Tegucigalpa - Há pouco tempo, Julieta Castellanos podia caminhar até o mercado da esquina, pedir uma porção de tortilhas de milho e dois litros de Coca-Cola, depois voltar para casa sem receber olhares de esguelha ou comentários repentinos. Mas ela tem notado que circular por aí já não é mais tão fácil assim.
Castellanos, presidente de uma das maiores universidades de Honduras, agora anda acompanhada o tempo todo por uma equipe de seguranças e, muitas vezes, quando alguém avista seus conhecidos cachecóis de seda na rua, a chama para dizer alguma coisa.
- Você é a esperança do povo - um taxista disse a ela recentemente.
- Eu recorto suas declarações nos jornais e as guardo na gaveta da minha mesa - confidenciou um colega de trabalho.
- Estamos com você na luta - disse um garçom.
Desde o assassinato de seu filho mais novo, Rafael Alejandro Vargas, de 22 anos, e de seu amigo, Carlos Pineda, de 24 anos, pela polícia nacional de Honduras, em outubro, Castellanos, de 57 anos, se tornou uma heroína inesperada: uma civil capaz de embarcar em uma guerra pública com os cartéis de drogas e o seu controle sobre as instituições públicas do país.
Suas críticas mordazes já se tornaram tão comuns nos jornais quanto as palavras cruzadas. Ela tachou a força policial de monstruosa e disse que seria culpa do chefe da polícia se fosse assassinada. As autoridades de Honduras prestaram atenção às suas declarações, e espera-se que o presidente Porfirio Lobo aprove uma reforma geral da polícia nacional em breve, baseada em uma proposta de Castellanos.
Muitos consideram que Castellanos inspirou um movimento de mudança em Honduras, um país de oito milhões de habitantes que se transformou rapidamente em uma das áreas mais violentas do mundo. A repressão recente contra o tráfico de drogas no México e na Colômbia tem trazido criminosos para o país. A pobreza é imensa, o litoral é vasto e a impunidade prevalece.
Países aliados de Honduras recentemente intervieram no país, com a esperança de que a revolta pública leve a uma mudança na situação atual. O Chile e a Colômbia ajudaram a investigar policiais.
Autoridades dos Estados Unidos, preocupadas com a possiblidade de Honduras desestabilizar a América Central se não enfrentar imediatamente sua crise de segurança, tomaram a decisão pouco convencional de enviar um antigo embaixador na Nicarágua, Oliver P. Garza, para trabalhar como conselheiro em tempo integral dentro do palácio presidencial hondurenho.
Analistas afirmam que o sucesso da luta contra os cartéis em Honduras dependerá, em grande parte, de que governo consiga convencer o povo a se opor à cultura de intimidação que atrapalha as investigações. Castellanos está à frente dessa batalha.
- Continuarei com essa luta, mesmo que isso signifique que eu morra no caminho - ela disse em uma entrevista recente.
Castellanos, que cresceu em meio aos canaviais da zona rural de Honduras, sentiu-se atraída pelo meio acadêmico ainda jovem, mas prometeu a seus pais que não esqueceria os problemas do cidadão comum. Ela cursou sociologia, e logo estava escrevendo artigos com títulos como "Honduras: Estado de Corrupção".
- Eu conheço os direitos do povo, e sei o que o governo deve ou não fazer - ela disse.
Há tempos que ela é uma figura pública. Escreve uma coluna de jornal há 13 anos e, em 2004, fundou um instituto de estatísticas criminais na Universidade Nacional Autônoma de Honduras. Conhecido como Observatório da Violência, o instituto hoje está localizado sobre um morro, ao lado do observatório de astronomia, um símbolo de sua ambição.
Castellanos se tornou presidente da universidade em 2009, pouco antes do golpe perpetrado pelo exército de Honduras, que derrubou um presidente doente, ainda de pijama, e lançou o país em uma crise. O caos logo tomou a universidade, e os estudantes e funcionários entraram em conflito com a polícia, exigindo a volta do presidente deposto, Manuel Zelaya.
Castellanos defendeu a civilidade, mas a violência continuou. Como presidente da universidade, Castellanos trabalhou para modernizá-la, acabando com o favoritismo político. Ela conquistou os alunos e os funcionários com festas à base de paella em sua casa.
