É com pedaladas que o analista de suporte Jorge Fernando Caon, 50 anos, prefere se deslocar até o trabalho. Opção saudável, verde, mas nem sempre segura em uma cidade que materializa na marcha lenta as promessas pró-bicicletas. São antigas as discussões sobre o tema, alternativa para ajudar a reduzir a quantidade de carros nas ruas de um município com frota de 700 mil veículos.
Em 1981, um plano cicloviário já apontava a necessidade de vias para ciclistas. Aprovada em 2009, a atual proposta indica a possibilidade de uma rede com 495 quilômetros de extensão. No entanto, Porto Alegre tem apenas três ciclovias: Restinga (em fase final de construção), Ipanema e Diário de Notícias, que, somadas, não chegam a 10 quilômetros. Até a Copa do Mundo de 2014, a prefeitura espera, pelo menos, multiplicar por quatro esse total.
A oferta reduzida de ciclovias e ciclofaixas impacta na segurança de quem pedala. Caon, por exemplo, percorre mais de 16 quilômetros diários. Evita vias mais movimentadas e usa roupas com cores gritantes para ser visto no meio do trânsito. Aguarda o dia em que poderá circular com menos preocupações.
- As poucas ciclovias que existem não são interligadas, estão mais associadas ao lazer - critica o ciclista, funcionário do Banrisul, que passou a encarar a magrela como forma de transporte na virada do ano, motivado pela oferta de estacionamento de bicicletas para servidores do banco no centro de Porto Alegre.
Para o presidente da Associação Ciclística Zona Sul, Paulo Alves, com 150 quilômetros, a Capital poderia atender bem o público que pedala, estimado por ele em 30 mil pessoas.
Com as obras previstas, a prefeitura espera começar a reverter o quadro. Aguarda, para o próximo mês, o início da construção da ciclovia da Avenida Ipiranga e prepara, para 2012, um espaço similar na Sertório, custeado por recursos públicos. Com as intervenções da Copa, virão outros 13,5 quilômetros, em um investimento que passa dos R$ 6 milhões.
- Há uma política pública para ampliar os espaços aos ciclistas, para interligá-los aos meios de transporte de massa. Até a Copa, a rede estará melhor conectada - acredita Ana Pellini, coordenadora do Gabinete de Articulação Institucional da prefeitura.
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Contrapartida privada garantirá ciclovia
Além dos investimentos públicos, o governo aposta no sistema de compensação, previsto no Plano Cicloviário, que coloca a iniciativa privada na cruzada pelas bikes. Em obras com forte impacto urbano, a cada cem vagas de estacionamento criadas, o investidor precisa construir 200 metros de ciclovia. A Ipiranga nascerá das contrapartidas do Grupo Zaffari e do Praia de Belas Shopping.
- O recurso público é finito. A contrapartida é um jeito inteligente de garantir a ampliação da malha cicloviária - defende o presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, que estima a chance de surgirem outros 20 quilômetros de ciclovias em obras tramitando na prefeitura.
Enquanto aguarda os projetos deixarem o campo das ideias, o designer José Antônio Verdi, 35 anos, seguirá pedalando e pedindo mais espaço e respeito nas ruas.
- A bicicleta ainda é vista como um intruso no trânsito - afirma Verdi.
Com estacionamento certo no Centro
Outra ação que incentiva as pedaladas em Porto Alegre é o Programa BanriBike. Desde dezembro do ano passado, o estacionamento junto à Fundação Banrisul, no Centro Histórico, tem 20 dispositivos para funcionários do banco guardarem suas bicicletas.
Analista de suporte de redes, Jorge Fernando Caon, 50 anos, está entre os 23 usuários do serviço. Até dezembro, pedalava em fins de semana. Após a oferta do bicicletário, passou a ir e voltar do trabalho de bike. Do bairro Mont'Serrat, onde reside, segue por cerca de oito quilômetros em cada trecho.
- Temos uma parceria com uma academia que oferece seus vestiários. Pedalo, tomo um banho e trabalho com muito mais disposição - assegura Caon, que aguarda para o final do ano a posição do Banrisul sobre a continuidade do programa. Existe a possibilidade de ampliar as vagas e expandir o BanriBike para outras agências, além de ofertar bicicletários para clientes.
Bons exemplos porto-alegrenses
Ideias cotidianas em cidades que já tornaram o uso da bicicleta uma realidade começam a pipocar pela Capital. No bairro Moinhos de Vento, uma ação de marketing permite o aluguel gratuito de bikes.
Em funcionamento desde 2 de julho, o projeto Bicicletas no Pátio, na esquina das ruas Padre Chagas e Félix da Cunha, basta um documento com foto para pegar emprestada, sem custo, uma bicicleta por uma hora. São 30 unidades no toal.
Gerente de uma loja vizinha ao pátio, Patrícia Bimbi, 33 anos, trata de aproveitar, em especial nos fins de semana. Retira uma magrela e circula pelo Parcão. Se precisar um deslocamento curto, em horário de pico, pega a bike e faz o serviço.
- É muito prático. O bairro é bonito, é um convite para uma pedalada - elogia.
Patrícia ajuda a engordar as estatísticas. Em julho, o serviço fez 434 empréstimos de bikes. Até 21 de agosto, foram outros 397. Os picos são nos fins de semana, quando chegam a ser feitos mais de cem alugueis. Os números podem ampliar a vida do projeto, previsto para se encerrar em 11 de setembro. Promotoras da ação, produzida pela Duetto, a Vivo e a construtora Ivo Rizzo discutem manter a oferta de bikes.
Rio e Curitiba de olho no futuro
Como ocorre em Porto Alegre, ciclistas de outras capitais brasileiras também demonstram insatisfação com a estrutura de suas cidades. No entanto, a oferta de vias para as bicicletas em algumas delas já é bem maior. Dono da maior malha do país, o Rio de Janeiro investe nas bikes desde os anos 90, mas reforçou a aposta com o programa Rio, Capital da Bicicleta.
Em 2009, a cidade dispunha de 150 quilômetros de vias cicláveis. Conforme dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smac), a soma já chegou aos 240 quilômetros. A ideia é alcançar os 300 quilômetros até o final de 2012.
Já em São Paulo, se todas promessas de ciclovias deixarem o papel, a cidade terminaria 2012 com 522 quilômetros de vias exclusivas aos ciclistas. No entanto, hoje, segundo a Agência Estado, são apenas 37,5 quilômetros.
Em Curitiba, referência em mobilidade urbana, os ciclistas reclamam da falta de investimento nos últimos anos. A cidade tem mais de cem quilômetros de ciclovias. Para melhorar a estrutura, o município trabalha em um Plano Diretor Cicloviário, conduzido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).