
Quito, Equador - A luta continua para Rafael Correa, o presidente do Equador, está em conflito constante com a mídia do país praticamente desde que assumiu o poder, há cinco anos.

No final de fevereiro, ele perdoou três executivos e um colunista do El Universo, um famoso jornal conservador, que haviam sido condenados a três anos de prisão e multados em US$ 42 milhões em um processo por calúnia aberto pelo presidente. Mas Correa afirma que isso não foi uma trégua. Ele continua irritado com o que considera ser uma ditadura da mídia.
- Estamos travando uma batalha - disse Correa em uma entrevista recente no palácio presidencial. Ao comparar sua campanha contra a mídia jornalística ao fechamento ordenado por Abraham Lincoln de jornais que simpatizavam com o Sul durante a Guerra Civil Americana, ele disse que está tentando combater diretamente os ricos, que, há gerações, exercem poder econômico e político no país.
- Parte desse poder vem da mídia, que pertence às elites que destruíram a América Latina - ele disse, sob o olhar de um retrato de Eugenio Espejo, escritor do século XVIII que é considerado por muitos o pai do jornalismo equatoriano.
A campanha televisionada de Correa contra a imprensa, assim como seus processos contra jornalistas e uma nova lei que poderia reprimir a cobertura das eleições, levam a comparações com o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Chávez, um socialista aliado de Correa, já fechou canais de televisão e estações de rádio que apresentavam coberturas desfavoráveis ao governo.
No começo de março, a Suprema Corte da Venezuela multou em US$ 2 milhões a Globovision, um canal de televisão ligado à oposição, por sua cobertura de uma violenta rebelião carcerária, que os reguladores da área de comunicações consideraram provocativa.
- A luta por liberdade de expressão no Equador, assim como na Venezuela, é muito básica. Ela é movida por um esforço de concentração de poder e de intimidação e acossamento de críticos, que são apresentados como promotores de mentiras - disse Jose Miguel Vivanco, diretor-executivo para as Américas do Human Rights Watch.
Na Venezuela, vários jornais criticam Chávez de maneira agressiva, mas sua circulação é relativamente limitada. Ao tirar do ar um grande canal de televisão em 2007, Chávez eliminou uma voz da oposição que alcançava a maior parte do território nacional.
Agora, Correa assumiu um papel importante na questão. A preocupação mais recente dos jornalistas é um novo código eleitoral que proíbe qualquer meio de comunicação de divulgar material que favoreça um candidato em detrimento de outro. Isso impediria que jornais e outros meios apoiassem candidatos específicos, o que parece ótimo para Correa, que afirma que a imprensa deveria deixar a questão da política para os políticos.
Segundo ele, nos Estados Unidos, existem meios de comunicação liberais e conservadores, que criam um equilíbrio.
- Aqui, não há ninguém que fale pelos pobres - diz.
No entanto, jornalistas afirmam que, sob o novo código, publicar uma entrevista com um candidato pode ser considerado cobertura favorável, e investigar o passado de outro pode ser considerado prejudicial - o que significa que a cobertura rotineira do processo eleitoral pode ser considerada um ato ilegal.
Correa afirmou que essa não é a intenção
Em março, um tribunal atendeu a pedidos de grupos de jornalistas e bloqueou temporariamente essa seção do código eleitoral.
Os embates de Correa com a imprensa entraram em destaque em fevereiro, quando os pedidos de prisão e as enormes multas foram mantidos pela suprema corte do Equador no processo contra a Universo, aberto pelo presidente através de um estatuto de criminalização da difamação, que já foi considerado um enorme atraso à liberdade de expressão por grupos ligados aos direitos humanos.
O assunto em questão foi uma coluna escrita por Emilio Palacio, colunista que era também editor geral de editoriais do jornal, na qual acusa o presidente de permitir que tropas abrissem fogo contra um hospital durante um levante policial em 2010. A coluna não ofereceu qualquer prova em favor da acusação, que Correa negou.
