Tempos atrás, a aldeia se orgulhava de sua beleza intocada e atitude de viver e deixar viver. Mas isso foi antes da disputa amarga enfrentada por Hoffman, com suas técnicas não convencionais para viver de uma forma que ele chama de sustentável, contra os agentes encarregados de fazer cumprir os regulamentos, cujas exigências de autorização Hoffman ignorou em repetidas ocasiões.
O caso, que está agora nas mãos de um juiz estatal administrativo, dividiu os vizinhos que moram no desfiladeiro arborizado que compartilham. Até recentemente, as vozes mais fortes que se escutavam eram apenas as das rãs nativas, cuja cacofonia Hoffman pode incitar à vontade, coaxando para as plantas de papiro da sua fossa superior.
É provável que Hoffman, que já foi chamado de Indiana Jones do chá, seja o último praticante do faça-você-mesmo. Mas o condado Marin tem vários problemas com as aproximadamente 30 estruturas com as quais ele sonhou e que construiu ao longo dos anos. A principal das preocupações é com o método de eliminação e reciclagem de resíduos. Ele se chama vermicompostagem e consiste em que colônias de vermes, microrganismos e folhas ricas em carbono transformem resíduos em húmus. A água do chuveiro e da pia da cozinha flui até a fossa superior, juntamente com os restos de alimentos que digeridos no Taj Mahal de cobre para vermes de Hoffman. O resultado é uma "água cinza" que passa por filtros antes de ser canalizada para o jardim para cultivar batatas peruanas, azedinhas francesas e outros vegetais.
Hoffman e a esposa, Ratchanee Chaikamwung, uma tailandesa conhecida como Bee, não usam sabão. Eles lavam os pratos com uma mistura de cinza de madeira e conchas de ostras. No lugar de um vaso sanitário convencional, usam câmaras independentes com um sistema de vermicompostagem (há um banheiro padrão para as visitas mais medrosas). As privadas de compostagem, com ou sem vermes, não são permitidas no condado de Marin.
A possibilidade de que as fossas transbordem em um riacho de salmões nas proximidades é uma preocupação a mais.
- Notificamos o David muitas vezes sobre a necessidade de licenças de construção - disse Debbi Poiani, especialista sênior na aplicação do código do condado.
- Mas mesmo com as etiquetas vermelhas, ele apenas continuou fazendo o que faz com toda a alegria - acrescentou, referindo-se aos adesivos que indicam a violação do código.
A busca de Hoffman por chás artesanais e produtores artesanais de regiões remotas da China foi o tema de um documentário lançado em 2007, "All in this tea" ("Tudo neste chá", em tradução livre), de Les Blank e Gina Leibrecht, cineastas que estão documentando a ascensão de seu complexo, chamado por ele de Last Resort (jogo de palavras que pode significar "último resort" ou "último recurso"). Incluindo uma caverna para envelhecer folhas de Pu-erh em longos recipientes de bambu e uma casa de chá, é um reino em parte himalaio, em parte primitivo, repleto de restos de construção.
- Eu queria mostrar que existem formas distintas de viver sem poluir o planeta - explicou Hoffman enquanto bebia chá e comia "chapatis" feitos à mão com trigo cultivado à moda antiga. - Na minha cabeça, achei que poderia demonstrar ao condado que esses sistemas funcionam.
O condado permanece cético: a comissão notificou o casal para que "suspenda a ocupação" até que um sistema séptico aprovado seja instalado e os edifícios, muros e fossas estejam em conformidade com o código. Além disso, Hoffman enfrenta cerca de 200 mil dólares em multas por construir sem as licenças correspondentes e por fazer funcionar o Phoenix Collection, o seu mais recente negócio de chás, nas instalações.
Para os partidários de Hoffman, a arquitetura de improvisação proposta por ele é uma espécie de Torre Watts de madeira - o famoso marco cultural feito de concreto, aço e mosaicos incrustados de Los Angeles.
Como George Lucas e o Grateful Dead, Hoffman "ajuda a colocar Marin no mapa como um lugar de criatividade e originalidade únicas", argumentou um vizinho, Vernon Castle, em uma carta dirigida ao município (embora Lucas também tenha seus próprios problemas, tendo acabado de cancelar o plano de construir um importante complexo de tecnologia digital no oeste de Marin devido a uma intensa oposição).
Filho de um empresário fabricante de papéis de parede, Hoffman cresceu em Oakland e foi um objetor de consciência (alguém cujos princípios religiosos, morais ou éticos são incompatíveis com o serviço militar) durante a Guerra do Vietnã. Passou uma década mochilando no Tibete, Nepal e em outros lugares na Ásia antes de se instalar em Marin, em 1973. Criou um negócio baseado em um processo que inventou para limpar tecidos antigos usando vibrações sonoras.
- Eu limpava peças que valiam mais do que a minha casa - disse ele. - Já o chá era algo fácil e tranquilo.
O seu projeto fanático de construção é dotado de intensidade, mas também de suavidade. Para construir o telhado da casa de chá, por exemplo, Hoffman, que tem medo de altura, recrutou antigos artistas do Cirque du Soleil para que o ensinassem a se suspender de forma segura no ar.
Ele insiste que achava que tinha a bênção não-oficial do condado. - Eu fiz o que eu acreditei que era certo - disse ele. E acrescentou: - Meu amor pelo planeta é maior que o meu medo da lei.
As tribulações de Hoffman começaram quando um vizinho o acusou de derrubar árvores e fazer construções além dos limites de sua propriedade. O vizinho, Chuck Ford, disse que concordou em vender a terra para Hoffman por 4 mil dólares - dinheiro que ele afirma ainda não ter recebido. Essa disputa legal já dura 17 anos.
"Acredito que ele realmente achou que, como queria a nossa propriedade, ela era sua por direito", disse Ford em um e-mail. "Isso tudo é extremamente egocêntrico."
Sim Van der Ryn, especialista em arquitetura sustentável consultado por Hoffman, disse que a única maneira de adequar as construções ao regulamento seria derrubá-las.