Os últimos anos têm sido duros para os vinhos Bordeaux nos Estados Unidos. Enquanto garrafas de seus vinhos de mais alto nível têm obtido preços recordes na Ásia, muitos consumidores norte-americanos, particularmente os enófilos mais jovens, têm dado as costas para aquela que, por séculos, foi a região vinícola mais conhecida e prestigiosa do mundo.
Quanto a isso, tenho sentimentos contraditórios. Amo um bom Bordeaux. Como aconteceu com muitas gerações antes de mim, aprendi sobre os bons vinhos, nos anos 1980, explorando Bordeaux. Muito provavelmente, a minha geração terá sido a última entre os americanos a fazer aquela viagem entre as vinhas clássicas.
Tínhamos então muito menos opções, e Bordeaux tinha preços mais razoáveis. Muitos outros ótimos vinhos estão disponíveis agora, vinhos que custam muito menos que um bom Bordeaux e são muito mais acessíveis.
Muitas das mais famosas vinícolas de Bordeaux são gigantescas propriedades de corporações, tratadas como artigos de luxo e precificadas como se o fossem, estabelecendo-se uma impenetrável fachada entre o público e a mecânica da produção.
É um modelo que pode impressionar os que procuram status, mas o romantismo se perde para os jovens consumidores que valorizam uma conexão direta com a terra onde as videiras são plantadas e com as pessoas que cuidam delas.
Assim como as grandes casas de Champagne tiveram de lidar com a popularidade crescente, na última década, dos Champagnes feitos por pequenos produtores, assim também a grande Château Bordeaux viu uma nova geração de consumidores americanos voltarem sua atenção às pequenas propriedades familiares, não tanto de Bordeaux, no entanto, mas de todo o resto do mundo.
Essa é uma história muito mais complicada e profunda, claro. Mas, às vezes, na discussão das conotações, perdem-se de vista os próprios vinhos, razão pela qual a nossa comissão de vinhos resolveu dar uma olhada mais de perto na região de Bordeaux, degustando vinte garrafas da vindima de 2008, custando no máximo US$ 100.
Duas colheitas recentes, 2009 e 2010, já foram anunciadas como estando entre as melhores da história por degustadores como Robert M. Parker Jr. Elas vieram pouco depois de outros anos louvados pelos especialistas, como 2005 e 2000.
Em geral, uma série das assim chamadas grandes vindimas pode criar oportunidades para consumidores nos anos simplesmente bons entre elas, como 2001 e, mais recentemente, 2008.
Segundo a maioria das fontes, a colheita de 2008 foi bastante boa: de estilo clássico, o que significa que não era do tipo supermaduro e extravagantemente frutado, mas de corpo médio, com o tipo de acidez que pode fazer os vinhos parecerem mais frescos e vivazes.
E, o que é melhor, os vinhos de 2008 são menos caros que aqueles das grandes colheitas próximas a ele, embora (é justo avisar) estejamos falando de Bordeaux. Um Bordeaux menos caro ainda é um vinho caro.
Decidimos nos concentrar nos vinhos do Medoc, o coração dos vinhos cabernet sauvignon de Bordeaux, que inclui comunas prestigiosas como Pauillac, St.-Julien, Margaux e St.-Estephe, junto a outras regiões satélites menos conhecidas.
Para a degustação, Florence Fabricant e eu recebemos também Aviram Turgeman, o diretor de bebidas do grupo de restaurantes Tour de France, que inclui o Nice Matin, um restaurante que atrai pessoas de todos os lugares em busca de Bordeaux mais velhos; e Paul Grieco, proprietário do restaurante nova-iorquino Hearth e da minicadeia de bares de vinho Terroir.
Paul é mais conhecido por sua campanha pelos Riesling que por seu amor aos Bordeaux. Mas, alguns anos atrás, ele lamentou o fato de que ninguém que visitasse seus bares quisesse pedir Bordeaux.
