Direção, imagens e edição: Marcelo Carôllo
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Para compreender a importância da música Guri, é preciso relembrar César Passarinho. Pois, no início da década de 1980, a voz inconfundível do detentor de sete prêmios de melhor intérprete e de quatro Calhandras de Ouro da Califórnia da Canção Nativa era afogada pelo álcool.
Apoiado pelos amigos João e Julio Machado, irmãos e ex-alcoólatras, Passarinho interrompeu a carreira para se internar em uma clínica em Porto Alegre. Reabilitado, o uruguaianense foi morar com o conterrâneo Julio em um apartamento na Rua Marcílio Dias, na Capital. O período coincidiu com a elaboração de Guri, escrita por João e musicada por Julio. A composição foi inscrita para a 13ª edição da Califórnia, que aconteceria em dezembro de 1983. Passou fácil pela fase preliminar, mas faltava justamente o cantor.
- Era para o Neto Fagundes cantar, pois eu não queria expor o Passarinho, que estava recém recuperado do alcoolismo. Disse para o Neto, que é meu primo, fazer uma coisa simples. Ele chamaria aquele gaiteiro cabeludinho que usava o chapéu sobre o rosto (Renato Borghetti), e pronto - recorda Julio, com bom humor.
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No entanto, o regulamento do festival dizia que um cantor poderia interpretar, no máximo, duas músicas. E Neto já estava comprometido. Por outro lado, não havia impedimentos para instrumentistas. Ficou decidido que Neto tocaria violão, e Borghetti, a gaita. Restava resolver o principal: a voz.
- Fomos eu e o Renato no apartamento do Passarinho para convencê-lo. Aí ele disse: "Se vocês forem comigo, até vou". Então, seria o retorno dele aos palcos. Não poderia ter cantor melhor para aquele momento do que ele - conta Neto.
- Eu viajei para um trabalho fora de Porto Alegre e, quando voltei, o Passarinho tinha deixado uma fita gravada sobre a minha cama, com um bilhete: "meu irmão, um presente para ti". Era ele cantando Guri - relembra Julio.
O fim de semana em que ocorreria a Califórnia coincidiu com o retorno do cantor aos palcos e a Uruguaiana. Antes do festival, ele se apresentaria com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa). Neto Fagundes rememora o momento do encontro de Passarinho com a mãe:
- Ela enxergou o Passarinho de smoking e veio atrás dele: "É assim que eu gosto de te ver, meu filho. Bonito, elegante e bem acompanhado".
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Com o trio Passarinho, Neto e Borghetti, Guri arrebatou, emocionou e deixou o público em êxtase com a vitória na Califórnia de 1983. Foi um marco também na reconstrução da vida do "pássaro-cantor", que se mudou para Caxias do Sul e se livrou da bebida. Mas ele não venceria a luta contra um câncer, que lhe tirou a vida em 1998, aos 49 anos.
- A música casou muito com o momento. Quando a gente tocou na eliminatória, vimos que tinha algo diferente nela. Aprendi muito com Passarinho, pela responsabilidade que ele assumiu a partir da vitória na Califórnia com Guri e em relação à carreira e à vida pessoal - exalta Borghetti.
João Machado, já falecido, escreveu a canção sob o título Sonho de Guri, mas o irmão Julio o convenceu de que uma única palavra seria suficiente para dar a dimensão da letra. Era uma homenagem ao pai deles.
- É aquilo que todos dizem: não há filho que não queira ser igual ao pai, e não há pai que não queira que o filho assim seja - resume Julio.
Além de saudar a relação entre pai e filho, a canção tem seu apelo, acredita Julio, por manter aceso o espírito de criança dentro de cada um. O verso "nem me desperte tão cedo do meu sonho de guri" é citado pelo compositor como o "mais importante da letra".
- É uma música simples de instrumentação: apenas um violão, uma gaita e uma voz. Mas no primeiro acorde, na primeira palavra, todos se identificam - reflete Renato Borghetti.
Ao que Julio completa:
- Como me dizia o Passarinho: "Nosso Guri é mágico".
E tem sido até hoje.
Abaixo, Julio Machado comenta os trechos de Guri:
Ao Pé da Letra
Clássicos Gauchescos: Neto, Borghetti e Julio Machado contam a história da música "Guri"
Série de reportagens conta a história de quatro músicas marcantes do cancioneiro gaúcho, destrinchando letras e melodias a partir do relatos de autores e intérpretes
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