A morte de Miriam Roselene Gabe, 34 anos - baleada pelo ex-companheiro na madrugada do último domingo, no hospital de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo -, levanta dúvidas sobre a atuação do policial civil de plantão naquele dia.
De acordo com o promotor Pedro Rui Porto, se o agente tivesse ouvido o depoimento da vítima e registrado a queixa antes de encaminhá-la para o Hospital São Sebastião Mártir, talvez a necessidade de protegê-la com escolta tivesse ficado mais evidente, e o homicídio poderia ter sido evitado.
- A ocorrência já começou quando ela chegou à delegacia e relatou que havia sido agredida. O policial não deveria tê-la mandado para o hospital, a menos que estivesse muito ferida. Se tivesse feito o registro, ele a teria indagado sobre as medidas protetivas que ela gostaria de ter. E se ela mencionasse que estava com medo, e ele estivesse sozinho no plantão, poderia ainda ter pedido o apoio da BM - afirma Porto.
A morte ocorreu à 0h30min de domingo, mas as agressões começaram ainda na noite de sábado. Antes de ser atingida por três tiros, Miriam esteve na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) para registrar a briga com o ex-companheiro Júlio César Kunz, 35 anos. Ao lado do atual namorado, ela contou que Kunz jogou o carro sobre o deles e, em uma discussão, teria agredido os dois em via pública.
Em vídeo, veja como ocorreu o crime:
Ao ver os ferimentos na mulher, que apresentava até perda de cabelos, o policial solicitou que o casal se dirigisse até o hospital para receber atendimento e realizar exames de corpo de delito antes de registrar a ocorrência. Sozinhos, então, Miriam e o namorado foram para o São Sebastião Mártir de carro. Logo depois, o ex-companheiro viu o automóvel do casal no estacionamento, entrou na instituição, arrastou a mulher e a executou na porta de entrada.
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O delegado Vinícius Lourenço de Assunção diz que o servidor, cujo nome não foi divulgado, não poderia acompanhar o casal por estar sozinho no plantão. Ele afirma que o plantonista não pediu para a Brigada fazer a segurança da vítima nos exames por duas razões. Primeiro, porque, segundo ele, "provavelmente" a BM local não teria efetivo. Depois, porque a vítima não teria mencionado que estava sob perigo. O Ministério Público questiona o argumento.
- A polícia diz que ela não mencionou que estaria correndo risco. Mas onde consta isso, se não puderam fazer um registro de ocorrência? Se o plantonista a tivesse ouvido antes, poderia agora argumentar que, tendo exaurido sua função completamente, não havia sentido necessidade de ir junto ao hospital - afirma Porto.
De acordo com o promotor, o plantonista pode ser indiciado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) por não ter evitado o assassinato. O delegado defende o colega.
- É um profissional de grande comprometimento, como os outros, que continuam engajados, ainda que haja cortes na remuneração e aumento nas demandas - alega o titular da DP.
As suspeitas do promotor se reforçam porque este não foi o primeiro relato de suposta negligência com casos relacionados à Lei Maria da Penha envolvendo policiais civis de Venâncio Aires. Há um ano, a Justiça e o MP chegaram a encaminhar um ofício à Delegacia Regional de Polícia Civil, pedindo maior atenção no atendimento às vítimas.
Para Assunção, a apuração sobre a conduta do plantonista é uma tentativa de encobrir um problema intensificado pelo corte nos pagamentos de horas extras da polícia:
- (A apuração sobre a conduta do plantonista) me parece uma verdadeira tentativa de deslocar a responsabilidade de um grande problema, que é o da carência de efetivo na Polícia Civil, para um único servidor.
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O argumento é o mesmo defendido pelo chefe regional da Polícia Civil no Vale do Rio Pardo, Julci Severo.
- Não dá pra trabalhar com excelência com só um policial de plantão na segunda cidade mais violenta da região. Então, a gente corre este risco - disse o policial em entrevista a RBS TV.
O ex-companheiro de Miriam se entregou à polícia na segunda-feira. Ele estava com a prisão preventiva decretada e foi encaminhado ao Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. Nesta quarta, a promotoria ouviu o atual namorado de Miriam, que pode revelar detalhes para o inquérito.
O corpo de Miriam foi sepultado no domingo à tarde, em Monte Alverne. Luís Carlos Guilante, segurança que também foi baleado por Kunz no hospital, foi submetido a cirurgia e se recupera bem.
* Zero Hora
Vale do Rio Pardo
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Miriam Gabe foi baleada em frente ao hospital do município, momentos após ter ido à delegacia para prestar queixa de agressão e ameaças
Bruna Scirea
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