Um avião do modelo ATR-72 caiu em Vinhedos, no interior de São Paulo, na tarde desta sexta-feira (9). As autoridades presentes no local do acidente ainda não confirmaram a causa da queda. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Fábio Borille, piloto comercial e bacharel em Ciências Aeronáuticas, analisou as circunstâncias do acidente.
— O que a gente consegue enxergar é que a aeronave entrou em uma atitude anormal, inicialmente em parafuso, claramente perdeu sustentação. A hipótese que há indícios é de formação de gelo — disse Borille.
A rede de meteorologia da Anac registrou um aviso de "formação de gelo severa" entre as altitudes de 12 e 21 mil pés na região Sul.
— O gelo afeta muito a performance dessas aeronaves, principalmente uma aeronave turboélice como essas, que voa entre 16 e 20 mil pés, que seria a altitude ótima dela —explica o piloto.
Os perigos do gelo na atmosfera
O avião ATR-72 faz parte dos modelos usados para voos regionais, por serem de menor porte. Fábio relata que esse tipo de aeronave também apresenta menor performance, em termos de altitude e velocidade.
Para voos de abrangência nacional, como entre Porto Alegre e São Paulo, são usados aviões que atingem a altura de 38 mil pés, por exemplo, conforme o especialista. Quando aviões voam em altitudes menores, eles estão mais vulneráveis a baixas temperaturas.
— Em condições padrão na atmosfera, a gente estipula que a cada mil pés que se sobe diminui 2ºC da temperatura. Então, se a gente pegar a temperatura que estava embaixo (no solo) e for diminuindo, a gente vai ter 30°C a menos. Numa faixa entre 5° positivos ou negativos, algumas literaturas indicam que a gente já tem formação de gelo se a gente tiver umidade — explica Fábio.
Diversos problemas aerodinâmicos podem acontecer em aeronaves que entram em contato com gelo. Um deles é o excesso de gelo sobre as asas, o que prejudica a passagem de ar que garante a diferença de pressão capaz de fazer o avião voar.
— O próprio excesso de gelo sobre as asas causa problemas de escoamento de ar. A aeronave voa por diferença de pressão. Basicamente, o ar é dividido e passa um pedaço por cima e outro por baixo, essa parte de cima passa um pouco mais rápido devido à curvatura do perfil, diminuindo a pressão de cima, por isso que o avião voa em si. Dessa maneira, a gente tem alteração desse perfil aerodinâmico. O gelo não é uma superfície lisa, não era para estar ali.
Avião parou de voar
Esse problema aerodinâmico é chamado de "estol". O termo vem do inglês "stall", que significa "parar". Quando isso acontece, o ar se descola da asa, o que provoca uma diminuição repentina da velocidade com a qual o avião se desloca.
De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), "um estol completo em voo normal deve ser evitado todo o tempo, mas algumas vezes ele ocorre não intencionalmente por causa da pilotagem inexperiente". Pode acontecer com pilotos experimentados, mas a recuperação desse tipo de falha faz parte da formação dos pilotos.
O acidente do voo AF447, do Rio de Janeiro a Paris, que provocou a morte de 228 pessoas em 2009, teve essa falha.
Causas ainda serão investigadas
Porém, ainda não é possível afirmar com certeza que esse foi o motivo que causou o acidente.
Fábio informa que algumas decisões podem ser tomadas para driblar condições meteorológicas como as que atingiram o céu de Vinhedo, como escolher voar em outra altitude ou usar o radar meteorológico do avião. O especialista não descarta a possibilidade de ter ocorrido uma falha mecânica.
— Até o momento, é muito inicial e até irresponsável da nossa parte tentar imputar alguma causa ao acidente. Só com a leitura da caixa preta, dos dados do voo, vamos poder saber.
Conforme o piloto, os vídeos indicam que o avião caiu em espiral, ou em parafuso. Uma das explicações para o barulho intenso pode ter sido as hélices das asas. Quanto à segurança do modelo, Fábio garante:
— É uma aeronave muito segura, extremamente segura, ela é certificada para voar no transporte público de passageiros pelas agências reguladoras. Eu não tenho receio algum de que seja problema na aeronave, e sim acho que seja algum problema atmosférico.