Manifestações de rua incomodam o poder público, causam transtornos à população, exigem mobilização das forças de segurança e, às vezes, até descambam para excessos condenáveis. De qualquer forma, fazem parte de uma sociedade democrática. Mostram que cidadãos podem se organizar para fazer valer seus direitos, como prevê a Constituição e o regime de liberdades que os brasileiros inequivocamente adotaram. Ainda assim, existe, evidentemente, a questão do limite: o direito de protestar não pode suprimir as prerrogativas dos demais cidadãos de se deslocar livremente e em segurança, de ter o patrimônio público preservado de vandalismo e de conviver pacificamente com quem pensa diferente.
No momento em que se assiste a pelo menos duas fortes mobilizações populares - o movimento pela saída do pastor Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e a rejeição ao reajuste das tarifas de ônibus em Porto Alegre -, é sempre importante reafirmar respeito às manifestações, desde que restritas à observância da ordem pública. Esse é um aspecto relevante pelo fato de que, assim como as redes sociais que inspiram e servem como canal de mobilização das manifestações, protestos desse tipo mobilizam jovens de diferentes pontos de vista quanto às formas de atuação. O único ponto em comum costuma ser a causa em si, que, no caso de Porto Alegre, tem um foco bem específico, mas de impacto direto no bolso dos usuários de transporte coletivo.
Em muitos outros episódios de insatisfação, nos quais os manifestantes da Capital buscaram inspiração, esse tipo de questão também está presente. É o caso desde o Ocupe Wall Street, impulsionado pela crise norte-americana e baseado nos protestos nos países árabes, até os movimentos que se multiplicaram em praças de países europeus mergulhados na crise, com destaque para os realizados na Porta do Sol, na capital espanhola. Outro ponto em comum só pode ser visto com preocupação: embora se apoiem nas liberdades democráticas que abrem espaço para manifestações e as legitimam, seus líderes, de maneira geral, veem com ressalvas os partidos políticos, por considerarem que muitos deles não os representam. Esse é um aspecto que deveria preocupar tanto os manifestantes quanto políticos mais propensos a calá-los do que a ouvi-los, como parece ser o caso do deputado Marco Feliciano. Governantes e parlamentares são os representantes legítimos dos cidadãos e devem pautar suas ações pelo interesse coletivo.
Manifestações de rua são naturais em qualquer democracia, sempre que pautadas por limites de civilidade e voltadas para a busca de soluções, sem a pretensão de substituir o papel das instituições e dos partidos políticos. Mas, se há problemas de diálogo entre quem manifesta sua insatisfação e entre quem tem o poder de decisão, a primeira preocupação deve ser a de corrigi-los, de imediato.
Editorial
Opinião ZH: "A volta do ativismo"
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