Correa também processou dois jornalistas que escreveram um livro, "El Gran Hermano", sobre contratos governamentais oferecidos ao irmão do presidente, argumentando que eles afirmaram falsamente que ele sabia dos acordos. Um juiz decretou que os jornalistas deveriam pagar US$ 2 milhões. Ao mesmo tempo em que perdoou os acusados do caso Universo, Correa prometeu também retirar o processo contra os autores de "El Gran Hermano", afirmando que eles não precisariam pagar a multa.
Em ambos os casos, os acusados argumentaram que não havia como os juízes tomarem decisões imparciais em processos que envolvessem o presidente, cuja influência se estende para todos os poderes do governo. Correa afirmou não ter exercido qualquer influência sobre os juízes.
Juan Carlos Calderón, um dos autores do livro processados por Correa, disse que a imprensa sempre representaria uma dor de cabeça para qualquer presidente, mas que, no caso de Correa, "o melhor remédio é a decapitação".
Calderón afirma que Correa não está tentando melhorar a qualidade da imprensa, mas abafar as críticas.
- Todas essas políticas têm o objetivo de adestrar a imprensa - disse Calderón.
Calderón e seu coautor, Christian Zurita Ron, também estão sendo processados por Maria de los Angeles Duarte, ministra do governo Correa, que contesta a maneira como foi identificada em uma legenda de foto na primeira edição do livro. Jornalistas afirmam que isso é um exemplo de como outras autoridades governamentais estão seguindo o exemplo de Correa e assumindo uma postura agressiva em relação à imprensa.
Em vários outros casos recentes, jornalistas foram presos ou multados em casos de difamação envolvendo agentes do governo. Mas jornalistas também admitem que há tempos os barões da imprensa nacional têm utilizado os meios de comunicação para promover seus interesses financeiros e políticos.
Uma nova constituição, de 2008, exige que os bancos abram mão de seus bens não financeiros, incluindo meios de comunicação. Uma nova lei proíbe qualquer pessoa que tenha mais de 6 por cento de ações de uma empresa midiática de ter outros negócios. Os defensores das empresas de comunicação afirmam que isso irá enfraquecê-las economicamente.
Correa é uma celebridade enorme em um país de 14,5 milhões de habitantes, dos quais cerca de um terço é pobre, segundo o Banco Mundial. Ele assumiu a presidência pela primeira vez em 2007, e deve concorrer novamente nas próximas eleições, em fevereiro.
Seu governo é muito popular, especialmente entre os equatorianos mais pobres, que afirmam que ele melhorou as suas vidas. Ele construiu boas estradas, criou programas sociais e tentou instaurar um clima de eficiência no governo.
Apesar de todas as suas críticas à imprensa, Correa também é bastante ligado à mídia. Sua administração controla cerca de 19 meios de comunicação, entre eles canais de televisão, estações de rádio e jornais. Ele seguiu o exemplo de Chávez e passou a apresentar um programa semanal no canal estatal. Como Chávez, Correa costuma exigir que canais de televisão e estações de rádio transmitam programas governamentais elogiando o governo e atacando seus críticos, entre eles jornalistas.
Correa utiliza uma parcela impressionante de tempo de suas aparições públicas criticando a imprensa. Às vezes, ele até parece uma versão de esquerda de Rudy Giuliani, com uma língua afiada, um ego ardente, mas frágil, e um desdém ácido em relação à mídia muito parecidos com os do ex-prefeito de Nova York.
Muitos equatorianos concordam com Correa que a imprensa reflete, historicamente, os interesses das famílias mais poderosas. Mas eles também afirmam se ofender com o valor de US$ 42 milhões que ele ganhou durante os processos, e estão cada vez mais preocupados com sua postura contra a imprensa.
- Nós concordamos com o presidente. Mas já está ficando cansativo. É a mesma coisa toda semana - disse Manuela de Oquendo, vendedora de roupas de 62 anos, ao caminhar por um subúrbio de Quito com seu marido, Galo Oquendo, de 64 anos.
Correa afirma que continuará pressionando seus adversários na imprensa.
- Se continuarmos sendo dominados pelos mesmos poderes, teremos sempre os mesmos resultados: pessoas mais ricas que as dos Estados Unidos e mais pobres que as da África - ele disse.