Em mais um desdobramento da série de suspeitas apuradas por autoridades nos últimos anos, o escritório da Cruz Vermelha Brasileira no Rio Grande do Sul (CVBRS) é alvo de uma nova investigação, desta vez, pela Delegacia de Defraudações do Rio de Janeiro.
O foco é o suposto mau uso, pelo atual comando da CVBRS, de R$ 5,4 milhões, valor pago à entidade em 2022 por serviços de gestão hospitalar no Rio.
A suspeita foi comunicada à Polícia Civil do Rio em fevereiro por Flavia Aires, integrante da Cruz Vermelha do Rio de Janeiro que atuou como interventora na unidade gaúcha até abril deste ano. Flavia disse a Zero Hora que antes disso, em agosto do ano passado, comunicou a suspeita ao Ministério Público Estadual, em Porto Alegre. Zero Hora questionou o MP sobre o caso, mas não obteve retorno sobre se alguma investigação foi feita.
Flavia relatou, primeiro ao MP gaúcho e depois à PC do Rio, que a atual diretoria da CVBRS teria desviado valores que deveriam ter sido usados para pagamento de funcionários e de fornecedores.
O delegado Delmir da Silva Gouvêa, responsável pela investigação na Defraudações, explicou que o trabalho está começando:
— Recebemos a denúncia, que é um lado. Agora, vamos ouvir o presidente e ver o que ele diz sobre o uso desses valores. Não temos elementos para dizer se houve desvio ou não. Ele terá que demonstrar o destino do dinheiro.
A unidade da Cruz Vermelha Brasileira do Rio Grande do Sul (CVBRS) teve o CNPJ usado para licitações em outros Estados. Até outubro de 2021, teve contrato com o Estado do Rio de Janeiro por meio de um escritório instalado no Rio para gestão de dois hospitais do Complexo Estadual de Saúde da Região dos Lagos.
O valor de R$ 5,4 milhões é remanescente de dias a mais trabalhados pela CVBRS na gestão dos hospitais. Conforme a suspeita levada à polícia, este valor teria circulado por contas de terceiros ligados à gestão da CVBRS e não plenamente usado para quitar dívidas pendentes.
Em ofício enviado ao Conselho Nacional da Cruz Vermelha Brasileira na segunda-feira (17), o presidente da unidade gaúcha, Ismael Pereira, explicou detalhes do contrato com o Rio e especificou o uso do dinheiro que, segundo ele, seria um total de R$ 5,2 milhões e não R$ 5,4 milhões como refere a denúncia registrada. Segundo informações dele, "R$ 1,4 milhão foi bloqueado judicialmente para pagamento de ações trabalhistas, R$ 1,5 milhão foi gasto com honorários advocatícios pela atuação no processo de cobrança que foi feito contra o governo do Rio, R$ 800 mil para um escritório de advocacia que atua em processos trabalhistas e suporte jurídico administrativo, R$ 790 mil para advogado que atua também em ações trabalhistas e como assistente de acusação junto ao Ministério Público em nome da CVBRS, R$ 200 mil para escritório de contabilidade que atuou no fechamento de projetos dos hospitais, R$ 200 mil para escritório de TI que faz a gestão dos passivos de tecnologia, servidores e documentação hospitalar que necessita ser armazenada por 20 anos e, por fim, R$ 226 mil para o pagamento de salários atrasados dos funcionários da sede em Porto Alegre, pagamento de contas e demais despesas operacionais do cotidiano".
Desde 2020, o grupo de Investigação da RBS (GDI) acompanha a situação da unidade gaúcha da Cruz Vermelha. Naquele ano, o prédio-sede, na Avenida Independência, foi leiloado por R$ 1,7 milhão. A Cruz Vermelha tentou uma série de recursos, alegando avaliação abaixo de mercado, mas não teve sucesso e, em maio de 2023, teve de sair do prédio. Ficou sem sede e sem atividades desde então. O presidente explicou que para atuar na enchente, fizeram um acordo para uso de um galpão em Gravataí.
Em 2021, o GDI teve acesso a uma auditoria que apontava supostos desvios e irregularidades na gestão da unidade gaúcha. Milton Fernando Pithan, ex-presidente do órgão, levou os apontamentos da auditoria ao Ministério Público Estadual e à Polícia Civil.
O MP não respondeu se foi feita alguma investigação a respeito. A polícia informou que as denúncias foram analisadas e não havia desvio envolvendo valores no RS. A fraude teria se dado no Rio, em caso investigado pela Operação Calvário.
A Operação Calvário foi um trabalho conjunto do MP do Rio de Janeiro e o da Paraíba e que teve como alvo ex-gestores da CVBRS. Neste caso, conforme as apurações, a unidade gaúcha teria sido usada para sustentar negócio de superfaturamento de contratos na área da saúde e de distribuição de benefícios financeiros para políticos, agentes públicos e empresários.