O temporal ocorrido no dia 15 de fevereiro em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, deixou 152 mortos, cerca de 200 pessoas desaparecidas e mais de 900 desabrigadas. Para apoiar as vítimas e trazer esperança à população em meio ao caos, algumas pessoas da cidade e de regiões próximas criaram uma rede de solidariedade.
A bombeira civil Loren Tiago ignorou as dores no corpo para seguir no trabalho de resgate das vítimas no sábado (19). O pedreiro Matheus Dias perdeu as contas de quantas viagens de moto fez desde a última quarta-feira (16) para entregar cestas básicas em diversos pontos da cidade. O cobrador de ônibus Valdir da Conceição, por sua vez, equilibrava um saco com mantimentos no ombro para ajudar na alimentação da filha, que perdeu todos os móveis com as chuvas.
Com árvores caídas e montes de terra e entulho obstruindo vias, o acesso a alguns pontos da cidade se tornou impossível em carros ou em outros veículos maiores. Para piorar a situação, enquanto máquinas da prefeitura trabalham para desobstruir as ruas, o trânsito permanece caótico. Só quem consegue circular com alguma facilidade são os motoqueiros. E são eles que, desde o dia 16 de fevereiro, têm ajudado a diminuir as dificuldades dos moradores que perderam quase tudo com as chuvas do dia anterior.
A Rede
Desde o meio de semana, o pedreiro Matheus Xavier Dias, 25 anos, está cruzando a cidade de manhã à noite transportando donativos com a sua moto. No sábado, ele realizou cerca de 20 viagens.
— É um mutirão de motoboys para levar coisas onde carro não passa, que é Caxambu, Sargento, Vila Filipe. Nós estamos nesse intuito de ajudar os moradores que perderam suas casas — contou Matheus.
A prefeitura da cidade convocou os motoqueiros para ajudar no transporte de cestas básicas. Quem aceita ganha um selo na moto e pode abastecer gratuitamente a qualquer hora do dia. O pedreiro garantiu que só irá parar de ajudar quando a situação da cidade melhorar e as pessoas não estiverem mais necessitando de auxílio.
Loren, por sua vez, faz curso técnico em enfermagem e é bombeira civil há três anos. Moradora de Petrópolis, ela disse que, desde o desastre da última terça-feira, só conseguiu se acalmar quando vestiu a farda de bombeiro e foi para a linha de frente ajudar no que fosse possível.
— Na terça-feira, quando eu estava recebendo os vídeos e as fotos, a minha reação foi só chorar. A gente não imagina a dor das mães e dos filhos. É muito triste ver uma situação dessas, dói dentro da nossa alma. Eu não tive paz enquanto eu não consegui sair de casa para vir aqui ajudar — afirmou ela, que momentos depois iniciou mais um dia de trabalho na Rua Teresa, a principal via de comércio da cidade, fortemente atingida pelas chuvas.
Loren relatou no sábado que acordou toda dolorida, dos pés à cabeça. Por conta disso, precisou tomar duas dipironas. No entanto, não deixou de trabalhar porque, infelizmente, faltava mão de obra. — A gente não pode se abater — disse.
Alguns quilômetros dali, o cobrador Valdir da Conceição acelerava o passo para não perder sua carona. Ele mora na Mosela, mas equilibrava um saco de comida nos ombros com destino a Corrêas, distante 16 quilômetros. É lá que mora a filha Rafaela e os netos Arthur e Ana Paula, que sofreram com as fortes chuvas.
— Minha filha perdeu tudo o que tinha em casa. Televisão, móveis, tudo. Ela está morando com a mãe, e eu estou dando assistência — contou o cobrador.
Valdir ficou emocionado com as inúmeras doações que estão sendo enviadas a Petrópolis e agradeceu às pessoas envolvidas.
— É uma grande coisa o que estão fazendo, eu não tenho palavras para agradecer. Está ajudando muita gente — falou emocionado.
Brasil que ajuda
De acordo com a secretaria municipal de Assistência Social, os donativos estão chegando de diversas partes do Brasil. São toneladas de alimentos e outros insumos que estão sendo distribuídos nos pontos de acolhimento montados na cidade.
— É uma corrente de solidariedade muito forte e que agradecemos imensamente. Estamos empenhados em fazer a ajuda chegar aos pontos de apoio e abrigos o mais rápido possível, atendendo a demanda de cada local — afirmou a secretária de Assistência Social, Karol Cerqueira.
A ONG Ação da Cidadania, fundada pelo sociólogo Betinho nos anos de 1990, é atualmente a maior entidade do País no combate à fome. Há quatro anos, vem atuando também em tragédias como a que ocorreu em de Petrópolis na última semana.
— Já mandamos para lá 100 mil litros de água, 20 toneladas de alimento, duas mil refeições prontas, oito toneladas de kits de higiene e limpeza, mil colchões e mil mantas — enumerou o diretor-executivo da ONG, Kiko Afonso.
De acordo com Kiko, a instituição continuará por pelo menos mais um mês fazendo as doações de itens básicos de higiene e alimentação. Além disso, quando as pessoas começarem a voltar para suas casas, o que já está acontecendo no sul da Bahia,onde a ONG também está auxiliando, o trabalho chegará a uma segunda etapa de atendimento, que consiste no envio de geladeiras e fogões.
O governo dos Estados Unidos também anunciou no sábado uma doação. Funcionários das prefeituras do Rio de Janeiro, de Petrópolis e de Niterói (região metropolitana) vão se reunir na segunda-feira (21) para um trabalho conjunto de limpeza da cidade.