Irmanadas na ideologia de restauro aos tempos de glória do ramo sunita do islamismo, os grupos terroristas Al Qaeda e Estado Islâmico atuam com táticas e objetivos diferentes.
A Al Qaeda (A Base, em árabe), curiosamente, nasceu sem ter uma base física. É uma rede de contatos terroristas que se propõe a golpear os "cruzados" (o capitalismo, o cristianismo e o Ocidente em geral) onde eles estiverem. Sobretudo, nas suas próprias terras. Foi assim que Osama Bin Laden e seus comparsas arquitetaram atentados a alvos diplomáticos e militares ocidentais ao longo dos Anos 1990 e 2000, tendo como ápice a derrubada das Torres Gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001.
Surgiu como grupo cujos integrantes atuam aos moldes tradicionais do terrorismo: células compartimentadas (membros que não se conhecem e se comunicam esporadicamente), ataques-fantasma (golpeiam e desaparecem), nenhuma territorialidade. Tudo muito bem descrito pela especialista norte-americana Claire Sterling, no livro A Rede do Terror, lançado nos Anos 70 - e que mostrava a aliança do terrorismo palestino com esquerdistas alemães e japoneses.
Já o Estado Islâmico, uma dissidência da Al Qaeda, se diferenciou justamente por aspirar a algo que poucos grupos terroristas almejam: um território próprio. Criando um verdadeiro exército de fanáticos, treinados tanto em guerrilha como em atentados a bomba, o EI conseguiu abocanhar grandes nacos da Síria e do Iraque, inclusive cidades de porte como Racqa e Mossul. De início, atacou apenas alvos ocidentais situados nesse território árabe, que os militantes do Estado Islâmico querem transformar num ressurgimento do Califado dos tempos de Maomé. Só que com posturas bem mais intolerantes que as do Profeta, em relação a outras religiões e às mulheres.
Os atentados em Paris - no início deste ano e o realizado sexta-feira 13 - mostram uma virada nesse objetivo do EI. Aderiu à tática da Al Qaeda, atacando o inimigo (o Ocidente) no seu território. Aliás, fez isso essa semana em outro país, o Líbano: uma bomba do Estado Islâmico matou mais de 40 pessoas num reduto do Hezbollah, milícia xiita arqui-inimiga do EI.
Por que o EI aderiu à proposta do terrorismo sem fronteiras e territórios? A resposta é que ele está perdendo o território conquistado. De forma rápida, avassaladora. Esta semana, milícias curdas, apoiadas por aviões norte-americanos e franceses, tomaram a cidade iraquiana de Sinjar, próxima à Síria. Aviões franceses também bombardearam instalações de gás vitais para o EI, em Deir-Ez-Zor (Síria).
São amputações na rota de suprimentos do Estado Islâmico, cujas fortalezas em Racqa (Síria) e Mossul (Iraque) ficaram isoladas de suprimentos. Parece ser questão de tempo para que essa rede terrorista perca o terreno tão ambicionado. E para o fim do Califado do Terror, apelido dado ao EI por Loretta Napoleoni, italiana especializada em terrorismo, autora de A Fênix Islamista - O Estado Islâmico e a Reconfiguração do Oriente Médio. Nada mais natural, pois, que os chefes do EI tenham decidido capilarizar seus ataques, agora em território inimigo.
A ironia é que a Al Qaeda inverteu essa tática e criou uma franquia que, hoje, ganhou território em vários países. Grupos filiados à Al Qaeda tomaram cidades e terras no Mali (África), na Líbia (África), no Iêmen (península arábica) e na própria Síria (a rede Al Nusra domina áreas próximas à Turquia). Ou seja, copia o exemplo do Estado Islâmico e inclusive o combate, numa rivalidade para ver quem comandará a rede de terror sunita.
Qual o futuro? A reação das potências ocidentais (incluindo a Rússia) forçará o EI e a Al Qaeda a desistir cada vez mais dos territórios. Partindo, de vez, para ataques terroristas indiscriminados nos países ocidentais. Serão tempos difíceis para a Europa, alvo próximo.
Confira o mapa dos ataques:
Atentados em Paris
Mais de cem pessoas morreram na noite desta sexta-feira, em Paris, na França, após uma série de ataques terroristas em diversos locais da capital francesa. Tiroteios e explosões ocorreram de maneira coordenada em pelo menos seis lugares, segundo o jornal Le Monde, que cita uma fonte judicial: no Boulevard Voltaire, em frente ao bar La Belle, Bataclan, na Rua de la Fontaine, no bar Carillon e no Stade de France. Pelo menos cinco terroristas foram "neutralizados" à noite. A informação foi anunciada por François Molins, procurador de Paris.
Logo após os ataques, o Itamaraty confirmou dois brasileiros entre os feridos nos atentados. Parisienses descrevem como "estado de guerra" a situação da capital francesa no momento, alertando para um possível crescimento da onda xenófoba, ultranacionalista e de extrema direita no país, que está a três semanas das eleições regionais.
O presidente francês, François Hollande, decretou estado de emergência e fechou as fronteiras do país. Moradores são aconselhados a não deixarem suas casas. Todos os locais públicos, como escolas, museus e bibliotecas, permanecerão fechados neste sábado em Paris. O presidente pediu confiança à população francesa e garantiu que as autoridades do país devem ser "duras e serenas" para "vencer os terroristas".
O presidente norte-americano Barack Obama também se pronunciou após os ataques, garantindo apoio à França e descrevendo as ações como "ataques contra a humanidade". Pelo Twitter, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff,se disse "consternada pela barbárie terrorista" e expressou seu "repúdio à violência" e "solidariedade ao povo francês".
*Zero Hora