A 5.960 quilômetros de distância do Haiti, o Rio Grande do Sul está incluído na rota de oportunidades dos haitianos que deixam o país, fugindo da pobreza e da fome após o terremoto que devastou a nação mais pobre das Américas, há dois anos. Nas próximas semanas, o Estado receberá imigrantes que trabalharão em uma indústria de massas em Gravataí, na Região Metropolitana.
Após saber pelo rádio do drama dos haitianos que chegam ao Acre, o diretor industrial da Indústria e Comércio de Massas Romena, Alexandro Rosa, viajou para Brasileia para contratar 10 homens (leia entrevista abaixo). Na fronteira boliviana com o Acre, Brasileia é um dos pontos de entrada de cerca de 4 mil haitianos que já chegaram ao Brasil desde janeiro de 2011.
Sozinhos ou com as famílias, enfrentam um roteiro complexo, com passagens por outros países, até alcançar o norte brasileiro. Ali, protocolam um registro de refúgio em um posto da Polícia Federal, onde recebem a autorização provisória para permanecer no Brasil. A previsão é de que, em 90 dias, estejam com um visto humanitário em mãos, com direito a usar o Sistema Único de Saúde (SUS) e a trabalhar com carteira assinada, como ocorrerá na indústria de massas gaúcha.
Ao mesmo tempo em que lidera a força de paz no país caribenho desde 2004, o Brasil agora é confrontado com o risco de uma avalanche migratória na fronteira. Para conter a evitar de ilegais, o governo federal decidiu adotar medidas restritivas. Dos 1,6 mil haitianos que já regularizaram seu status no Brasil, acredita-se que 800 conseguiram emprego, especialmente na construção civil em São Paulo, Rondônia, Pará e Brasília. O cálculo é do representante da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre em Brasileia, Damião Borges.
INFOGRÁFICO: confira o caminho percorrido pelos imigrantes haitianos
Salários baixos decepcionam
Há um ano acompanhando os haitianos na cidade, Borges está acostumado a que os caribenhos lhe enumerem as razões da imigração: simpatia pelos brasileiros que participam da missão de paz da ONU no Haiti e a crença de que o crescimento econômico e a proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas lhes garantirá uma vaga de trabalho. Uma decepção, porém, já foi detectada: os salários são bem menores dos R$ 1,5 mil ou R$ 2 mil que esperavam receber.
- É questão de sobrevivência. Eles relatam que, estar aqui, sob qualquer condição, é melhor do que lá - diz o deputado federal gaúcho Paulo Pimenta (PT), que acompanha a situação pela Câmara.
A partir de ontem, a Polícia Federal passou a emitir 40 vistos por dia na cidade, facilitando a contratação de mão de obra haitiana. Além do gaúcho, um empresário catarinense e um mineiro estavam na cidade para contratar haitianos.
Governo tenta coibir vinda de ilegais
O governo federal decidiu adotar medidas para tentar limitar a entrada de haitianos ilegais no país. Uma delas prevê a emissão de até cem vistos por mês para os haitianos. A concessão será feita pela embaixada brasileira no país, gratuitamente, e valerá por até cinco anos. O estrangeiro deverá comprovar posteriormente o "exercício de atividade certa" e um endereço fixo, como prevê a legislação vigente.
A proposta tem de ser aprovada pelo Conselho Nacional de Imigração, que discutirá o assunto amanhã. Após entrar em vigor, o haitiano que ingressar no país de forma irregular e for identificado pelo governo será notificado a deixar o Brasil. Se não o fizer, será deportado.
Outra medida é a atuação de autoridades diplomáticas e policiais do Brasil no Peru, no Equador e na Bolívia para coibir a entrada ilegal de haitianos e a ação de "coiotes". O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não deu detalhes do aumento do efetivo na fronteira nem de como se fará o trabalho.
Para Rosita Milesi, do Instituto Migrações e Direitos Humanos, a medida é "viável, humanitária e construtiva". Rosita ressalta, porém, a necessidade de as autoridades darem condições mínimas de permanência aos haitianos.
ENTREVISTA: "Vamos trazer 10 trabalhadores para Gravataí"
De Brasileia, na fronteira do Acre com a Bolívia, Alexandre Rosa, diretor industrial da Massas Romena, conversou com Zero Hora no início da tarde de ontem, pouco antes de iniciar a seleção para contratar 10 imigrantes haitianos que receberão treinamento para trabalhar na fábrica, em Gravataí. Eles devem chegar à cidade nas próximas semanas. Leia os principais trechos entrevista:
Zero Hora - Como vocês souberam da situação dos haitianos?
Alexandro Rosa - Ouvimos uma reportagem no rádio na semana passada. Fomos pesquisar na internet e descobrimos o telefone da prefeitura aqui de Brasileia, que nos passou o pessoal da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre. Cheguei a Brasileia hoje (ontem).
ZH - Quantos trabalhadores vocês pretendem contratar?
Rosa - A ideia inicial, até para fazer um teste, é levarmos 10 homens para trabalhar na fábrica em Gravataí.
ZH - Eles vão morar em Gravataí?
Rosa - Sim. Vamos preparar um alojamento até eles se estabelecerem.
ZH - Se der certo, mais pessoas serão contratadas?
Rosa - Exatamente. Essa é a ideia. Hoje temos uma média de 10 a 15 vagas abertas. Por isso, estamos levando 10 pessoas agora. Até está aqui na minha frente um haitiano, ele é professor de português, inglês, estava falando comigo agora e pediu pra ir também, dar aulas para o pessoal, ensinar o pessoal a falar português.
ZH - O senhor já fez a seleção?
Rosa - Não, vou começar agora. Poucos falam português. Eles falam a língua deles, o creole, e quase todos falam francês. Alguns falam espanhol e inglês. Temos na empresa pessoas que falam tanto inglês quanto francês e espanhol. Então, pela língua, não vamos ter problemas. A ideia é dar treinamentos de fabricação, qualidade e segurança.
ZH - Como será o trabalho?
Rosa - Eles vão trabalhar em todo o processo de produção de massas frescas. Vão começar como auxiliar de serviços gerais. Depois, conforme o treinamento e conforme forem se saindo, vamos encaixá-los em outros cargos.
ZH - Qual será o salário?
Rosa - R$ 700 nos três primeiros meses. Depois, vai para R$ 800. Eles também terão assistência médica e cesta básica.
ZH - Por que o senhor está contratando os haitianos? Há dificuldade em encontrar mão de obra aqui?
Rosa - Temos vagas abertas há bastante tempo. Temos uma rotatividade muito grande. Por isso, a decisão de vir buscar pessoas aqui. Além de ter gente sobrando, querendo trabalhar, como eles passaram por bastante dificuldades, a gente acredita que estejam querendo trabalhar de verdade.
