Bagdá - Uma recente onda de assassinatos e intimidações voltadas contra homossexuais iraquianos e adolescentes que se vestem de acordo com as ousadas modas ocidentais está levando medo aos círculos seculares do Iraque e levantando dúvidas sobre a vontade do governo de proteger alguns de seus cidadãos mais vulneráveis.
Muitos detalhes do que os jornais iraquianos têm chamado de "assassinatos dos emos" são obscuros, mas o barulho vem em um momento estranho para o Iraque. O país está se preparando para se apresentar ao mundo como o anfitrião de uma importante reunião de líderes árabes no final de março, o primeiro grande evento diplomático desde que os Estados Unidos retiraram suas tropas em dezembro.
Mas a notícia de que jovens de camisetas apertadas e calças justas estão sendo jogados nas ruas depois de serem espancados até a morte com blocos de concreto ameaçou lançar uma sombra sobre as palmeiras novas e a tinta fresca. A violência serve para lembrar que o governo foi incapaz de impedir as ameaças e os ataques contra pequenas seitas religiosas, grupos étnicos e párias sociais como os homens gays.
Um funcionário da segurança do Ministério do Interior afirmou que, em um período de duas semanas no início de março, as autoridades encontraram os corpos de seis homens cujos crânios haviam sido esmagados. A Reuters informou que o número pode ser superior a 14, de acordo com funcionários de hospitais e da segurança. Grupos de direitos civis afirmam que mais de 40 jovens foram assassinados, mas não ofereceram evidências que confirmassem esse dado.
Defensores dos direitos humanos afirmam que as ameaças e a violência são voltadas contra homossexuais e jovens que se vestem com um estilo tipicamente iraquiano que mistura moda hipster, punk, emo e gótica. O visual, chamado por aqui simplesmente de "emo", surgiu nas ruas de Bagdá como um símbolo de mais liberdade social à medida que a sociedade voltou a florescer após anos de violentos conflitos urbanos. Mas ele tem atraído o desprezo e a indignação de alguns conservadores religiosos e, com frequência, é erroneamente considerado gay.
Verificar os relatos dos assassinatos é uma tarefa praticamente impossível. Na maior parte dos casos, nem os familiares nem os amigos da vítima se apresentaram, e as autoridades iraquianas negam que exista qualquer campanha visando gays ou adolescentes emos. Eles afirmam que as histórias são uma invenção da mídia destinada a gerar histeria e a constranger o Iraque.
Mas o governo iraquiano foi o primeiro a rotular os jovens emos como uma ameaça pública. Em 13 de fevereiro, o Ministério do Interior divulgou uma declaração condenando o "fenômeno emo" como satânico. A rebelde moda adolescente das roupas escuras, camisetas com estampas de caveiras e piercings no nariz, segundo a declaração, é um símbolo do diabo.
O ministério afirmou que sua polícia social seria enviada para investigar "os emos" e acrescentou que suas equipes haviam recebido autorização para entrar em todas as escolas de Bagdá para encontrá-los.
"Ela tem a aprovação oficial para eliminá-los o mais rápido possível, porque as dimensões dessa comunidade começaram a tomar um novo rumo e ela agora é uma ameaça real", afirmou a declaração.
A estética emo é derivada da cena punk dos Estados Unidos nos anos 1980 e foi revisitada pelos jovens de Bagdá nos últimos anos. Seu nome é uma abreviação de "emotional hardcore", ou hardcore emocional.
Ibrahim al-Abadi, porta-voz do Ministério do Interior, afirmou que a declaração foi mal interpretada. Ele afirmou que os jovens emos são livres para se vestirem da forma como quiserem e afirmou que o governo iria protegê-los.
Entretanto, ao longo das últimas semanas, cartas ameaçadoras começaram a aparecer em vizinhanças xiitas em toda Bagdá, afirmam os moradores. Um dos panfletos, escaneado e postado online, lista os nomes e os apelidos de dezenas de homens gays. Ele dava um aviso a pessoas identificadas como Haider Japonês, Allawi Sutiã e Mohammed Flor, entre outros: mude seu comportamento, deixe de ser gay, ou encare consequências fatais.
"O destino de vocês será a morte, se não pararem de fazer isso", um folheto adverte. "A punição será cada vez mais dura, seus gays. Não sejam como o povo de Ló. Vocês devem aprender com aqueles que os precederam."
