"Para falar com franqueza, não acredito que tenha sucesso essa minha terceira tentativa em deixar de fumar." A frase acima, publicada nesta segunda-feira na coluna de Paulo Sant'Ana em Zero Hora, está incrustada em um texto onde embatem o desejo de parar de fumar e o deleite do que seria o último cigarro do autor.
Confira o relato do colunista sobre o primeiro dia sem fumar:
Mesmo à beira de um enfisema pulmonar, o colunista manteve o hábito, e disse não estar convicto de seu sucesso na luta contra o vício que o acompanha há cerca de 50 anos. Mas por que é tão difícil deixar o cigarro de lado mesmo quando desta empreitada depende a saúde de um paciente?
O pneumologista Ricardo Henrique Meirelles, do Instituto Nacional do Câncer (INCA), explica que a dependência da droga nicotina não é o único empecilho para o fumante parar com o mau hábito. Haverá também de enfrentar as dependências comportamental e psicológica.
Por ter uma vida curta no cérebro, com efeito que dura entre 30 minutos e duas horas, a nicotina obriga os dependentes a consumirem vários cigarros por dia para repor a substância e, por consequência, manter a sensação de prazer e bem-estar que ela fornece. Por isso, as primeiras semanas sem cigarro são as mais difíceis e cruciais para a cura, frustrando pacientes que tentam se livrar do vício por conta própria.
- Se ele tenta parar de fumar, o cérebro reclama. Isto é a síndrome de abstinência. Por isso, é preciso tirar o cigarro de forma segura, com acompanhamento médico - explica Meirelles.
Parar de fumar é ainda mais difícil quando o cotidiano do paciente mistura-se ao cigarro, o que implica a dependência comportamental. Como antigamente não havia restrições para o consumo, fumava-se em qualquer lugar: na mesa de bar, nas salas de aula, no trabalho, no transporte público. E o fumante acabava associando o cigarro a determinadas situações da sua rotina.
Outro agravante é o uso do cigarro como uma válvula de escape para o estresse ou uma companhia para a solidão, caracterizando uma dependência psicológica. A verdade é que, para o fumante, o cigarro é um aliado e, por isso, nos primeiros momentos de abstinência, ele vai confrontar a ambivalência de ser prejudicial à saúde com o prazer que tem ao fumar.
Fim do vício exige determinação do paciente
Para se livrar do vício, é importante enxergar-se como dependente químico e perceber que o tabagismo é uma doença crônica. Desta maneira, o o que torna o tratamento mais eficaz é a determinação do próprio paciente.
- O paciente tem que estar motivado. Às vezes é a gente quem incentiva, mas tem que ser uma coisa dele, que ele sinta a necessidade de parar e estabeleça um objetivo - relata o pneumologista Luiz Carlos Corrêa da Silva, coordenador do Programa de Tratamento do Tabagismo 180º da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Usualmente, o tratamento para o tabagismo é multidisciplinar e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, existem tratamentos específicos para cada situação, com medicamentos, grupos de apoio e terapia cognitivo-comportamental, quando o próprio paciente, orientado por um profissional, chega a conclusões sobre o que é melhor para si.
- Os médicos apontam o caminho, mas o paciente vai estabelecer sua velocidade. Na raia comportamental, não adianta tecer um plano pronto - explica Corrêa da Silva.
As dependências e como tratá-las:
Química - É tratada com medicamentos, que podem ser a base de nicotina ou não. Estes remédios têm a função de reduzir os sintomas da abstinência e educar o cérebro a viver sem a droga. Alguns medicamentos, como os antidepressivos, agem estimulando o cérebro ao liberar substâncias que acentuam a sensação de prazer na falta da droga. Um dos remédios mais novos, o Champix, de 2007, bloqueia o receptor de nicotina no cérebro.
Comportamental - É necessário mudar o comportamento de fumante para não fumante. Depois das refeições, o paciente pode trocar o hábito de fumar por outras coisas, como escovar os dentes, beber água gelada ou mascar chicletes ou gomas de nicotina. O importante é desviar o pensamento e ocupar a cabeça. Uma boa dica é evitar situações que levam à vontade de fumar nos primeiros momentos da parada, como a ingestão de bebidas alcoólicas.
Psicológica - A necessidade é entender o papel do cigarro, que não é um companheiro, e encará-lo como um objeto que só quer fazer com que o fumante fique escravo e doente. Para isso, o ideal é procurar ajuda de um terapeuta ou psiquiatra.