Laiza, Mianmar - Esterco de búfalos asiáticos pontilha os caminhos, meninas carregadoras arrastam as sacolas de golfe e tiroteios com o exército birmanês irromperam a meia hora de distância.
Há também um acampamento com cinco mil pessoas desalojadas numa curva da estrada.
Uma guerra está em curso no estado de Kachin, mas o Clube de Golfe de Laiza permanece imperturbável - um reflexo, talvez, de sua clientela.
Oficiais experientes do Exército da Independência de Kachin, a força guerrilheira que tenta defender seu território no norte de Mianmar contra tropas do governo, aparecem por aqui vestindo camisas polo e carregando tacos de golfe fabricados na China. Nos fins de semana, o estacionamento de terra batida fica repleto de utilitários esportivos dirigidos por generais.
- O golfe clareia a mente de oficiais para tomar decisões - disse o coronel Maran Zaw Tawng, de 45 anos, secretário do clube, após uma tacada ao quarto buraco.
O campo de golfe de seis buracos pode estar entre os mais improváveis do mundo, mas é aberto ao público mesmo em tempo de guerra. Qualquer um pode jogar uma partida por um dólar, embora a maioria dos golfistas daqui seja de militares ou autoridades civis do governo - como os dois que jogavam com o coronel e um major numa manhã recente.
Jogar golfe em zonas de guerra não é algo exclusivo de Kachin. Durante a guerra do Iraque, soldados americanos na infame prisão de Abu Ghraib, perto de Bagdá, lançavam bolas de golfe do telhado. Mas o campo de Laiza fica num local especialmente perigoso, na fronteira entre Mianmar e China, numa cidade cobiçada pelo exército birmanês.
Dizer que a guerra não afetou o jogo seria uma mentira. Alguns dos oficiais de Kachin jogam apenas uma vez por semana, sendo que antes eram três vezes por semana ou até mesmo diariamente. E os generais de Kachin não podem mais jogar com seus colegas birmaneses, como faziam quando esses oficiais viajavam a Laiza para reuniões nos tempos de paz.
- Mas ganharíamos deles, obviamente - afirmou o brigadeiro-general Sumlut Gun Maw, 49 anos, subcomandante do exército de Kachin e fundador do campo de golfe.
Um cessar-fogo de 17 anos com Mianmar terminou em junho, e os militares estão empurrando o povo de Kachin na direção das montanhas. Cerca de 70 mil aldeões fugiram. O exército de Kachin ainda ocupa Laiza, a capital da região autônoma de Kachin, onde os generais estabeleceram um centro de comando no quarto andar de um hotel. Assim, apesar dos ataques de morteiros em outros lugares, o golfe continua.
Gun Maw teve a ideia de construir um campo de golfe aqui, às margens do rio que forma a fronteira, após viajar a Yangon, a maior cidade de Mianmar, para uma conferência anual em 2004 que discutiria a reconciliação com o governo de lá. Um pequeno grupo jogou pela primeira vez a convite de oficiais birmaneses.
- Em vez de obter resultados políticos, aprendemos a jogar golfe - disse um porta-voz de Kachin, Kumhtat La Nan, de 46 anos, que também esteve na conferência.
O golfe possui uma história em Mianmar. Em cidades e grandes metrópoles, é comum encontrar campos onde a elite joga. Yangon tem um campo de 36 buracos, e a metade de Kachin que está sob controle birmanês possui campos na cidade de Bhamo e na capital do estado, Myitkyina.
O campo de Laiza foi projetado por Nay Min, proeminente golfista birmanês que vive em Myitkyina. O local era antes ocupado por uma vila, destruída em 1991 por enchentes e deslizamentos. Um memorial de concreto às vítimas foi erguido no quinto buraco.
A construção do campo começou em 2006 e levou um ano. O buraco mais distante é um de 589 metros. Há 15 bancos de areia, e uma tacada ruim pode facilmente lançar a bola numa plantação de bananas.
O clube é financiado e administrado pela Organização da Independência de Kachin, o braço político do exército, e emprega seis jardineiros, um segurança e um homem que cuida do maquinário. Na sede do clube, um telhado de madeira cobre um trecho de terra com uma mesa de piquenique e bancos, onde os jogadores bebem cerveja em lata.
São organizados quatro torneios por ano, geralmente em feriados. O coronel Maran Zaw Tawng, secretário do clube, apontou para um quadro branco com nomes e números abaixo do teto da sede, com estatísticas do último torneio, em 1º de janeiro: tacada mais longa, 283 metros; maior número de birdies, dois; maior número de buracos no par, 11.
Os jogadores foram divididos em dois grupos, com base em sua pontuação. O coronel apontou para seu nome no quadro - ele havia terminado em sétimo, de 13 em sua categoria.
- Não tenho muita prática no jogo curto - explicou o coronel, que é diretor de estratégia e pesquisa do exército guerrilheiro.
- Quando estou perto do buraco, fico animado demais e cometo muitos erros.
O coronel tinha curiosidade sobre o golfe desde a infância, tendo crescido ao lado de um clube em Myitkyina. Quando começou a aprender, há alguns anos, Nay Min, o criador do campo de Laiza, foi um de seus professores. Ele também via golfistas famosos pela televisão. Seu favorito é Tiger Woods.
- Eu realmente aprecio a habilidade de Woods para corrigir erros - afirmou ele.
- Se comete um erro num lugar, ele corrige em outro.
Solicitado a comentar a turbulenta vida amorosa de Woods, o coronel riu.
- Não sei muito sobre a vida pessoal dele. O que interessa é o golfe.
Um dos civis que jogaram com o coronel nesta manhã era Samda Bum Hkrang, de 36 anos, um empresário que entrou no campo com um boné vermelho e jeans (e jogou com um handicap de 14).
- Comecei a jogar em 2007 - declarou ele.
- O golfe é meu esporte favorito porque é bom para minha saúde e para relaxar.
O coronel desceu pelo fairway para procurar sua bola. Os outros três jogadores o seguiram.
O coronel não volta à sua cidade natal, Myitkyina, desde 2010, quando as tensões começaram a crescer entre os governos de Kachin e Mianmar. Durante o longo cessar-fogo, oficiais de Kachin às vezes eram convidados a participar dos cerca de 10 torneios anuais de Myitkyina.
- Nós não vamos mais a Myitkyina para jogar - continuou o coronel.
- Se fôssemos, seríamos presos.
Ele deu a volta até a parte de trás do gramado. Lá estava sua bola, num banco de areia. Ele girou uma vez, e a bola saltou para a grama.
- Boa tacada - disse o major.
Faltavam só mais alguns buracos antes de beber uma cerveja, para depois voltar à guerra.
Força guerrilheira
Em Mianmar, oficiais da guerrilha jogam golfe durante a guerra
Cessar-fogo de 17 anos terminou em junho
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