O crítico, professor e historiador das artes visuais Carlos Scarinci, que se notabilizou pela defesa da arte contemporânea no Rio Grande do Sul e pela singular erudição, morreu neste domingo (12/7), aos 83 anos, em São José dos Campos (SP), onde estava radicado desde os anos 1990. Ele foi vítima de uma pneumonia. O corpo será cremado amanhã, pela manhã, na cidade onde morava.
Durante três décadas, Scarinci consolidou-se como cronista de diferentes gerações de artistas gaúchos, escrevendo sobre Xico Stockinger (com quem fundou o Atelier Livre de Porto Alegre, em 1961), Iberê Camargo, Henrique Fuhro e Karin Lambrecht, entre outros. Nascido na capital gaúcha, foi integrante de uma geração de intelectuais formados antes da ditadura militar (sua graduação foi em Filosofia, na UFRGS, em 1963), como Gerd Bornheim, Enéas de Souza e Ruy Carlos Ostermann, que representou uma resistência cultural nos anos de chumbo e serviu de referência para os que vieram depois.
Lecionou na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), de 1966 a 1977, e no Instituto de Artes da UFRGS, de 1977 a 1991. Também ocupou a direção do Museu de Arte do Rio Grande do Sul de 1964 a 1967 e em 1987 (em gestão compartilhada com Vasco Prado e Míriam Avruch).
Já no estado de São Paulo, Scarinci foi professor da Universidade de Taubaté e escreveu para a imprensa especializada, como a revista Galeria. Sobre sua importância, José Francisco Alves, professor do Atelier Livre de Porto Alegre, relata:
- Certa vez, perguntei ao Xico (Stockinger): "Qual é o crítico mais importante do Rio Grande do Sul?" Ele pensou um pouco e respondeu: "É o Scarinci".
Como historiador, deixou uma obra de referência: A Gravura no Rio Grande do Sul 1900 - 1980, publicada em 1982 pela Mercado Aberto. Para além da especificidade de seu objeto de estudo - a gravura -, o volume é consultado ainda hoje por pesquisadores da história da arte no Estado no século 20. Scarinci havia se debruçado sobre o tema em sua dissertação de mestrado em Artes na Universidade de São Paulo, em 1981, com orientação de Walter Zanini.
Sua obra crítica está dispersa em catálogos de exposições e arquivos de jornais e revistas. Ficou conhecido pelo rigor com que defendia suas ideias. Era particularmente atraído pela análise formal das obras de arte, enveredando também pela contextualização sociológica e histórica.
- Ele juntava os dois aspectos, o formal e o contextual, mas sempre a partir do que a obra dizia. Sabia colocar em palavras o que o emocionava em uma obra - observa Alves.
A artista Karin Lambrecht, que teve trabalhos analisados por Scarinci, sublinha o cuidado do crítico com as produções mais recentes:
- Era bastante atento à contemporaneidade, valorizava os artistas jovens. A mais forte lembrança que tenho dele era a erudição, ele sabia sobre tudo. Lembro que tinha uma biblioteca enorme.
Em depoimento a Zero Hora em 1979, por ocasião do início de um curso de história da arte no Atelier Livre, Scarinci declarou:
- Nos tempos atuais, a arte atravessa um período de crise. As dificuldades de informação imediata, apesar da rapidez dos meios de comunicação, dificultam a formação de um ponto de vista global e crítico a respeito do que está acontecendo. Principalmente para quem vive em países e cidades que ocupam uma posição marginal em relação às grandes metrópoles artísticas. A América Latina inteira é um típico exemplo de uma arte ainda hoje marginal. Por isto, é tão necessário criar um público consciente da história da arte e de seus valores que possa sustentar o movimento artístico local, dando estímulos e meios aos artistas de real talento que, sem dúvida, temos e que, em melhores condições, poderiam desenvolver obras mais importantes.
Carlos Scarinci deixa esposa, seis filhos de três relacionamentos e quatro netos.
Memória
Crítico de arte gaúcho Carlos Scarinci morre aos 83 anos
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