Em meio à greve dos rodoviários em Porto Alegre, a busca por alternativas no transporte faz com que os passageiros aceitem opções nem sempre seguras. Na manhã desta sexta-feira, a reportagem de Zero Hora flagrou, mais de uma vez, o transporte clandestino sendo utilizado na Capital.
Na Avenida Ipiranga, por volta das 8h desta sexta-feira, uma van lotada enconstou em uma parada de ônibus, no entroncamento com a Avenida Salvador França, e embarcou mais passageiros. Sem medo da fiscalização, passaram por agentes da Empresa Pública de Transporte sem serem incomodados.
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No final da manhã de quinta-feira, na viagem de uma hora entre o Centro e o bairro Hípica, o motorista da lotação clandestina não escondia a faceirice. Ao parar do lado de um colega legalizado, em uma sinaleira, ele esfregou as mãos e não se conteve:
- Duas voltas, R$ 200.
O homem de camisa polo azul e calça jeans foi um dos tantos aproveitadores que se valeram da falta de ônibus nas ruas, motivada pela greve dos rodoviários, para faturar. Em vans e ônibus, os ilegais ganharam a Capital, trazendo alívio a uma população privada de alternativas. O serviço oferecido não era do mesmo nível que o oficial.
A van para a Hípica tinha poltronas mais estreitas, carecia de cortinas e não oferecia ar-condicionado. Mas quando o motorista disse que estava muito quente e esperava estar fazendo sua última corrida, passageiros se alarmaram.
- O quê? Não vai mais ter esta van? - gritou uma mulher, do fundão.
- Vai, claro. O que eu disse é que quero que esta seja a minha última corrida - tranquilizou o condutor.
- Não sei nem o que fazer se não tiver essa alternativa quando sair do trabalho, às 19h - disse ela.
A conivência das autoridades em meio ao caos era percebida em diferentes locais. Na Avenida Salgado Filho, um lotação clandestino ficou preso no congestionamento. Cinco agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) orientavam o trânsito.
Um deles fitou o coletivo sem qualquer sinal de surpresa e apitou consentindo com a cabeça para que avançasse. Às 10h45min, na Avenida Eduardo Prado, um repórter de ZH pagou R$ 5 para viajar até o Centro em outro veículo clandestino. Em uma curva, a porta de correr se abriu, o que se repetiria mais cinco vezes. O repórter viajou o resto do percurso segurando a porta pela fresta aberta entre a janela e a estrutura do veículo.
O alívio trazido pelo transporte pirata à desassistida população tem uma contrapartida perigosa, vivenciada por várias metrópoles brasileiras, que foram tomadas por vans clandestinas. O diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, promete que isso não vai acontecer na Capital:
- No momento, não estamos promovendo uma caça às bruxas, porque vivemos uma emergência. Mas, quando as coisas voltarem ao normal, vamos agir fortemente.
Segundo especialistas, a maior preocupação trazida pelo transporte pirata é a falta segurança. Não há garantia sobre qualificação dos condutores, os veículos são velhos e sem manutenção, os usuários ficam sem qualquer seguro em caso de acidente.
- Transporte público não é para amadores. Tivemos experiências muito ruins no Brasil, e Porto Alegre deve evitar passar por isso - afirma Adriana Mendonça, consultora da Federação das Empresas de Transportes Rodoviários do Sul e Centro-Oeste.
Em SP, ilegais puderam participar de licitação
Outros especialistas entendem que os clandestinos só proliferam quando o sistema regular de transporte é deficiente. O secretário municipal de Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, atribui à precariedade dos serviços de ônibus a multiplicação de ilegais na maior cidade do país, ao longo dos anos 90.
Na década passada, ele incorporou irregulares ao sistema. Piratas tiveram a chance de submeter-se a determinados padrões e disputar licitação. Dos 15 mil que atuavam, 6 mil entraram na legalidade.
- Incorporamos parte do setor, porque a população os via como solução para o problema. Ela não tinha transporte, e de repente aparecia alguém para dizer: eu te levo - diz Tatto.
Ainda que ache preocupante o aparecimento de clandestinos em Porto Alegre, o engenheiro João Fortini Albano, do Laboratório de Sistemas de Transportes da UFRGS, considera existirem motivos para a situação não se perpetuar.
- É um fato isolado, motivado pela greve. A população está usando esses serviços agora apenas por que está desesperada - avalia Albano.
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