Médicos e pacientes do Instituto de Cardiologia (IC), na Capital, presenciaram o desfecho de uma história incomum - e emocionante - no fim da manhã desta sexta-feira.
Depois de realizar o sonho de participar de uma cirurgia de transplante cardíaco, o estudante de Medicina e transplantado Pablo Mondim Py, 31 anos, despediu-se do homem que ajudou a salvar.
Morador de Rio Pardo, o aposentado Erni Sebastião Paiva Barros, conhecido como Tião, 50 anos, recebeu um coração novo na manhã do dia 1º de agosto - depois de 15 anos de luta e sete meses na fila de espera. Ele não sabia, mas, junto da equipe responsável por sua operação, chefiada pelo doutor Ivo Nesralla, estava Py.
Em 2004, o futuro cirurgião sentiu na pele exatamente as mesmas dificuldades enfrentadas por Tião. Em função de uma doença congênita, teve de se submeter a um transplante cardíaco e foi atendido no mesmo local.
Na época, era um farrapo humano: com 1m80cm, pesava pouco mais de 50 quilos. Tinha 23 anos e mal completara o Ensino Médio.
- Foi um período muito difícil, mas eu nunca desisti. Minha cirurgia foi um sucesso, e eu prometi a mim mesmo que voltaria um dia, como cirurgião - recorda Py, que estuda na Universidade Federal de Rio Grande (FURG), onde se forma em dezembro.
Na noite de 31 de julho, a oportunidade de acompanhar um procedimento do tipo pela primeira vez chegou. Às 23h30min, Py recebeu uma ligação. Era o último dia de estágio no Cardiologia. Decidido a não deixar a chance passar, o estudante acompanhou o cirurgião vascular Alvaro Albrecht na captação de órgãos - entre eles o futuro coração de Tião - no Hospital Cristo Redentor.
- Durante o processo, o doutor perguntou a ele se podia revelar o seu segredo. Quando contou que ele era um transplantado, todos ficaram surpresos - conta a enfermeira Lidia Lima.
Enquanto isso, Tião e o filho Maurício, 29 anos, deslocavam-se de Rio Pardo a Porto Alegre. Chovia.
- Eu tentei manter a calma, mas não foi nada fácil - relembra Maurício, que conduziu o carro.
Passaram-se mais de seis horas até o momento tão esperado por Tião - e por Py. Às 9h10min, o estudante observava o cirurgião Renato Kalil inserir o coração novo no peito de Tião. Teve de segurar a emoção.
- Eu já tinha me preparado para esse momento. Tinha meditado e estava torcendo muito para que desse certo. Foi uma sensação única - disse Py.
Ontem, passados três semanas, o futuro médico finalmente pôde apertar a mão do paciente, que ficou sabendo da história somente depois do transplante. Emocionado, Tião agradeceu o apoio. Sem saber, ganhou mais um filho.
- Eu fiquei muito feliz ao saber de tudo. Só tenho a agradecer. Quero manter contato - ressaltou o aposentado.
Tião agora quer "recomeçar a vida". Satisfeito, Py prepara-se para seguir seu destino. Depois da formatura, em dezembro, pretende fazer provas para residência. Quer ser cirurgião cardíaco. E, se tudo der certo, trabalhar no IC:
- Depois do que passei, nada é impossível.