Detalhes até hoje pouco conhecidos da luta das famílias das vítimas da tragédia com o avião da TAM, em São Paulo, começam a vir a tona, a partir de relatos de quem viveu por dentro o longo e delicado processo de busca por indenização financeira após o acidente. Os valores dos acordos são mantidos em sigilo, mas o montante é considerado um dos maiores da história da Justiça brasileira.
Poucos dias após o desastre, que completa 10 anos nesta segunda-feira, um andar inteiro do Hotel Sheraton, em Porto Alegre, foi reservado por um megaescritório de advocacia americano, o Masry & Vititoe, de Los Angeles.
Especializados em batalhas judiciais envolvendo catástrofes, seus advogados haviam atuado, por exemplo, em ação por danos ambientais contra a Pacific Gas and Electric Company (PG&E), acusada de contaminar com cromo a água que abastecia a cidade de Hinkley, na Califórnia. O caso é retratado no filme Erin Brockovich _ Uma Mulher de Talento, com a atriz Julia Roberts no papel da ativista ambiental.
Leia mais
Tragédia da TAM: Parentes de vítimas ainda buscam punição
Dez anos depois da tragédia da TAM, o que a aviação brasileira aprendeu
"A gente não procura culpados", diz chefe da investigação do acidente
Na vida real, o episódio entrou para a história da Justiça dos EUA como um dos maiores acordos já pagos em uma ação indenizatória, US$ 333 milhões. No Brasil, o escritório buscava clientes para entrar, de forma conjunta, com ações em tribunais americanos contra a TAM por conta do desastre no aeroporto de Congonhas.
- Tu chegavas lá (no Sheraton), entrava no andar, e havia vários sofás, poltronas, cafés, muitas pessoas chorando, com crianças, outras sozinhas, umas 30 pessoas, em grupos - conta o advogado Eduardo Lemos Barbosa, que representou 12 famílias de vítimas do acidente e lança nesta segunda-feira em São Paulo o livro A história não contada do maior acidente aéreo da aviação brasileira (Editora Manole).
A maioria dos 199 mortos do voo que saíra da Capital e não parou na pista de Congonhas, era gaúcha. Por isso o interesse do escritório americano em se instalar na Capital. Os advogados representavam um executivo do Grupo Santander, natural de Miami, que morrera no acidente.
A ideia era formar uma espécie de consórcio com outros familiares de vítimas brasileiras. A Justiça americana é conhecida por ser mais rápida e especializada em acordos, que acabam reduzindo o tempo dos processos.
No livro, que será lançado em Porto Alegre no dia 31, Barbosa conta seu envolvimento no processo, o trabalho em parceria com o escritório americano e as frequentes reuniões da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da TAM JJ 3054 (Afavitam). Os encontros, lembra o autor, reuniam cerca de 300 pessoas em um hotel paulista. Era o momento mais difícil.
- Você entrava naquele cenário e estava em um mundo diferente. As pessoas com camisas brancas, as paredes lotadas de retratos dos falecidos, e aqueles cavaletes, 20, 30, 40 cavaletes com fotos. Ali era uma oportunidade de conversar com as pessoas e oferecer os serviços. Era um local que as pessoas debatiam indenizações - lembra.
Das 199 famílias de vítimas do acidente, 77 entraram com ação nos EUA _ todas fecharam acordo. Grande parte buscou negociação na câmara de indenização montada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública de São Paulo. Segundo a TAM, dois processos ainda estão na Justiça. Do ponto de vista jurídico, Barbosa considera a operação um sucesso.
- Não tem como misturar com a dor das pessoas, que nunca vai se recuperar desse acidente. Mas, juridicamente, foi uma operação exitosa - avalia o advogado.
Alguns familiares ainda buscam reparação financeira por parte da Airbus, fabricante do A-320 acidentado. Mas apenas para citação judicial da empresa, com sede em Toulouse, na França, foram dois anos. O processo segue em andamento.
Procurada por ZH, a Airbus enviou nota expressando "sua máxima solidariedade" aos brasileiros que perderam familiares e amigos: "Acidentes como esse são excepcionalmente raros e toda a indústria busca aprender com eles.
Na Airbus, a segurança é a principal e absoluta prioridade e nossos colaboradores ao redor do mundo permanecem comprometidos com o maior objetivo da aviação comercial: tornar o mais seguro meio de transporte ainda mais seguro", informou a empresa.
A Airbus reiterou ter "trabalhado com afinco" para realizar as modificações em sua aeronave A-320 recomendadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), em seu relatório final, em 2009.
Embora nunca se tenha sabido o valor total das indenizações, sabe-se que o valor passou de R$ 350 milhões. A seguradora da TAM entrou com ação em 2011 contra a Airbus pedindo ressarcimento pelos valores pagos às famílias. O valor da ação é de
R$ 350 milhões. A Itaú Seguros usou como argumento o relatório do Cenipa, já que a Airbus alterou o sistema de alarme caso as manetes estiverem em posições erradas, um dos fatores que contribuíram para o acidente.
Na área criminal, os familiares ainda buscam Justiça. Dez anos após a tragédia, os três únicos acusados no caso foram absolvidos, decisão confirmada em segunda instância pelo Tribunal Federal Regional da 3ª Região, mês passado.
Respondiam ao processo o então diretor de segurança de voo da TAM, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, o vice-presidente de Operações da TAM, Alberto Fajerman à época, e Denise Maria Ayres Abreu, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A Afavitam deve recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
*Colaborou Paulo Rocha
O lançamento
O que: A história não contada do maior acidente aéreo da aviação brasileira
Autor: Eduardo Lemos Barbosa
Editora: Manole
Preço: R$ 39
Lançamento: Em São Paulo, nesta segunda-feira, às 17h (Livraria da Vila, Shopping Higienópolis). Em Porto Alegre, será em 31 de julho, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Praia de Belas
Aviação
Livro conta bastidores de disputa judicial envolvendo acidente da TAM
Advogado lança publicação com histórias envolvendo familiares das vítimas de acidente da TAM que completa 10 anos nesta segunda-feira
Rodrigo Lopes
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project