- Sou um cara que gosta da história. Como poderia não reverenciar Bordeaux? - disse ele.
Nesse caso, como ele se sentiu a respeito dos vinhos de 2008?
- Animado e desanimado. Animado pelo fato de os vinhos não estarem com gosto de carvalho, nem frutados, nem alcoólicos demais, mas desanimado porque mais vinhos não estavam nem ao menos razoáveis desta vez - explicou.
Falou como um verdadeiro sommelier. Muitos restaurantes enfrentam um dilema com os Bordeaux, os Barolo e outros vinhos que necessitam de envelhecimento antes de poderem ser usufruídos. Com pouco espaço para o armazenamento e menos inclinação a investir em vinhos que não dão retorno no curto prazo, muitos restaurantes ou abrem mão dos vinhos envelhecidos, ou tentam vendê-los quando estão jovens demais.
O Bordeaux oferece, no entanto, uma saída para esse dilema. Os preços aumentaram tão rapidamente nos últimos anos que é possível comprar vindimas mais velhas por um preço melhor que as novas. Na verdade, Paul diz estar procurando agora vinhos de 2004.
Pessoalmente, achei que os vinhos se saíram bem, mesmo se, como lembrou Avi, eles precisam de tempo para chegar a uma harmonia. Os melhores eram frescos, graciosos e intensos, exatamente as qualidades que fazem dos Bordeaux grandes vinhos e excelentes acompanhamentos para a comida. Ainda assim, eu não tomaria a maior parte deles pelos próximos cinco anos. E outra coisa: eles são austeros.
Paul comparou-os a dirigir um carro sem assentos estofados ou amortecedores.
Meras vinte garrafas não dão uma visão completa e, com um limite de US$ 100 por garrafa, muitos produtores mais conhecidos não entraram na seleção. Este foi, simplesmente, um recorte daquilo que está disponível.
Ainda assim, a nossa melhor garrafa foi tanto o nome mais prestigioso da degustação, Pichon-Longueville Baron, como a mais cara, a US$ 100. Era um vinho elegante e completo, com sabores de longa duração que ganharão com o envelhecimento. Mas US$ 100? Cada um sabe o que faz. Nossa terceira garrafa, o Rauzan-Segla, também estava entre os preços mais altos, a US$ 80, mas nos impressionou com seus sabores clássicos de cedro, frutas e ervas.
Os preços estavam bem distribuídos entre US$ 20 e US$ 100, e muitos dos vinhos menos caros saíram-se muito bem. Nossa segunda garrafa, da Cantemerle do Alto Medoc, já era harmoniosa e complexa, embora ainda bastante fechada. É o nosso melhor valor, a US$ 28.
Duas garrafas de US$ 20 também chegaram aos nossos "dez mais": o Clarke da Listrac Medoc veio em sexto, com uma grande porcentagem de merlot, o que torna o vinho mais palatável agora, e o La Chapelle de Calon em oitavo, com bastante profundidade, embora com muito carvalho.
O La Chapelle de Calon é um segundo rótulo da Calon Segur, feito de uvas que, por uma razão qualquer, não se qualificam para o cuvée mais caro. Ele tem sempre um preço mais razoável, mas não chega a ser sempre muito valoroso. Ainda assim, outros dois segundos rótulos chegaram aos nossos dez mais: o Blason d'Issan, um vinho comedido e puro, e o Zede de Labegorce, estreito e condimentado.
O que tudo isso quer dizer? Deixando de lado seu valor simbólico, o Medoc é ainda o Medoc, um porta-estandarte de vinhos cabernet elegantes e que envelhecem bem. Considerando seus preços e seu valor intrínseco, no entanto, é preciso fazer um pouco as contas.
The New York Times Service
Sem levar em conta o valor simbólico, vinhos Medoc continuam elegantes
Atualmente, há mais opções de garrafas boas e mais baratas que as de Bordeaux
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