Ayax Irias, que há muito tempo leciona na universidade e hoje é vice de Castellanos, disse que seu estilo consistia em exigir ações, não importando os custos.
- Ela é uma espécie rara em um país como Honduras - ele disse.
Hoje, à medida que Castellanos direciona sua atenção para a polícia nacional, sua voz estrondosa e seu estilo intransigente têm incomodado algumas autoridades, que a acusam de exercer manobras políticas. (Ela negou qualquer interesse em cargos públicos.)
Ela defendeu energeticamente a criação de uma comissão internacional para a fiscalização de uma reforma policial, mas encontrou forte resistência dentro do governo. Hector Ivan Mejia, um porta-voz da polícia, disse que sua postura era equivocada.
- Nós é que saberemos lidar com o problema - ele disse.
O Congresso Nacional acabou aprovando a ideia. Castellanos também já entrou em conflito com Lobo, que se viu no meio de uma revolta nacional depois do assassinato dos dois jovens, mortos quando voltavam de uma festa de aniversário em outubro.
Lobo defende a sua postura, afirmando que já substituiu cerca de 200 dos 14 mil policiais e líderes da polícia, criou um programa de policiamento comunitário e contratou um bispo para a força policial, na esperança de incutir valores religiosos na instituição. A peça chave de sua estratégia é a Operação Relâmpago, um esforço conjunto entre o exército e a polícia para patrulhar as regiões mais violentas do país.
Embora tenha ocorrido uma pequena queda no número de homicídios desde o começo da operação, em novembro, Honduras ainda conta com uma das maiores taxas de homicídios do mundo, com 85,9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, de acordo com o Observatório da Violência (os Estados Unidos, em contrapartida, têm uma média de cinco homicídios para cada 100 mil habitantes).
No ano passado, houve 7.059 homicídios, o que representa um aumento de 13,1% em comparação a 2010. Lobo admite que há falhas no combate à criminalidade. Mas ele afirma que a Operação Relâmpago e outros esforços, como a proibição de que dois homens andem juntos em uma mesma moto, para evitar a ocorrência de disparos de motos em movimento, estão funcionando.
- Quando eu deixar a presidência, Honduras terá paz e tranquilidade - Lobo disse a repórteres recentemente.
Muitas forças de segurança da região foram infiltradas por organizações de tráfico de drogas, mas analistas acreditam que o problema é especialmente preocupante em Honduras, por causa de sua enorme pobreza, sua proximidade com o México e os atrasos que o golpe de 2009 causou às instituições de segurança. No último ano, policiais já foram condenados por raptos, extorsões e roubos.
Lisa J. Kubiske, embaixadora dos Estados Unidos em Honduras, disse que a crise representa uma "ameaça existencial" para Honduras.
- A quantidade de dinheiro que as organizações ligadas ao tráfico de drogas têm para gastar é enorme, especialmente se considerarmos que este é um dos países mais pobres do hemisfério - ela disse.
Em outubro, na noite antes das velas e cartões com pêsames começarem a aparecer em sua porta, Castellanos estava implicando com seu filho a respeito do carro da família.
Ela estava planejando muitas tarefas para o dia seguinte, e disse que precisava que ele devolvesse o carro até 8 da manhã. "Sim, mamãe", ele disse, com um tom entre a obediência e a rebeldia. Ela perguntou se ele havia enchido o tanque do carro. "Sim, mamãe." No entanto, quando o carro não apareceu na manhã seguinte e seu filho não atendeu o celular, Castellanos sentiu que algo estava errado.
Nos dias que se seguiram, Castellanos descobriu muitas coisas que preferiria não saber: Vargas havia morrido primeiro; ele havia sido alvejado nas costas. Oito policiais eram suspeitos de envolvimento. Muitos deles desapareceram depois do incidente, e alguns deles continuam na folha de pagamento do governo. Ela pensou sobre as coisas que seu filho deixou para trás.
Ele estava trabalhando em uma revista em quadrinhos de super-heróis com alguns amigos e esperava se formar em sociologia. Certa noite, centenas de estudantes se reuniram na universidade, com velas nas mãos, para homenagear os seus colegas mortos. Ao olhar para o mar de chamas, Castellanos disse que esperava que aquela geração pudesse viver livremente, sem medo.
- Nada disso nos livra do sofrimento, mas o sofrimento nos fortalece - ela disse.