Cabe aos cobradores da empresa de ônibus Transcal a guarda de um item denominado vale-baldeação, uma espécie de salvo-conduto para entregar aos passageiros se o veículo estragar no caminho.
Às 7h10min de sexta-feira, a auxiliar de atendimento Sarah Makoski, 20 anos, viajava em pé na sanfona do articulado Passo do Hilário-Neópolis enquanto relatava a Zero Hora sua experiência. Já tinha passado por quatro quebras de coletivos da Transcal na vida.
Cinco minutos depois de dar seu depoimento, aconteceu mais uma - ainda que não no veículo em que ela estava. Aos poucos, Sarah começou a dividir espaço com as dezenas de passageiros de um ônibus da linha Granja Esperança que estragara logo à frente. Todos empunhavam os vales-baldeação para subir de graça no carro seguinte - no caso, o Hilário-Neópolis.
Sarah era uma das oito pessoas em pé no Hilário-Neópolis. Com a ocupação extra, o carro lotou. Passageira do Granja, Fátima Teixeira, 54 anos, entregou seu vale e passou de cara fechada pela sanfona, embrenhando-se no fundão, perto da porta de saída.
- Disseram que arrebentou um cabo não sei de quê. E aí deu, né - reclamou.
Os usuários da linha Hilário-Neópolis, basicamente empregadas domésticas, estudantes e trabalhadores do comércio e de serviços, pagam tarifa de R$ 3,65. A média é de cinco viagens interrompidas por dia, de acordo com a Transcal.
A rotina descrita pelos passageiros do Hilário-Neópolis não se resume a panes mecânicas. No Terminal Passo do Hilário, em Gravataí, o aviso no mural dos funcionários advertia: "Estamos recebendo reclamações reiteradas de veículos sujos". Precavida, a doméstica Ivone Santos, 57 anos, nem precisaria ler tal mensagem para se prevenir. Ela tem o costume de levar na bolsa um lenço de papel para limpar o banco do Hilário-Neópolis, onde marcas de barro forram o chão e o pó encarde a sanfona.
Corre o comentário de que a limpeza não seria boa porque caberia a motoristas e cobradores "passar uma vassoura" no interior dos veículos. Até baratas já foram vistas. Quem garante é a auxiliar de exportação Renata Trindade, 32 anos, que certa vez topou com uma dupla se movimentando sobre o vidro de uma janela do Hilário-Neópolis.
O ônibus chegou ao destino às 7h59min. Os passageiros desceram pela porta traseira, perto da parte da carroceria onde uma pichação podia ser lida. Quando o carro ficou vazio, foi possível perceber os últimos detalhes. Levemente tortos, dois bancos denunciavam que estavam soltos.
> Veja o vídeo do trajeto
FICHA TÉCNICA
> Linha: Passo do Hilário-Neópolis, Gravataí-Porto Alegre
> Empresa: Transcal
> Horários diários: 80
> Ônibus: 16
> Usuários: 3 mil por dia
A avaliação do repórter
> Limpeza - Muito ruim. Pó e terra visíveis no chão, sanfona e bancos, além de pichação. 3
> Espera - Alguns atrasos relatados por passageiros. 5
> Lotação - Muitos passageiros falam que há lotação excessiva, o que piora quando um veículo quebra e os passageiros são encaminhados para o carro seguinte. 5
> Conduta - Motorista e cobrador simpáticos. 7
> Segurança - Não há muitos relatos de usuários nesse quesito, pelo menos. 7
A avaliação de usuário
Patricia Weber Pinto, 25 anos
> Limpeza - 3
> Espera - 7
> Lotação - 6
> Conduta - 5
> Segurança - 8
"É um serviço médio, que poderia melhorar. O principal problema é a falta de horários."
Contraponto
O que diz o gerente operacional da Transcal, Edgar Haas
"O vale-baldeação é lei. Todas as empresas metropolitanas têm de ter para o caso de haver quebra, acidente ou assalto. Nós temos cinco viagens interrompidas por dia, em média. A frota tem idade média de sete anos. Sobre a limpeza, é periódica, e a responsabilidade é, inclusive, da tripulação. Um problema que enfrentamos é a inexistência de calçada ao longo do itinerário. Os usuários aguardam no chão batido e entram com os calçados com barro. E a limpeza nessa época do ano é complicada, por causa do tempo."