Seul, Coreia do Sul - Em agosto de 1996, o Venerável Pomnyun, um monge budista da Coreia do Sul, navegava pelo Rio Yalu entre a China e a Coreia do Norte quando viu um menino agachado sozinho, na margem norte-coreana das águas. O menino vestia farrapos, o rosto magro coberto de terra.
Pomnyun gritou para ele, mas o menino não respondeu. O companheiro chinês de Pomnyun explicou que as crianças norte-coreanas eram instruídas a nunca mendigar para estrangeiros. E quando Pomnyun perguntou se o barco poderia se aproximar da criança para ajudar, ele foi lembrado de que não podia entrar em território norte-coreano.
- Eu jamais havia entendido o significado de uma fronteira de forma tão dolorosa quanto naquele dia - declarou Pomnyun, de 59 anos. - Eu jamais havia sentido tão intensamente que a Coreia é uma nação dividida.
O encontro o levou a estabelecer uma das primeiras campanhas humanitárias para refugiados da Coreia do Norte, assumindo um papel improvável para um monge budista. Hoje, em vez de levar uma vida reclusa de silenciosa contemplação, ele é um conhecido analista da Coreia do Norte - e seu informativo online é uma importante fonte de informações clandestinas sobre o isolado país.
Antes de sua viagem pelo Yalu, Pomnyun recusava-se a acreditar nas histórias de conhecidos chineses sobre inúmeros norte-coreanos morrendo de fome enquanto o sistema de racionamento alimentar do país desmoronava. Mas assim que confrontou a realidade, o monge, que já dirigia uma organização de caridade na Índia, enviou voluntários ao nordeste da China, oferecendo comida e abrigo aos milhares de refugiados norte-coreanos que começavam a se espalhar pelo rio da fronteira.
Quando sua organização, chamada Good Friends, divulgou fotos dos corpos de norte-coreanos que haviam se afogado no rio, exaustos demais para completar o último trecho de sua desesperada jornada por comida, ela criava uma das primeiras documentações do que foi posteriormente reconhecido como uma das crises de fome mais terríveis do século XX. Num país com 20 milhões de habitantes, até 3 milhões de pessoas morreram de fome ou doenças relacionadas a ela.
O que abalou Pomnyun não foram apenas as histórias contadas pelos refugiados, de famílias tentando sobreviver com casca de pinheiro e raízes selvagens, mas também a ignorância do mundo exterior frente a todo esse sofrimento.
- Os líderes mundiais e a mídia falavam obsessivamente sobre Kim Jong Il e suas armas nucleares - afirmou Pomnyun. - Mas e quanto ao povo norte-coreano?
O grupo de Pomnyun começou a narrar o desastre, entrevistando mais de cinco mil refugiados que chegavam à China e publicando uma série de reportagens e livros sobre sua luta. Quando a Good Friends começou a publicar seu boletim informativo, em 2004, este logo se tornou uma leitura obrigatória entre políticos e jornalistas da Coreia do Sul.
O primeiro de seu tipo, o informativo trazia relatos oportunos da vida na Coreia do Norte, feitos por informantes anônimos dentro do país, alguns dos quais haviam voltado para casa após a ajuda da organização. Eles se comunicavam por celulares contrabandeados e outros meios que Pomnyun prefere não revelar.
Quando o informativo, North Korea Today, passou a ser publicado também online, ele se tornou um protótipo para outros sites. Juntos, os sites ajudaram a vencer o que vinha sendo, há décadas, um blecaute quase completo de informações sobre a Coreia do Norte. Eles monitoram o preço dos alimentos e transmitem atualizações contínuas - embora por vezes conflitantes - sobre enchentes e epidemias.
Pomnyun administra seu próprio templo numa cidade provinciana, além de programas de estudo de meditação e escrituras budistas em todo o país. Nascido numa família agrícola rural, Pomnyun cresceu com irmãos mais velhos que eram religiosa e politicamente ativos; um foi condenado à morte por atividades antigoverno sob a ditadura da época, mas acabou sendo libertado.
Inicialmente, o Pomnyun mais jovem queria tornar-se físico ou astrônomo. Mas quando estava no colegial, um encontro casual com um respeitado monge, chamado Domun, levou-o a se tornar um monge ativista - iniciando campanhas pela proteção ambiental, pela reforma religiosa, por ajuda para os famintos e pela unificação das duas Coreias. Durante a ditadura militar, ele foi preso e torturado por agentes do governo que combatiam os dissidentes.
