Chegou o ponto em que você não sabe se vai conseguir dar conta daquele longo financiamento ou se seu salário sustentará a fatura do cartão de crédito (isso se for só um). Se as contas a pagar estão saindo do seu controle, atente. A dor de cabeça é certa - mas, mais que isso, é grande a possibilidade de você sofrer de depressão. Pesquisas nacionais e internacionais confirmam que o endividamento está diretamente ligado a transtornos emocionais.
O Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) já provou que 80% das pessoas que acumulam débitos sofrem de depressão e ansiedade. Um estudo da Universidade de Southampton, no Reino Unido, mostrou que as dívidas também podem estar relacionadas a desordens alimentares, ao uso de álcool e drogas, à psicose e até mesmo a suicídio.
Difícil é precisar a ordem dos fatores. Nenhuma das análises é clara sobre o que é causa e o que é consequência: a pessoa desenvolve problemas depressivos porque está mergulhada em dívidas ou um quadro anterior de abalo psicológico a torna mais propensa à inadimplência?
- Pessoas deprimidas têm menos concentração e organização, o que pode torná-las mais suscetíveis a dificuldades financeiras. Mas pode ser, também, que aqueles com muitas dívidas se vejam sem saída sobre sua situação, potencializando o surgimento da doença - diz o doutor em Psicologia Clínica Thomas Richardson, da instituição britânica.
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Embora concentre suas pesquisas em estudantes com dificuldades de cumprir os compromissos financeiros com as respectivas universidades, Richardson afirma que o efeito das dívidas na saúde mental tem sido demonstrado em todas as faixas de idade.
De acordo com o levantamento mais recente do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), com base em dados coletados em fevereiro, 53,6 milhões de brasileiros estão com o nome sujo - 37% da população entre 18 e 95 anos. Cartões de crédito, cheques especiais e outros serviços bancários são os que mais têm participação na inadimplência (44,2%), seguidos por dívidas contraídas no comércio (23,94%).
- Tem muita gente tentando apagar problemas da vida com o consumo desenfreado, como forma de tapar um buraco. É claro que isso não resolve. Pelo contrário, gera mais um aborrecimento: as dívidas, que ficam cada vez maiores - comenta a economista-chefe do SPC, Marcela Kawauti.
Pode ser uma compulsão
Se uma parcela da população está inadimplente acidentalmente, ou seja, por conta de um evento específico como a perda do emprego ou o pagamento de um tratamento médico caro, por exemplo, por outro lado há os que se endividam porque têm uma doença: a oniomania, distúrbio psicológico de que sofrem os compradores compulsivos.
É como se fosse uma droga. O ato de comprar gera sensações agradáveis a ponto de se querer repetir indefinidamente. No período de seca das compras, provoca crises de abstinência.
- São pessoas que, se tivessem de vender uma coisa para comprar outra, venderiam, só pelo prazer de ir à loja e sair de lá com algo novo - exemplifica a psicóloga Tatiana Filomensky, coordenadora do atendimento a compradores compulsivos no Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Amiti) do Hospital das Clínicas da USP.
Segundo ela, 99% das pessoas que procuram ajuda no ambulatório para sarar a oniomania estão endividadas e apresentam sintomas de depressão.
- Isso vem em forma de angústia. A pessoa compra tanto que, à medida em que não consegue pagar tudo o que deve, vai ficando frustrada. Em seguida, perde o sono, o apetite, chora por qualquer coisa. Se está devendo para alguém da família, o almoço de domingo, que era um bom momento, passa a ser um pesadelo - aponta Tatiana.
Em um contexto atual em que todos são incentivados a consumir desenfreadamente, a cura para os superendividados não é ganhar na loteria. Até ajudaria, mas o fundamental - além do tratamento psiquiátrico ou psicológico, no caso dos compulsivos - é o planejamento financeiro. Separar 10% do salário mensal para uma reserva em caso de imprevistos é um exemplo de atitude prudente, diz Marcela Kawauti, do SPC. Ela ainda sugere aos consumistas tornarem mínimo o limite do cartão de crédito, pagarem as contas todas de uma vez e priorizarem compras à vista. O aconselhamento financeiro com um profissional também é importante.
- O endividado deve pensar no que o levou à situação insustentável. Ele tem de analisar as contas, ver se todos seus gastos foram imprescindíveis, relacioná-los com a sua realidade financeira. Enfim, refletir sobre sua dívida para evitar que aconteça de novo - afirma a juíza responsável pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Porto Alegre, Geneci Ribeiro.
O Ambulatório Integrado de Transtornos do Impulso (Amiti) desenvolveu, junto à Serasa, um teste de stress financeiro que busca identificar e provocar reflexão sobre os danos emocionais gerados pelo endividamento. O "quiz" foi desenvolvido para estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e adaptado para o Brasil por profissionais da Psiquiatria. Faça o teste: