Uma pequena pedra de 1,14 gramas e um pouco menos de 1 cm é o maior patrimônio cultural de Bagé, reduto de 112 mil habitantes, a 373 quilômetros da capital gaúcha.
A pedra negra e esponjosa, semelhante a um carvão, acondicionada num protetor de acrílico, é um dos 78 fragmentos da Lua existentes no mundo, o que ficou do legado das 378 amostras das duas únicas expedições americanas, feitas pela Apolo 11 e Apolo 17.
Vale cerca de US$ 10 milhões no mercado negro de colecionadores e aficcionados.
Com paradeiro trocado semanalmente e sob proteção de severa escolta policial, o raro material é um diamante nos sapatos de Lia Maria Herzer Quintana, 50 anos, reitora da Universidade da Região da Campanha e guardiã intelectual do Museu Dom Diogo de Souza. Ela dormia melhor na condição de professora do curso de Arquitetura. Assim que assumiu a Urcamp em dezembro, sofre de insônia cogitando planos criativos para resguardar o tesouro dado pelo presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos, em 1973, como ação diplomática para sensibilizar chefes de Estados.
Foto: Tadeu Vilani
Quem recebeu a pedra e doou para a cidade foi o presidente Emílio Garrastazu Médici. Na época, o valor da peça era simbólico, já que se projetava a intensificação do acesso à Lua e excursões turísticas num futuro próximo. Mas Júlio Verne saiu de moda, os Estados Unidos frearam a corrida espacial e a mera relíquia tornou-se hoje uma diva cósmica.
Exposta no Museu Dom Diogo de Souza de 1973 a 1999, a pedra não despertava interesse. Nunca teve um histórico de atração, vaiada mais do que aplaudida, localizada antes na parede de um dos corredores menos concorridos do casarão colonial da Rua Emílio Guilayn.
- As crianças achavam a bolita sem graça, acabava sendo a grande decepção das escolas - lembra a professora Isabel Leaes, 51 anos.
O objeto permaneceu obscuro durante três décadas, anônimo, encravado numa bandeja de madeira. Com tranquilidade, traças devoravam o veludo verde das costas do retábulo.
A discrição se aproximava do abandono. Houve um roubo no prédio em 1984, e os ladrões nem se interessaram pela sua insólita presença; privilegiaram o saque de artefatos da Guerra do Paraguai.
- A mentalidade mudou e retiramos de exposição em 2000, quando um negociante da Flórida obteve uma pedra igual à nossa ilegalmente de Honduras e tentava revender por US$ 5 milhões - explica a reitora. - Desde lá, ela não voltou à vitrine por questão de segurança.
- Retiramos rapidamente vestígios e a ficha da pedra, para não ser rastreada - desabafa a funcionária Maria Luísa Pegas, 53 anos.
O retorno triunfal aos olhos do público será em março de 2012, no encerramento da comemoração de dois séculos de Bagé. O museu está montando uma exposição especial e mostrará o mapa do vale lunar de Taurus-Litrow, onde a pedrinha foi retirada pelos astronautas Eugene Cernan e Harrison Schmitt, na última missão da Apolo, em 19 de dezembro de 1972.
- A intenção é triplicar a visitação ao museu, atualmente na faixa de 6 mil pessoas ao ano - revela a diretora Carmem Barros, 51 anos.
O advogado Fernando Sérgio Lobato Dias, 65 anos, é o pivô da chegada da rocha - de curioso número 70.017 - ao município. Amigo de Médici, visitava o conterrâneo bajeense em sua fazenda em Dom Pedrito.
- Ele me apresentou sua coleção particular e perguntou se me interessava por algo. Eu me vidrei no talismã e ele fez questão que levasse como cortesia. Entreguei o material ao historiador Tarcísio Taborda, que saberia cuidar do contexto de sua exibição para comunidade - esclarece Fernando.
- Não imaginava que ela atingiria uma cotação astronômica, poderia ter levado uma camiseta de futebol ou qualquer outra coisa. São casualidades inexplicáveis.
Bagé é uma cidade de sorte. Uma cidade virada para a lua.
Direto da Lua
Beleza Interior: uma pedra de US$ 10 milhões
Por décadas, os bajeenses desprezaram um presente dos Estados Unidos que quase por acaso foi parar na cidade. Há 11 anos, descobriram que a pedra lunar valia milhões.
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