O jornalista Lino Brum Filho, 72 anos, lembra como se fosse hoje da última vez em que viu seu irmão Cilon. Era 9 de junho de 1971 e o militante comunista, que já vivia na clandestinidade, estava em Porto Alegre para batizar Liniane, a filha de Lino. Em 2012, Liniane Haag Brum lançou o livro Antes do passado (editora Arquipélago) em que conta a trajetória do tio. Nesta entrevista, o jornalista, que mora na Capital, fala da expectativa da família.
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A confissão do major Curió de que ele matou Cilon e outros guerrilheiros no Araguaia aumenta as esperanças de localizar os restos mortais do seu irmão?
Aumenta, sim, porque houve a confissão. Até então, esse militar assassino não admitia o crime. Ele executou o Cilon e o Raul (codinome de Antônio Theodoro Castro, outro guerilheiro) juntos, e, ao que se sabe, foi ele quem apertou o gatilho. O que falta é descobrir onde estão os corpos. Eles foram sepultados em cova rasa, na selva. Há um processo na Justiça Federal que está tratando da localização dos corpos.
Em São Sepé, o jazigo da sua família tem uma placa que diz que o local ainda aguarda o corpo de Cilon. O que essa possibilidade representa para a família?
Bom, é um rito que temos em nossa civilização, na nossa formação cristã, de fazer uma despedida e dar uma sepultura digna para nossos entes queridos. A maioria das famílias dos que foram mortos no Araguaia não teve esse direito. Não tivemos o direito de saber da morte, de chorar a morte, de fazer a sepultura. Embora tenham se passado mais de 40 anos, existe ainda essa possibilidade. E foi para não cair no esquecimento que nós, os familiares, colocamos essa placa.
Seu pai e sua mãe morreram sem saber o que aconteceu com o filho. Como eles lidavam como o desaparecimento de Cilon?
Meu pai, imagino que como uma forma de defesa, nunca mais falou sobre o Cilon. Minha mãe, em 1973, sofreu um AVC e ficou com sequelas. Ela falava muito no filho e, a partir de um determinado momento, praticamente todas as tardes, ela pedia para a gente botar uma cadeira na porta da casa, sentava lá, ficava olhando para fora e dizia: "Acho que hoje o repetiu dezenas de vezes.
O senhor acha que a luta do seu irmão valeu a pena?
Acho que quando se luta por um ideal sempre vale a pena.
O senhor espera que o major Curió seja julgado e condenado por essas mortes?
Espero que seja feita justiça. Para chegarmos lá, precisamos, primeiramente, localizar os corpos. Agora, o caminho ficou, não diria mais fácil, mas mais livre, porque ele (Curió) hoje é réu confesso.
Qual o sentimento do senhor em relação aos governos após a redemocratização? Eles têm alguma dívida com os familiares dos desaparecidos e mortos?
Sim, não resta a menor dúvida disso. Eles têm uma dívida não só com os familiares, mas com a sociedade brasileira. O caso do Cilon, do Raul, não é um problema das famílias. É algo que atinge a todos nós. Enquanto houver um brasileiro insepulto, não há plena democracia. E, ainda hoje, temos dezenas de brasileiros insepultos e dezenas de famílias que não tiveram a oportunidade de chorar suas mortes. Os governos todos, indistintamente, têm a sua parcela de culpa porque pouco ou nada fizeram.
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