Uma espera que está longe de terminar. A prometida visita do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo ao Rio Grande do Sul para mediar o conflito agrário em Sananduva, no Norte, terminou sem uma proposta de solução para o impasse que se arrasta há quase 10 anos.
Enquanto os índios aguardam a demarcação de 1,9 mil hectares, os agricultores esperam que o governo revogue a ação e compre uma nova área para assentar os indígenas.
Cardozo participou de duas reuniões nesta segunda-feira no Estado, pela manhã com os indígenas e à tarde com os agricultores, e instalou a aguardada mesa de diálogo que pretende mediar a disputa. O objetivo é discutir caminhos para uma solução pacífica do conflito, que este ano motivou uma briga generalizada e deixou quatro pessoas feridas.
O ministro chegou ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL) em Passo Fundo por volta das 10h30min, escoltado pela Polícia Federal e pelo Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar. Representantes dos indígenas o aguardavam no local desde as 9h30min, horário marcado para a reunião. A conversa ocorreu a portas fechadas e Cardozo não falou com a imprensa.
O cacique Ireni Franco, que participou da reunião, afirma que os índios estão esperançosos. Segundo ele, o ministro garantiu que a demarcação da área, que ocorreria no dia 11 de novembro, será realizada. A ação foi suspensa para a criação da mesa de diálogo. O ministro, no entanto, não teria informado aos índios a nova data da demarcação:
- Estamos satisfeitos porque sentimos firmeza na garantia da nossa terra - relata o cacique.
Após aproximadamente uma hora e meia de discussão, o ministro deixou o local e se dirigiu diretamente ao aeroporto de Passo Fundo, onde embarcou em uma aeronave da Força Aérea Brasileira.
Portaria deve aprimorar processo de demarcação
Em Porto Alegre, o ministro participou de uma reunião com representantes dos agricultores, na Superintendência da Polícia Federal. A discussão, que estava marcada para as 11h30min, iniciou por volta das 14h e durou duas horas. O representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul) em Sananduva, Sidimar Luiz Lavandoski, afirmou que o grupo saiu frustrado da reunião. Os agricultores esperavam que o governo apresentasse propostas para solucionar o conflito, o que não foi feito.
- O ministro apenas oficializou a criação da mesa e disse que devem ocorrer novas reuniões, com a presença dos agricultores e dos índios. A única coisa que nos conforta é que, enquanto isso, a demarcação deve seguir suspensa - relata o agricultor.
O grupo afirma que a área não é de ocupação tradicional dos índios, pois os agricultores têm escrituras de mais de cem anos das propriedades. Eles querem que o governo compre uma área próxima ao local para assentar os indígenas e deixe os agricultores com as casas e os investimentos que realizaram durante toda a vida, como a construção de aviários, galpões para a criação de suínos e salas de ordenha.
- Se os agricultores saírem destas áreas vão perder tudo. Terão de recomeçar do zero - acrescenta Lavandoski.
Os produtores rurais também aguardam a divulgação do texto de uma portaria que pretende aprimorar o processo demarcatório das terras indígenas. A promessa de criação da portaria foi feita por Cardozo início do mês, em uma audiência com os agricultores em Brasília.
O conflito
- Cerca de 110 famílias de agricultores de Sananduva e Cacique Doble, no norte do Estado, temem perder 152 propriedades devido a demarcação de terras indígenas nos municípios.
- ­Os índios reivindicam 1,9 mil hectares, onde residem e trabalham agricultores familiares, com propriedades de 12 hectares em média. No local, eles pretendem assentar 264 índios, de 64 famílias.
- A Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou o estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005 e concluiu o documento em 2009.
- Em 2011, o Ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena.
- Os agricultores, que têm escrituras com mais de cem anos, contestam na Justiça a portaria declaratória.
- No início de julho, um grupo de 50 índios invadiu uma propriedade na Comunidade São Caetano e acirrou o conflito agrário no município.
- Uma semana depois, um protesto dos agricultores, com o bloqueio das estradas que ligam o Centro de Sananduva com a comunidade de São Caetano, terminou em uma briga generalizada entre índios e agricultores. O conflito, que teve tiroteio e pedradas, deixou pelo menos quatro pessoas feridas. Três agricultores e um indígena tiveram de ser encaminhados ao hospital.
- Em outubro, outras duas propriedades foram invadidas pelos índios. Eles afirma que as ações foram tomadas para pressionar o governo a demarcar o local. - A demarcação da área ocorreria no dia 11 de novembro, mas a Funai adiou a ação para a criação de uma mesa de diálogo com mediação do Ministério da Justiça.
Impasse continua
Mesa de diálogo criada pelo governo não apresenta solução para conflito entre índios e agricultores no Norte
Grupos seguem aguardando definições do governo para a disputa, que envolve 1,9 mil hectares
Fernanda da Costa
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project