A militante bolsonarista Sara Fernanda Giromini, a Sara Winter, usou as redes sociais para divulgar o primeiro nome de uma menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo próprio tio. Apesar de a publicação ter sido apagada depois, juristas afirmam ao Estadão que ela pode ter ferido ao menos quatro artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Penal. Na manhã desta terça-feira (18), o canal dela no YouTube apareceu como encerrado.
A divulgação de dados da vítima de estupro ocorreu no domingo (16) pela conta de Sara no Twitter. Na ocasião, a militante de extrema-direita publicou a identidade da criança e o endereço do hospital que faria o procedimento para interromper a gravidez, previsto em lei. Ela também chamou o médico responsável pela unidade de "aborteiro".
Juristas afirmam que Sara Winter pode responder nas esferas criminal e cível por causa da exposição da menina. Para a advogada Cecilia Mello, ex-juíza federal e especialista em direito penal e administrativo, só do ECA ela poderia ser enquadrada em mais de um delito.
– O artigo 17 estabelece o direito ao respeito, que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da identidade – explica a jurista. – Com base nesse dispositivo já se evidenciam, em tese, a irregularidade e o dano causados pela conduta adotada em relação à criança, abrindo espaço, em consequência, para eventual reparação.
A outra infração cometida seria ao parágrafo 1º do artigo 247, segundo avalia a especialista. A legislação proíbe exibir, total ou parcialmente, qualquer ilustração de criança ou adolescente, que se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir a identificação do jovem. A pena prevista é de multa de três a vinte salários - ou o dobro, em caso de reincidência.
Normalmente, o dispositivo serve para inibir exposição de pessoas com menos de 18 anos envolvidas em algum delito. Para Cecilia Mello, entretanto, ele também poderia ser aplicado ao caso da criança estuprada.
– O tipo penal previsto, no meu entender, não pressupõe que tais imagens ou conteúdo sejam decorrentes de ato infracional imputado à criança ou adolescente, haja vista a expressão "atos que lhe sejam atribuídos", ou seja, quaisquer atos – diz.
Ex-presidente da Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB-SP, o advogado Ricardo de Moraes Cabezón também avalia que houve violação da lei.
– Obviamente, o que foi feito está na contramão do ECA: a preservação o nome se dá para que a gente não permita uma estigmatização futura da criança – afirma. – Em tese, a família poderia pedir não só o bloqueio da postagem como também, eventualmente, danos materiais e morais. Até porque se trata de um caso de aborto com previsão legal.
Código Penal
Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o advogado criminal Fernando Castelo Branco afirma que, em tese, Sara Winter também poderia responder por constrangimento ilegal e incitação de crime. Os delitos são previstos nos artigos 146 e 286, respectivamente, do Código Penal.
– O constrangimento teria sido gerado para os médicos, querendo proibi-los ou ameaçando-os a não fazer algo que a própria lei permite – explica o advogado.
Neste caso, a pena prevista é de três meses a um ano de prisão.
Já a incitação, com pena de três a seis meses ou multa, seria por divulgar o nome do hospital e incentivar a pessoas a ir ao local impedir que o procedimento fosse realizado.
– De que forma seria impedido esse aborto? Seria uma coação moral ou uma violência física – afirma.
Líder do movimento "300 do Brasil", Sara Winter já responde a inquérito sobre atos antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), motivo pelo qual chegou a passar nove dias presa neste ano. Beneficiada por um habeas corpus, ela usa tornozeleira eletrônica desde junho.
Para Castelo Branco, a exposição da criança também poderia prejudicá-la em sua defesa no processo anterior.
– Pode se complicar, porque há o aspecto subjetivo que acaba influenciando o julgador, o Ministério Público e a coletividade – afirma.