Por Rodrigo Trespach
Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Citadel, 2023)
Vinte e cinco de julho de 1824. Os primeiros 39 imigrantes alemães chegam ao Porto das Telhas, na atual Praça do Imigrante, em São Leopoldo. O grupo foi transportado de Porto Alegre até o local em pequenas embarcações à vela e remo.
Aguardando em terra estava José Tomás de Lima, o último inspetor de um empreendimento do governo instalado na região, a Imperial Feitoria do Linho Cânhamo — com trabalho escravo, a Feitoria fabricava cordas para a marinha.
O 25 de julho foi consagrado pela história — principalmente devido as anotações de Johann Daniel Hillebrand, imigrante que seria diretor da colônia, mas só chegaria a São Leopoldo meses após a primeira leva.
É muito provável, porém, que os pioneiros tenham chegado ao local dois dias antes, 23, quando deixaram Porto Alegre. A viagem não era longa e o governador Fernandes Pinheiro menciona o dia 23 como data da partida da capital em carta ao Rio.
Depois de recebidos pelo inspetor e de terem acomodado suas bagagens em carros de boi, a pequena caravana partiu para a etapa final da viagem, a sede da Feitoria, a 4 quilômetros do Porto das Telhas.
Quando finalmente chegaram ao destino, foram albergados em um antigo galpão usado pela escravatura, onde aguardariam a distribuição de seus lotes de terra. A edificação foi reformada e ampliada na década de 1940 para se transformar no Museu Casa do Imigrante. Em situação precária, parte da casa ruiu em 2019.
Em 22 de setembro de 1824, a colônia recebeu autorização do imperador para usar o nome “Colônia Alemã de São Leopoldo”. Era uma solicitação de Fernandes Pinheiro, homenagem à imperatriz dona Leopoldina, cujo onomástico provinha do santo padroeiro da Áustria, são Leopoldo. O diretor da colônia e os colonos receberam a informação em 26 de outubro, por ofício do governador.
O grupo pioneiro era heterogêneo. Homens, mulheres, idosos, jovens e crianças; pedreiros, carpinteiros e agricultores; alguns católicos e muitos protestantes. Dezoito imigrantes eram menores de 10 anos.
O ancião do grupo era o protestante hamburguês Johann Friedrich Höpper. Aos 49 anos, viera com a esposa, 2 filhos e uma enteada. Jasper Heinrich Bentzen, agricultor e extrator de pedras no Holstein, tinha 46 anos. Viúvo por duas oportunidades, veio com 2 filhos.
Höpper e Bentzen são uma pequena mostra da constituição das famílias imigrantes: casais em segundo ou terceiro matrimônios, algo comum na Alemanha do começo do século 19, destroçada pelas guerras napoleônicas e fome.
Na esperança de uma vida melhor, cada imigrante seguiu seu caminho. Christian Rust, recém-casado com Anna Schröder, viveu mais de quatro décadas após o desembarque. Margaretha Kofoth, esposa de Johann Heinrich Timm, envelheceu para chegar à década de 1870.
A filha deles, Catarina, foi um dos últimos pioneiros a morrer, no começo do século 20. Natural de Pinneberg, ela faleceu em 1907, às vésperas de completar 85 anos de idade.
Outros tiveram menos sorte. A esposa de Otto Pfingsten morreu no parto do sexto filho, dois anos após a chegada. O imigrante Henrich Jacks foi morto por um escravizado alguns anos depois do desembarque.
São Leopoldo prosperou e cumpriu muitos de seus objetivos. Até o fim do Primeiro Reinado (1822-1831), mais de 5 mil alemães desembarcariam no mesmo local e outros tantos se espalhariam pelo país, multiplicando as colônias pelo Sul e pelo Sudeste. Seriam responsáveis pela implantação e a consolidação de um novo sistema econômico e social, baseado no minifúndio, na indústria e na mão de obra livre.
Os pioneiros lançariam também os fundamentos da Igreja protestante, contribuindo com a diversidade religiosa do país. Em dois séculos, os alemães deixaram sua marca na economia, na cultura, nas ciências e na educação nacional.