De uma mente fervilhante de ideias e de uma provocação para desenvolver um projeto em ESG surgiu uma sementinha que está mudando a relação de uma das principais instituições de saúde de Porto Alegre com o seu próprio lixo. Desde que implementou políticas de olhar mais sustentável, o Hospital Ernesto Dornelles vem reduzindo o impacto no ambiente e despertando a consciência ambiental dos seus colaboradores.
Como em qualquer empresa ou organização, tudo começa pelo entendimento do resíduo. Especialmente numa instituição hospitalar, os cuidados com a separação correta dos materiais são de nível máximo devido aos riscos de contaminação que um descarte indevido pode provocar. Instruir os funcionários sobre este ato tem sido ponto de partida do trabalho desenvolvido no local.
Enfermeira de carreira e coordenadora da gestão ambiental do Ernesto Dornelles, Elizandra Borba de Oliveira aproveitou uma inquietação antiga para “revolucionar” a lógica do lixo. Mergulhou em assuntos ambientais e passou a ver oportunidade em todas as centenas de milhares de frações diárias que resultam de uma operação tão complexa como a área da saúde. De lacres de medicamentos a grampos da papelada administrativa, tudo está sendo inventariado para que se pense em como reaproveitar ou melhor destinar os materiais utilizados pela instituição.
— Estamos falando de impacto, de risco e de oportunidades. Partimos de um local que gera resíduo 24 horas por dia, todos os dias da semana. Temos o compromisso de fazer mais do que o obrigatório, com ideias que saiam da caixinha — diz Elizandra.
A partir de treinamentos que começam desde o recrutamento de novos funcionários, o grupo de gestão busca estimular os colaboradores a racionalizarem o seu descarte.
— Não é só jogar fora. Ele precisa entender o conceito — frisa a coordenadora.
Todo lixo reciclável coletado no hospital vai para uma unidade de tratamento na Lomba do Pinheiro, gerando renda para famílias que participam do projeto. O entendimento sobre o impacto social que aquele resíduo provoca muda a percepção dos funcionários em relação aos descartes, diz Elizandra. Por isso, tudo é comunicado, e levar dados tem sido bastante produtivo para materializar o resultado das ações.
Os passos são iniciais, mas já se mostram efetivos. O custo da operação hospitalar caiu 30% em julho deste ano, se comparado ao mesmo mês do ano passado, desde que pequenas orientações de economia foram aplicadas. No sétimo mês, o custo total para coleta, transporte e tratamento dos resíduos somou R$ 76 mil, contra R$ 108 mil no ano anterior. Os números geram curiosidade pela gestão ambiental.
Tudo no hospital passou a ser mensurado, e a gestão de resíduos está em várias frentes. Em 2023, foram utilizados, em média, 68 mil copos plásticos e 1 mil pacotes de folhas de ofício por mês. A partir desses dados, cálculos mensais estão sendo feitos para frear os custos. O consumo de plásticos descartáveis entre os funcionários está aos poucos sendo substituído por copos reutilizáveis. Como próximo passo, a gestão quer melhor otimizar os refeitórios rumo ao lixo zero.
— Estamos nos tornando um exemplo neste caminho. Esta educação toda não é só para o Ernesto Dornelles, é para levar para casa. É preciso criar o hábito e isso não se faz de uma hora para outra. Tem que ter persistência e entendimento para que não se olhe o resíduo como algo chato de descartar — diz Elizandra.
Reaproveitamento da água
Em uma operação fabril, um dos princípios passa por utilizar o mínimo possível. Dos insumos mais simples aos recursos naturais que perigam ficar escassos, a gestão do que entra e sai da fábrica não é só negócio, mas também estratégia.
Nos braços de operação da Randoncorp, a gestão do que se gera acontece de ponta a ponta. A companhia tem metas públicas de ESG e muitas têm a ver com resíduos, como o objetivo de reduzir a pressão sobre os aterros industriais até 2025.
Partindo da matéria-prima mais básica, a empresa vem investindo nos últimos anos na reutilização da água. Todo o insumo utilizado no processo produtivo já é tratado, e o próximo passo é não necessitar de “água nova” vinda da rede.
O objetivo, neste caso, é fazer com que a água tratada retorne para a própria operação. Para isso, estão sendo feitos investimentos em tubulações e estações de tratamento para qualificar a água reaproveitada. Atualmente, 52% do insumo consumido nas plantas da companhia já consegue ser reutilizado.
— Estamos investindo em ultrafiltragem e em osmose reversa para que se utilize 100%. Não queremos mais colocar uma gota fora — conta Anderson Pontalti, COO (diretor operacional) da vertical Controle de Movimentos e coordenador do Comitê ESG da Randoncorp.
Outra iniciativa de referência tem a ver com a economia circular. Por meio do programa Recycle Max, a Frasle Mobility, controlada pela Randoncorp, busca peças que são reutilizadas na fabricação de produtos novos, como os discos de freios. De oficina em oficina, vans do programa percorrem 1,4 mil estabelecimentos parceiros e recolhem uma média de 250 toneladas de materiais por mês nos Estados do Sul e do Sudeste.
