A lentidão do processo de regularização da Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra, no norte do Estado, motivou um confronto que terminou em agressão, invasão de balneário e incêndio de dois escritórios comerciais.
Para mediar o conflito, que teve um novo capítulo na noite desta quinta-feira, com a retomada do balneário pelos proprietários, a Fundação Nacional do Índio (Funai) resolveu marcar uma reunião para a sexta-feira. O encontro dos representantes do órgão com os índios deve ocorrer às 14h, no Ministério Público Federal de Passo Fundo.
Cansados de esperar pela terra, um grupo de cerca de 50 índios decidiu invadir na noite de quarta-feira um balneário de águas termais que fica localizado dentro da área demarcada como indígena. No total, a terra Rio dos Índios possui 715 hectares. Já o complexo turístico Termas Minerais Águas do Prado ocupa cerca de 25 hectares e possui 196 cabanas construídas, que recebem cerca de 20 mil visitantes por ano. Quando chegaram ao local, no entanto, os indígenas entraram em confronto com o vigia do estabelecimento.
O vigilante Altair dos Santos Bueno, 48 anos, conta que por volta das 19h um dos veículos dos índios teria colidido com um carro estacionado em frente ao balneário, o que o motivou a deixar a guarita onde trabalhava.
- Perguntei para eles o que estavam fazendo e eles disseram que era para eu sair, se não iria sobrar para mim. Em seguida, eu fui agredido com pedras, flechas e facão - relata.
Já o vice-cacique Luis Salvador afirma que, quando os índios chegaram ao pórtico de entrada do balneário, o vigia os recebeu a tiros, o que teria motivado a briga:
- Ele atirou sete vezes na direção dos índios, que ficaram indignados com o uso da arma de fogo e aí começou a briga. Não tem relação com o acidente de carro, é por causa da terra.
O vigia também possuiu uma cabana no balneário e uma propriedade rural de 37 hectares na área demarcada como indígena, onde planta fumo, feijão e produz leite. Ele acha que um vizinho que o viu o confronto chamou a Brigada Militar. Quando os policiais chegaram ao local, ele correu para se abrigar na viatura. Com isso, conforme a polícia, os índios depredaram o veículo do órgão, quebrando um dos vidros.
Bueno sofreu ferimentos graves na cabeça e foi encaminhado ao hospital de Caiçara, cidade vizinha a Vicente Dutra, onde recebeu os primeiros atendimentos. Pouco tempo depois, ele foi transferido para ao Hospital Divina Providência, em Frederico Westphalen, onde seguia internado até o final da tarde de quinta-feira.
Dois escritórios foram incendiados
Após o confronto com o vigia, os indígenas atearam fogo ao escritório administrativo do balneário, onde também funciona um escritório de advocacia. Todos os documentos dos dois escritórios foram perdidos, além de móveis e aparelhos eletrônicos, como computadores:
- Isso também prejudicou todos os nossos clientes. Não temos mais como recuperar as ações que não estavam concluídas, aquelas que ainda não foram encaminhadas à Justiça. O que eu vou dizer às pessoas que estão com ações de aposentadoria, por exemplo? Que terão de esperar ainda mais porque os documentos delas foram queimados? - relata o advogado Osmar José da Silva Júnior, 33 anos.
Ele é filho de Osmar José da Silva, 66 anos, um dos proprietários do complexo turístico:
- Perdemos os documentos dos 30 anos de funcionamento do balneário - lamenta.
O vice-cacique Salvador afirma que o incêndio foi um protesto para pressionar o governo a agilizar a regulamentação da área. Os índios pedem pressa na indenização dos agricultores e dos proprietários do balneário.
Indígenas teriam saqueado as casas - Foto: Diogo Zanatta, Especial
Proprietários retomam balneário
Com pedaços de madeira e pedras nas mãos, um grupo de proprietários das cabanas do balneário resolveu retomar a posse do local na noite desta quinta-feira. Em menor número, os índios recuaram à área onde residem.
O ato teve apoio de comerciantes e de agricultores atingidos pelo processo de demarcação da área como indígena e reuniu mais de cem pessoas em frente ao complexo turístico. Conforme um dos administradores do local, Olinto da Silva, 53 anos, os donos das cabanas souberam que as casas estavam sendo invadidas e saqueadas, pois os alarmes começaram a tocar, e ficaram revoltados.
- Fizemos uma reunião no final da tarde e resolvemos tomar as casas de volta - explica Silva.
O comerciante e dono de uma cabana próxima à entrada do balneário, Flávio Trennepohl, 43 anos, afirma que a porta da residência foi arrancada e que os eletrodomésticos foram roubados.
- Levaram televisão, DVD, geladeira, e ainda quebraram os vidros. A polícia tem que nos ajudar a recuperar isso - afirma.
Ele reside na cidade, mas usa a cabana nos finais de semana. Conforme a administração do parque, oito famílias moravam no balneário, mas deixaram as casas após a invasão dos índios na noite de quarta-feira.
O grupo colocou fogo em faixas dos indígenas e bloqueou a rua que passa em frente ao complexo turístico.
Segundo a Brigada Militar, os índios retornaram para a área onde residem. Eles moram há vinte anos em dois hectares localizados ao lado do balneário. A reportagem procurou o vice-cacique Luis Savador após o ato dos proprietários das cabanas, mas ele não foi localizado para comentar sobre as invasões e os objetos que teriam sido furtados.
Indígenas teriam saqueado as casas - Foto: Diogo Zanatta, Especial
Sem mediação
Após invasão de balneário, Funai marca reunião para tratar de terra indígena
Na noite desta quinta-feira, complexo turístico foi retomado pelos proprietários
Fernanda da Costa
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