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O Rio Grande do Sul recebe nesta terça-feira (18) mais uma etapa do programa de interiorização do governo federal que busca auxiliar os milhares de venezuelanos que fogem de seu país em razão da crise econômica e procuram refúgio em Roraima. Devem desembarcar no aeroporto Salgado Filho 96 pessoas com destino a Porto Alegre, Viamão e Santo Antônio da Patrulha.
Representantes de 10 municípios gaúchos acompanharam nessa segunda-feira (17), em Boa Vista, as últimas etapas de uma espécie de seleção da qual participam quem busca um novo lugar para viver. Eles viajaram ao norte do país à convite do Ministério do Desenvolvimento Social. O titular da pasta, Alberto Beltrame, acompanhou a comitiva.
A ideia é que as cidades que ainda não estão integradas ao programa passem a receber imigrantes. O processo começa nos dois centros de triagem administrados pelo Exército com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Polícia Federal. Os imigrantes passam por quatro etapas até obterem documentos do Brasil.
— Ao chegar, os venezuelanos informam se pretendem ficar seis meses ou dois anos, e são encaminhados para a entrevista. Depois, colhem digitais para fazer o CPF brasileiro e a carteira de trabalho — explica o tenente Francisco Salomã Bezerra de Souza, subcomandante do posto de triagem da Operação Acolhida.
Para garantir as primeiras senhas e a prioridade no atendimento, muitas pessoas preferem dormir do lado de fora dos muros. O local recebeu, somente neste mês, de 700 a 800 pessoas por dia. Segundo o tenente, o número foi muito maior durante 2018:
— Com as festas de fim de ano, muitos estão indo para a Venezuela com o dinheiro que conseguiram guardar.
É o caso de Roberto Hurtado.
— Vou visitar a família para passar o Natal, mas depois voltarei — diz o venezuelano de 48 anos.
Lonas brancas protegem da chuva fina, mas amplificam a sensação térmica. Enquanto o termômetro marcava 33ºC às 14h, um militar jurava, pela experiência de quem trabalha no local há mais de um ano, que passava fácil de 40ºC. No tempo em que os adultos cumprem o demorado processo de regularização no Brasil, as crianças ficam um espaço separado, onde assistem a desenho animado, brincam com jogos de montam ou pulam na cama elástica.
— Enquanto os pais fazem as documentações, a gente as distrai. E também trocamos fraldas de bebês — conta Yoana Rodriguez, 36 anos, voluntária da Unicef, órgão das Nações Unidas que promove a defesa dos direitos das crianças.
Após ter o perfil da família e das capacidades profissionais dos adultos, o cadastro completo é levado até a tenda da Polícia Federal, que cruza os dados com os abrigos que irão acolher os migrantes. É por essa base de dados que foram selecionados os venezuelanos que desembarcarão nesta terça-feira no aeroporto Salgado Filho.
Novo grupo pode chegar em janeiro
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O número de venezuelanos vivendo no Estado – que chegará a 844 com o grupo desta terça – poderá crescer já na primeira quinzena de 2019. Segundo o coronel Souza Holanda, chefe da célula de interiorização da Operação Acolhida, três prefeitos que estão em Boa Vista o procuraram demonstrando vontade de receber migrantes:
— O prefeito que tem interesse vai articular com empresários que irão emprega-los e, simultaneamente, ele pode articular apoio social para alojamento. Nos enviando essas informações, em 15 dias o venezuelano já pode estar na cidade.
Um dos interessados é o prefeito de Liberato Salzano, Gilson de Carli, que dividiu a viagem entre olhares atentos para dentro das tendas e telefonemas. Ele afirma que quatro donos de propriedades rurais telefonaram a procura de técnicos agrícolas e agrônomos:
— Vou solicitar 30 pessoas para trabalhar em Liberato, que é a capacidade de absorção.
— Manifesta interesse de vagas e perfil e aí montamos todo o processo — explica o major Eduardo de Moraes Milanez, chefe de comunicação da Operação Acolhida.
Em um processo que se iniciou em novembro, os municípios que receberão o atual grupo de imigrantes informaram ao Ministério do Desenvolvimento Social o perfil buscado. No caso de Viamão, famílias com crianças acima de sete anos, segundo a Maria Rita Cardozo, secretária municipal de Cidadania e Assistência Social. Após negociações para não dividir as famílias, aceitou receber dois bebês de quatro e três meses.
A ONU, por meio da agência para refugiados (Acnur) recebe os perfis indicados pelos parceiros e empregadores de cada cidade. A seleção leva em conta a data de entrada no abrigo, com preferência para os mais antigos, e que atendam os perfis e estejam disponíveis para viajar. O Exército faz a intermediação e registro das pessoas que tem interesse no trabalho e outro braço da ONU, a OIM, agência para imigração faz o contato com quem tem parentes já morando em outros Estados.
No grupo que chegará nesta terça a Santo Antônio da Patrulha está o estudante Jesus José Ibarra, 20 anos. Ele foi ferido pela Guarda Nacional, em Caracas, e ficou com o lado direito do corpo paralisado, além de dificuldades de fala. Agora, viverá no município do Litoral com o pai, José, engenheiro e arquiteto. O estudante diz não ter expectativa pois só conhece a Venezuela e os abrigos do Brasil:
— Não tenho curiosidade porque não conheço outro país.
Governo repassou R$ 2 milhões em ajuda de custo aos imigrantes
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Há 103 dias, os primeiros venezuelanos trazidos pelo programa de interiorização do governo federal desembarcaram no aeroporto Salgado Filho. Em grupos que chegaram em intervalos de dias ou semanas, o total deve alcançar 844 imigrantes morando em oito cidades do Rio Grande do Sul, incluindo os desta terça.
O programa prevê R$ 400 de ajuda de custo por venezuelano, repassados pelo Ministério do Desenvolvimento Social às prefeituras, para auxiliar na assistência aos novos moradores. No total, já foram repassados R$ 2,068 milhões para o Estado.
Toda a ajuda via interiorização, da moradia, custeada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), à alimentação, doada pela Marinha do Brasil, tem previsão de durar até seis meses – prazo estipulado para que os novos habitantes consigam refazer suas vidas no Estado.
Maioria já está trabalhando
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Em Esteio, primeiro município gaúcho a receber venezuelanos, em 5 de setembro, 35 dos 201 imigrantes já conseguiram conquistar sua independência. Todas as 20 crianças com idade escolar estão estudando e 105, dos 177 aptos ao trabalho, estão empregados. O caso de Esteio é considerado pela ONU um exemplo, levado como referência para outras cidades do país e do mundo.
— A grande chave do sucesso do processo em Esteio foi a acolhida, porque não apenas o poder público e as organizações se envolveram, como toda a sociedade. Fizemos com que a comunidade se dedicasse, seja com doações de roupas, empo, carinho e emprego – avalia o prefeito Leonardo Pascoal (PP).
Os imigrantes que já conseguiram deixar os abrigos e alugar casa própria, apesar da independência financeira, não foram eliminados do programa. Segundo Pascoal, a segunda fase, que começa a ser estruturada agora e vai seguir depois de 31 de março, quando se encerra o contrato de aluguel dos abrigos pelo Acnur, diz respeito ao monitoramento dessas famílias no lugar onde estão morando.
— Nosso objetivo é seguir acompanhando com equipe de assistentes sociais para saber se estão vivendo em condições dignas de moradia, alimentação e empregabilidade e se realmente se adaptaram à nova vida — afirma o prefeito, referindo-se a casos de venezuelanos que foram submetidos a trabalhos análogos à escravidão e de abusos sexuais em outros Estados.