Parque Nacional dos Bosques Muir, Califórnia - O que acontece quando juntamos uma poeta lésbica revolucionária, um famoso filósofo Zen, a fundadora de um sindicato de prostitutas e o inventor das banheiras autorreguladas e filtradas de água quente?
A resposta: Druid Heights - outrora uma próspera região boêmia da área da Baía de São Francisco, situada nas profundezas da floresta. Hoje, ela passa por um período de decadência, apesar de todo o esforço dos seus moradores, alguns poucos remanescentes da contracultura, para conservá-la.
Acessível por meio de um trajeto de 2,5 km por uma estrada de terra, Druid Heights é desconhecida pelos milhares de turistas que rumam em direção às nebulosas sequoias dos Bosques Muir, mesmo hoje, momento em que o reconhecimento da importância histórica e cultural do local está sendo considerado pela Agência Nacional de Parques dos Estados Unidos. O filósofo Alan Watts, que morreu aqui em 1973, na Casa Mandala, uma obra arquitetônica circular, semelhante a um pião, escreveu sobre essa comunidade de "qualidades etéreas, mitológicas", que atraiu artistas, escritores, músicos e hedonistas de 1954 até o início da década de 1970.
Entre eles estavam o poeta Gary Snyder, vencedor do prêmio Pulitzer; Margo St. James, que organizou o sindicato de prostitutas; Catharine A. MacKinnon, a professora de Direito feminista que assessora o Tribunal Penal Internacional em Haia sobre questões de gênero; e a poeta lésbica Elsa Gidlow, cujas cinzas foram depositadas perto do Templo Moon.
Na década de 1970, a Agência Nacional de Parques comprou o terreno onde fica a comunidade para proteger espécies ameaçadas de extinção e a bacia dos Bosques Muir. Ele concedeu aos três ex-proprietários que permaneceram no local, todos eles ainda vivos, o direito legal de morar em Druid Heights até a morte.
Mas o futuro do lugar é incerto, pois a Agência Nacional de Parques agora está definindo se Druid Heights - com sua banheira de água quente sugestivamente em ruínas - é culturalmente importante o suficiente para se qualificar para o Registro Nacional de Locais Históricos.
Em seu livro "The Joyous Cosmology" ("A Cosmologia Radiante", em tradução livre), de 1962, o inglês Watts, que ajudou a divulgar religiões e filosofias orientais, descreveu estar sentado em meio a fúcsias e beija-flores com os demais moradores, comendo pão caseiro e bebendo vinho branco. No que diz respeito ao coletivo, sugeriu ele, eram pessoas que que tinham escapado dos constrangimentos da sociedade moderna; "nomes, endereços e números de Segurança Social não os perturbavam nem entediavam mais".
Echo Heron, autora de best-sellers, passou anos saindo e voltando para a comunidade, residindo em uma casa inspirada em traços japoneses e polinésios que lembra as projeções de lanças da Trader Vic. "Todo dia era um acontecimento em Druid Heights", recordou ela.
Os famosos se reuniam na solidão enevoada da comunidade, com visitas breves de gente como Dizzy Gillespie, John Handy, Neil Young, Lily Tomlin e Tom Robbins. Seu idealizador, Roger Somers, um construtor e músico aventureiro - que "encarnava uma alegria exuberante", como escreveu Watts - encontrou os dois hectares paradisíacos, cheios de árvores de eucalipto e sequoias. Ele e Gidlow compraram a propriedade, que ela batizou de Druid Heights.
- O Roger era a cara desse lugar. Ele construiu esses buracos de rato nas montanhas e começou a alugá-los. Todas as outras pessoas ficavam apenas por um dia, eram interesseiras ou sanguessugas - disse Ed Stiles, 73 anos, designer de móveis personalizados e banheiras de água quente que viveu aqui durante 47 anos com sua esposa, a escultora Marilyn.
Somers, que morreu em sua banheira de água quente em 2001, forjou um estilo cujo objetivo era mais "cenográfico do que arquitetônico", disse Paul Scolari, historiador da Agência Nacional de Parques. Era um símbolo da desobediência civil na arquitetura, com telhados construídos de modo que parecessem que iam cair - colocados dessa forma para passar o efeito desejado.
- Roger não construiu nada que parecesse com o que era predeterminado. Na verdade, ele tinha bastante orgulho disso - contou Heron.
O lugar, que foi exemplo de simplicidade voluntária e autocultivo, também era "absurdamente sociável", lembrou Stiles:
- Uma noite eu entrei na banheira e tinha alguém bem legal dentro dela: Judy Collins.
A Agência Nacional de Parques deve avaliar a importância cultural e histórica das propriedades que estão sob seus cuidados. Ter o governo federal como senhorio "é mais irônico do que você imagina", disse Stiles, cuja casa rústica tem um relógio cuco, um urubu de pelúcia, um trenó vintage de Vladivostok e um chuveiro redondo de madeira inspirado em um balde de leiteira francês.
Cerca de metade das 16 excêntricas estruturas da aldeia estão cobertas por vinhas e bambus em profusão. Mas a biblioteca de Watts, assim como a casa e a cabana de Gidlow, entre outros edifícios, perduram.
Mesmo que Druid Heights se qualifique para o Registro Nacional de Lugares Históricos, a sua preservação será muito difícil, alertou Alexandra Picavet, porta-voz da Agência Nacional de Parques. Ela citou questões de responsabilidade, custo e segurança, pois os Bosques Muir atraem cinco mil visitantes por dia durante a alta temporada. A área também é lar de espécies ameaçadas, como a coruja-malhada, cujo som, à noite, parece "um sinal de radar", segundo Stiles.
O historiador Erik Davis, que incluiu Druid Heights em seu livro "The Visionary State: A Journey Through Californias Spiritual Landscape" ("O Estado visionário: uma viagem pela paisagem espiritual da Califórnia", em tradução livre), de 2006, afirmou que a comunidade possui um valor histórico.
- Aquela geração não se prestou a construir a monumentos históricos, porque representava algo transitório. Não existem muitos lugares onde é possível relembrar esse momento da contracultura, por isso essa se trata de uma chance de reconhecimento - observou.
Além disso, o número de defensores da preservação está crescendo: a entidade nacional de preservação de parques Golden Gate patrocinou dois passeios até Druid Heights, liderados por um guia que tinha deixado crescer um cavanhaque especialmente para as ocasiões.
Mas Gidlow, que atraiu legiões de peregrinas lésbicas, queria que Druid Heights se tornasse um retiro para escritoras e outras artistas após sua morte. MacKinnon, que morou aqui enquanto lecionava na Universidade Stanford, argumentou que a comunidade deveria continuar sendo um abrigo para a criatividade.
- Era um lugar espiritualmente sustentável. Eu acho que a ideia da Elsa deveria ser honrada - disse ela.
The New York Times News Service/Syndicate