Outro panfleto que circula pelo bairro Zayouna parece ser dirigido aos jovens emos. Ele os incita a cortarem o cabelo, a pararem de usar as roupas dos adoradores do diabo e a não ouvirem rock pesado, emocore ou rap. E, caso eles se recusem, "a punição divina cairá sobre vocês e será realizada pelos mujahedin", afirma a carta. "Um homem prevenido vale por dois." A autenticidade dos panfletos não pôde ser confirmada.
Ainda não se sabe quem está por trás da intimidação e da violência. Os defensores culpam milícias xiitas como o Exército Mahdi, do clérigo radical Muqtada al-Sadr, pelos últimos assassinatos e assaltos cometidos contra homossexuais. Al-Sadr recentemente negou qualquer responsabilidade pelas recentes ameaças ou pela violência, mas chamou os adolescentes emos de antinaturais e afirmou que eles devem ser tratados segundo os meios legais, de acordo com o canal de notícias iraquiano Al Sumaria.
Há pelo menos seis anos os gays são intimidados e assediados pelas forças de segurança, e espancados e mortos por milícias islâmicas reacionárias em áreas de maioria xiita em Bagdá.
Ali Hili, ativista gay iraquiano que vive em Londres, afirmou que até 750 homossexuais iraquianos foram mortos nos últimos seis anos, e milhares emigraram ou estão vivendo no fundo do armário.
- É uma guerra evidente contra as minorias sexuais no Iraque. Eles se negam a admitir isso. É uma desgraça. Eles aparecem na TV e afirmam que são contra os assassinatos. Mas não fazem nada para acabar com os assassinatos na região - afirmou.
O medo tem se espalhado em todos os nichos socialmente liberais de Bagdá, desde lojas de roupas nos porões da cidade, onde os jovens compram pingentes de caveira e equipamentos de skate, até salões de beleza e teatros da alta classe. Os defensores dos direitos humanos afirmam que alguns jovens emos e homens gays abandonaram Bagdá e foram para o norte do Iraque, ao passo que outros desistiram de usar seus penteados estilizados e suas roupas.
Quatro amigos gays em Bagdá, sentados lado a lado para uma entrevista, afirmaram que o assédio e as ameaças diárias chegaram a um limite especialmente ameaçador nas últimas semanas. Vizinhos disseram a eles:
- Sua vez chegará em breve.
Jovens passaram de carro e gritaram:
- Tijolo! Tijolo! Tijolo! - se referindo à atual arma utilizada nos ataques.
Mustafa, de 25 anos, afirmou ter sido recentemente demitido de uma loja de roupas porque seu chefe achava suas roupas muito afetadas. Hussein, de 26, afirmou que abandonou sua casa depois que seus irmãos o ameaçaram de morte. Hasan, de 32, usa uma touca de esqui bordô para esconder os cabelos longos.
- O que vocês veem em mim que é assim tão errado? Eu sou um cara normal. Eu preferia morrer a viver dessa maneira - disse Mustafa, que afirmou estar amedrontado demais para permitir que seu nome completo fosse publicado.
Com pouco para continuar, além das negativas do governo, grupos online de homossexuais e adolescentes seculares iraquianos vêm tentando entender o que está acontecendo. Eles enviaram cópias das cartas ameaçadoras, e repassaram imagens que parecem identificar ao menos um assassinato que corresponde ao padrão.
Em uma foto, um belo rapaz de casaco branco, óculos escuros de aviador e cabelos pretos espetados parece estar posando para um anúncio da Gucci. Em outra, o rosto vago e ensanguentado de um homem com características semelhantes olha para o céu. Seu corpo jaz na caçamba de uma caminhonete da polícia.
Amigos o identificaram como Saif Raad Asmar Abboudi, um jovem de 20 anos de uma das áreas mais pobres do bairro de maioria xiita Cidade Sadr. Um relatório da polícia iraquiana obtido por Hili, o militante LGBT iraquiano, afirma que ele foi espancado até a morte com um tijolo à uma da manhã do dia 17 de fevereiro. A polícia não identificou qualquer suspeito, conclui o relatório.
Uma das amigas de Abboudi, uma jovem de 20 anos chamada Noor, o descreveu como uma pessoa gentil e tranquila que "nem era muito emo". Ser emo no Iraque, comentou, era somente uma forma de estilo e de expressão individual. Segundo afirmou, ela e sua família fugiram para o norte depois da morte de Abboudi. Ela não sabia quando se sentirá segura o bastante para retornar.
- É isso que acontece conosco porque usamos roupas pretas? - perguntou.
Intolerância
Assassinatos brutais amedrontam homossexuais e emos no Iraque
Enquanto aumenta o número de jovens mortos por causa do jeito de se vestir, o governo diz que as vítimas é que são a ameaça
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