Seguindo o som da bola e com habilidade técnica surpreendente, jogadores de cinco equipes de Canoas, Porto Alegre, Pelotas, São Bernardo do Campo (SP) e São Paulo disputam o campeonato sul-brasileiro de futebol para cegos que começou sexta-feira e vai até domingo, no Centro Esportivo São Luís, em Canoas. Em quadra, além da rivalidade, histórias de superação e amor ao esporte que transformam a vida de deficientes visuais.
O único campo adaptado para a disputa no Estado recebe partidas com dois tempos de 25 minutos. Chamado de futebol para a 5, reúne cinco jogadores em cada lado da quadra, dos quais apenas os goleiros não são deficientes visuais. A ele, cabe uma área limitada de atuação, com dois metros para frente e um para cada lado da goleira. Outro integrante importante é o chamador, que fica atrás da goleira, orientando os atacantes na área do gol.
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Quando a bola está no meio da quadra, falam os técnicos. Caso esteja na área do gol, a voz é do goleiro e do chamador. Por isso, a torcida deve ser silenciosa para que os jogadores escutem as vozes e o barulho da bola que carrega um guizo, que funciona como uma sineta.
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- O atleta tem que ter muito mais concentração porque a gente se baseia muito pelo som. Se a gente ficar disperso um segundo, tu já perdeu a noção da orientação de onde abola está. Tem que estar ligado cem por cento o tempo todo do jogo - ensina Ricardo Alves, o Ricardinho, da Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc).
Ricardinho achou que não jogaria mais e hoje é o melhor do mundo
Eleito no Mundial de futebol de 5, em novembro do ano passado, o melhor jogador do mundo na categoria, Ricardo Alves, 26 anos, não carrega este mérito a toa. Só na primeira partida do campeonato, realizada sexta-feira de manhã, defendendo a camisa da Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc), de Canoas, fez cinco gols contra a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), de Porto Alegre.
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Natural de Osório, mora no Bairro Cavalhada, na Zona Sul de Porto Alegre e joga há quatro campeonatos pela Agafuc. Para honrar o atual título tem uma rotina intensa de onze treinos por semana, incluindo exercícios físicos e com bola. Nem o sábado é de descanso. Para treinar no único ginásio adaptado para a deficientes visuais no Estado, em Canoas, pega ônibus e metrô diariamente com os colegas de time.
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O Cristiano de Ronaldo do futebol de cinco para cegos joga desde os dez anos dando sequência a um sonho que ele suspeitou ter apagado quando perdeu a visão, aos seis anos de idade.
- Sou colorado, sempre quis jogar na escolinha do Inter. Perdi a visão e achei que nunca mais ia chutar uma bola. Foi aí que descobri o futebol de cinco e o sonho renasceu. E hoje isso é a minha profissão, é da onde me mantenho. Mudou minha vida em vários sentidos.
Integrante da seleção brasileira, treina uma vez por mês em Niterói, no Rio de Janeiro e pretende disputar o Parapan do Canadá que ocorre em agosto. Além do bom desempenho nas quadras, se orgulha das boas relações que coleciona ao longo da carreira.
- O que vai ficar depois do futebol são os amigos.
"Esqueço todos os problemas"
Uma larga vantagem em relação ao futebol convencional, é o limite de idade para jogo. O agente administrativo, Pedro Antônio Beber, aos 55 anos tem o mesmo perfil e a rotina dos atletas mais jovens. Além de jogar como ala esquerda, encara as responsabilidades de presidente da Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc), na busca de patrocínio e recursos para o time.
Morador da Restinga, faz treino tático e físico três vezes por semana. Sempre jogou bola mas perdeu a visão com 22 anos. Mesmo assim, não deixou a deficiência o afastar do que mais gosta de fazer. Hoje tem disposição de adolescente.
- Tenho saúde e disciplina e me sinto independente. O melhor, claro, é fazer gol, mas quando estou aqui esqueço de todos os problemas. É uma realização pessoal. A maior dificuldade é a sociedade que impõe.
"Jogo por felicidade"
O diálogo entre goleiro e jogador é um dos segredos da partida. Goleiro da Associação de Pais e Amigos e Deficientes Visuais (APADV), de São Paulo, Vinicius Tranchezzi, 21 anos, explica que é necessário ser muito específico nas sinalizações que se dá aos zagueiros que, por sua vez, não podem se confundir com as dicas que o chamadores dão aos atacantes do time adversário.
- Precisa dizer se tem um ou dois por perto, onde a bola está batendo. Quanto mais específico formos, mais assertividade na zaga teremos e menos possibilidade da bola vir pra gente.
Um dos destaques do jogo que o DG acompanhou, na manhã de sexta-feira, entre Associação de Pais e Amigos e Deficientes Visuais (APADV) e Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (Cesec) - um clássico de equipes paulistas - foi o ala Tiago da Silva, 19 anos, da APADV. Integrante da seleção brasileira, tem velocidade com a bola e bom drible em campo.
- Eu não procuro ser artilheiro, mas ajudar a equipe, dar bons passes. Meu objetivo é que a equipe vá para frente. Eu jogo por felicidade, porque eu gosto - conta ele, que marcou um gol na partida.
OS TIMES QUE COMPETEM
Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc), de Canoas,
Associação dos Deficientes Físicos de Pelotas (Asdefipel), de Pelotas
Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), de Porto Alegre
Associação de Pais e Amigos e Deficientes Visuais (APADV), de São Bernardo (SP)
Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (Cesec), de São Paulo (SP)
VÍDEO
Superação dribla limitações em campeonato de futebol de cegos
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Jeniffer Gularte
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