Hoje, Pomnyun cumpre sua missão em meio ao mundo secular. Seu escritório em Seul fica numa pequena viela repleta de restaurantes, bares e "hotéis do amor", onde as pessoas se encontram para aventuras amorosas. Membros do governo telefonam para comparar informações sobre a Coreia do Norte. Ele viaja aos Estados Unidos para ministrar palestras frequentadas por acadêmicos e analistas do governo.
Os textos e apresentações de Pomnyun - ele realiza uma média de 12 palestras por semana sobre diversos tópicos, incluindo como ser uma boa mãe - transformaram-no num dos monges mais conhecidos do país. "Citações de Pomnyun" são amplamente compartilhadas online. Uma recente dizia: "Mesmo que digam que os norte-coreanos são nossos inimigos, eles são coreanos como nós. Enquanto transformamos nosso arroz excedente em ração animal, crianças norte-coreanas morrem de fome. O que nossos ancestrais diriam disso?".
Seu ativismo social arrastou-o até mesmo ao tumulto da política sul-coreana, especialmente depois que palestras organizadas por ele para plateias jovens, sobre como lutar pela justiça social, proporcionaram uma plataforma para Ahn Cheol-soo, desenvolvedor de softwares e crítico aberto do Grande Partido Nacional - o partido governante. Hoje Ahn está sento citado em pesquisas de opinião como um fortíssimo candidato para as eleições presidenciais, em dezembro, caso decida se candidatar.
O Allinkorea.net, site de notícias de direita, fez de Pomnyun seu alvo favorito, chamando-o de "demagogo político usando a máscara da religião".
Os incansáveis apelos de Pomnyun por mais ajuda aos norte-coreanos nem sempre foram populares no sul, onde os sentimentos em relação ao norte oscilam entre a compaixão e o medo de suas intenções militares.
Em 2006 e 2009, os relatos de seu grupo sobre terríveis inundações e uma epidemia de gripe suína na Coreia do Norte estimularam o governo sul-coreano a colocar a política de lado e enviar socorro. Mas seus apelos foram praticamente ignorados pela administração conservadora do presidente Lee Myung-bak, que acusou Pomnyun de superestimar a última crise de alimentos. Pomnyun reagiu dizendo que o governo estaria brincando de política com o bem estar do povo. Em 2008, ele passou 70 dias em greve de fome para destacar a situação dos norte-coreanos.
Os métodos estatísticos da Good Friends em seus primeiros estudos levaram alguns especialistas em ajuda humanitária a acusar o grupo de exagerar a fome, seja involuntariamente ou para promover o caso para a ajuda. Mas Rajiv Narayan, pesquisador da Coreia do Norte na Anistia Internacional, afirmou que os primeiros trabalhos, mesmo que imperfeitos, "nos ajudaram a compreender o que estava acontecendo na Coreia do Norte".
Sobre Pomnyun, ele acrescentou:
- As pessoas em nosso meio o escutam.
Pomnyun diz levar as críticas na esportiva.
- Progressistas me criticam por atrair atenção a violações de direitos humanos no norte, e conservadores me atacam por pedir ajuda para o norte - explicou Pomnyun, acrescentando que ele também havia sido acusado de trabalhar para a CIA ou para o governo norte-coreano. - Meu objetivo não é nem apoiar e nem me opor à Coreia do Norte. Estou simplesmente chamando a atenção para uma crise humanitária.
Por esse motivo, Pomnyun é profundamente cético não só quanto às políticas de seu próprio país em relação à Coreia do Norte, mas também quanto ao foco dos Estados Unidos na ameaça que o país representa.
- O problema é que quanto mais você pressiona os norte-coreanos, mais desesperados eles ficam para desenvolver armas nucleares. Os americanos ficam perguntando: 'Por que os norte-coreanos produzem armas nucleares enquanto seu povo passa fome?'. Essa pode ser uma boa forma de criticar a Coreia do Norte, mas não funciona tão bem para influenciar um regime paranoico cuja maior prioridade é a autopreservação - disse Pomnyun.
The New York Times
Monge sul-coreano combate o sofrimento na Coreia do Norte
Venerável Pomnyun estabeleceu uma das primeiras campanhas humanitárias para refugiados do país, assumindo um papel improvável
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