A iniciativa já representa 10% da matéria-prima utilizada na planta responsável desde que iniciou o projeto, há quatro anos. Em 2023, foram recicladas 343,8 mil peças por meio da iniciativa. Os benefícios disso são enormes, inclusive para a fabricação, por partir de um produto que já vem praticamente pronto, diz Pontalti.
— Demanda menos tempo, menos emissão, menos energia e menor custo. Isso é pensar diferente. E tem o outro lado da moeda, que é resolver o problema do fornecedor que tem que dar destino ao material — acrescenta.
A atenção para a chamada “reciclabilidade” faz com que as companhias aprendam a desenvolver produtos mais verdes. Isso movimenta uma série de empregos e a criação de novas áreas, como núcleos especializados de engenharia para que os resíduos ou novos materiais sejam incorporados nas linhas de produção. Conforme o gestor, o convite aos colaboradores para “pensarem verde” é ponto fundamental para que projetos de relevância saiam do papel, com ideias que vem do seu próprio quadro.
Resíduo no coração do negócio
Considerada a maior recicladora da América Latina, a Gerdau nasceu da reciclagem de sucata e é neste ramo que vem consolidando vanguarda. Numa lógica quase inversa ao restante do mundo, tem o material reaproveitado como base de 70% da sua produção, rodando uma engrenagem que começa a ser pensada ainda na origem da matéria-prima.
São 11 milhões de toneladas de produtos que poderiam ser apenas resíduos, mas que na linha de montagem têm altíssimo valor agregado, explica a gerente geral de meio ambiente da companhia, Cenira Nunes.
— Há perdas que são inerentes quando falamos sobre o fim do processo produtivo. O que a empresa faz é tratar essa sobra como coproduto e buscar mercados consumidores. Essa área tem pesquisa, desenvolvimento e parcerias dentro e fora da operação — diz Cenira.
O principal efeito de reutilizar é gastar menos recurso natural e poluir menos. Cada tonelada de sucata reciclada evita 1,5 tonelada de emissão de gás CO2, por exemplo. Em 2023, 93% dos resíduos gerados eram reaproveitados pela companhia. São números que vem crescendo nos últimos anos: em 2022, o percentual era de 78%.
Mas há também o alcance da captação da sucata que reflete no social. A Gerdau tem parcerias com programas permanentes de reciclagem, como o Prolata, para reaproveitamento de embalagens de aço. Também participa de programas sociais com cooperativas e da capacitação de pessoas envolvidas na cadeia da reciclagem.
A empresa teve atuação-chave no pós-enchente, dando destinação aos entulhos que se amontoaram pelo Estado. São mais de 300 fornecedores abrangidos pela companhia no Rio Grande do Sul. Desde a cheia, a Gerdau já comprou mais de 30 mil toneladas de sucatas originárias de bens como automóveis e equipamentos que foram destruídos pela água.
— Buscamos rapidamente voltar com a compra de sucata diante da enchente porque há muitas famílias que dependem dessa venda. Compramos o mais rápido possível tanto para garantir o sustento dessas pessoas quanto para reduzir o material que estava amontoado — relata Cenira.
Conforme a gestora, é necessário construir uma cultura interna para que os resíduos sejam tratados como potencial de mercado. Entre os pilares, uma área específica de profissionais é dedicada a encontrar o parceiro de negócio ideal para cada coproduto:
— Entender que o coproduto é material também faz parte da tomada de decisão. É sobre não tratar como lixo, mas como algo com potencial.
Um novo olhar sobre o lixo
O movimento de fazer com que o resíduo volte para a cadeia produtiva tem mudado o entendimento do descarte no mundo todo. É o conceito lixo zero, que aos poucos começa a ganhar adeptos tanto no nível individual quanto no coletivo.
Entender de onde vêm os resíduos e fazer relações a partir disso para saber onde aproveitá-lo é o segredo do executivo moderno, observa a engenheira sanitarista ambiental e consultora lixo zero, Paula Moletta. A certificação Lixo Zero é conquistada a partir de cursos e é reconhecida mundialmente ao preparar pessoas para tratarem a gestão dos resíduos com o menor impacto impossível. Até eventos têm buscado a certificação para darem um recado de conduta consciente e responsável ao público.
Para a consultora, o conceito pode começar por ações muito simples, como reduzir a quantidade de plásticos ou mesmo pensar em como aplicar a compostagem. O primeiro diagnóstico é entender onde gera, o que gera e como gera, diz Paula. Depois, é preciso pensar em governança, ou seja, decidir como aplicar práticas pelo lixo zero.
— É uma decisão estratégica — frisa a profissional.
Nas corporações, um dos caminhos é olhar para lado. O coordenador do Comitê ESG da Randoncorp cita a importância de observar como outras empresas estão lidando com os seus resíduos e que ideias são viáveis de serem aplicadas ao seu negócio:
— É possível pensar em coisas simples, conversar com quem já fez algo, até perceber que não é tão difícil assim. É sobre dar atenção ao tema e ver como isso tem um valor.
— O primeiro clique é conhecer os materiais. O que podemos pensar sobre eles? Que tipo de matéria-prima poderia estar substituindo? E aí começamos a enxergar uma série de oportunidades — completa Cenira, da Gerdau.