"A polícia prende, a Justiça solta". Essa frase tem sido ouvida com frequência nas conversas populares. Autoridades policiais evitam críticas para não gerar uma crise institucional com o Poder Judiciário, mas não escondem a insatisfação de, em muitas oportunidades, ter de prender o mesmo criminoso mais de uma vez em um período curto de tempo.
Preso em flagrante por homicídio em Santa Maria, jovem é solto 24h depois
E notícias de suspeitos que foram presos em flagrante sendo soltos logo após os crimes têm se tornado cada vez mais frequentes na imprensa. Entre as autoridades de segurança pública, também há uma opinião unânime: faz-se urgente uma revisão do nosso Código de Processo Penal (CPP).
Jovens presos após assaltos são soltos da Penitenciária Estadual de Santa Maria
O terceiro homicídio do ano em Santa Maria, que vitimou Jaelson Rodrigues Geraldo, 29 anos, no último sábado, é um exemplo disso. O suspeito, de 20 anos, preso em flagrante logo após o crime, foi solto 24 horas após o assassinato que ocorreu no bairro Nova Santa Marta, na zona oeste de Santa Maria. O juiz plantonista não homologou o flagrante alegando falta de provas.
Jovem é detido por assalto de manhã, liberado na delegacia e detido novamente à tarde por suspeita do mesmo crime
Para o delegado Marcelo Arigony, titular da 2ª Delegacia de Polícia, que investiga esse caso, e também delegado regional substituto, as prisões estão cada vez mais raras e é preciso se acostumar com isso.
Polícia prende comparsa de homem que atirou em policial em São Sepé
- Precisamos de um aprimoramento legislativo. Vivemos um momento em que a prisão é a exceção das exceções. Nós, delegados, agentes policiais, estamos nos adaptando a esse novo tempo. Temos que nos conformar que a prisão é uma exceção. Somos operadores, temos que prender quantas vezes for preciso, mas, o que a Justiça vai decidir depois, não nos diz respeito - reflete.
Homem é morto a tiros na Vila Alto da Boa Vista na manhã de sábado
João Batista Costa Saraiva, que é juiz aposentado, professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul e consultor da Unicef na América Latina, concorda que é preciso uma revisão do Código de Processo Penal, que, segundo ele, é abrangente para decisões subjetivas dos juízes e muito antigo (de 1941).
- A regra geral é responder em liberdade. Mas há uma margem de subjetividade do juiz muito ampla. As coisas precisam ser revistas do ponto de vista da garantia da ordem pública. Havendo suficientes indícios de autoria, até para restaurar a sensação de segurança, é preciso ter um critério mais rigoroso. Depende muito da interpretação de cada juiz, mas a orientação é liberal, e a última reforma do CPP restringiu ainda mais a pena de privação de liberdade sem a condenação - explica.
No entanto, o magistrado acrescenta que os juízes não julgam de acordo com o clamor público e que devem agir como um pacificador social, e não como um vingador social. Veja no quadro o artigo do CPP que discorre sobre os pré-requisitos para uma prisão.
SOBRE O FLAGRANTE
O que diz a lei 3.689, de 3 de outubro de 1941:
- Artigo 310: Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
- I: Relaxar a prisão ilegal
- II: Converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312 (...)
- III: Conceder liberdade provisória, com ou sem fiança
- Artigo 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria
CASOS DE 2016
Desde o início do ano, vários episódios envolvendo a soltura de suspeitos de crimes já foram noticiados pelo "Diário". Falta de advogado no momento do flagrante, decisões dos juízes e/ou delegados e falta de provas estão entre os motivos para a liberdade. Confira:
- 9 de janeiro: Dois jovens que haviam sido presos no dia anterior em um assalto a um posto de combustíveis e um suspeito de roubar uma lotérica três dias antes foram soltos da Penitenciária Estadual de Santa Maria. Não houve a homologação do flagrante por falta de advogado na delegacia
- 26 de janeiro: Um suspeito de ser comparsa de um homem que teria atirado contra um policial civil em São Sepé foi preso em flagrante por porte ilegal de arma e munição após tentar fugir da polícia. O delegado Antonio Firmino de Freitas Neto, responsável pelo caso, disse que o homem ficou mais tempo na delegacia do que no presídio. Ele chegou ao local às 16h e foi liberado por volta das 17h
- 27 de janeiro: Um jovem foi detido por volta das 11h por ter assaltado uma jovem no centro de Santa Maria. Na delegacia, ele foi reconhecido pela vítimas, mas foi ouvido e liberado. À tarde, foi detido novamente pelo mesmo crime e liberado outra vez
- 31 de janeiro: Um jovem de 20 anos, suspeito de ter matado Jaelson Rodrigues Geraldo, 29 anos, no bairro Nova Santa Marta no dia anterior, foi solto cerca de 24h após o crime. Ele havia confessado a autoria aos policiais no momento em que foi preso, mas, na delegacia, usou do direito de ficar calado. o Juiz entendeu que não havia provas para responsabilizá-lo pelo crime
Situação indigna autoridades policiais
- Parece que alguns integrantes do nosso sistema de segurança vivem no mundo da lua, não se dão conta que algumas pessoas não podem ficar no convívio social. Com isso, a comunidade não pode sair na rua com uma joia ou com o celular na mão. E o pior é que as críticas de servidores são comedidas, com medo de represálias. Tanto um delegado quanto um coronel têm receio de serem reprimidos por alguém que solta com a maior facilidade um traficante e coloca um policial no banco dos réus _ reclama o tenente-coronel Adilomar Silva, comandante interino do Comando Regional de Polícia Ostensiva da Brigada Militar.
- Não é só a polícia que se indigna, mas o povo mais ainda. Decisão judicial a gente respeita, mas ninguém é obrigado a gostar. Sou plantonista 24h por dia e sete dias por semana, por que não se pode ter um defensor público em plantão se a gente não pode chamar um advogado para acompanhar o flagrante? É um excesso de garantias para bandidos, enquanto cidadãos de bem não têm nenhuma garantia constitucional, como saúde, educação e segurança. Direitos humanos são para humanos direitos - desabafa o delegado de polícia Antônio Firmino de Freitas Neto, que tem pós-graduação em Direitos Humanos.