Por Cláudia Coutinho
A cerimônia de abertura dos Jogos de Atlanta, a Olimpíada do Centenário, naquele 19 de julho de 1996, foi um bonito espetáculo, com ingredientes que costumam atrair a atenção em eventos dessa magnitude. Coreografias que mesclam tecnologia à performance dos dançarinos, cantores famosos, orquestras, desfile das delegações, crianças vestidas de branco correndo com balões em formatos de pombas. Cores, especialmente as que pintam os aros olímpicos e a dourada que lembra o desejo maior de todo o atleta. Porém, antes que chegasse a hora dos fogos de artifício, os donos da festa mostraram sua cara, deixaram seu recado e emocionaram.
Em que outro estádio olímpico a voz de Martin Luther King Jr. ecoaria de forma tão contundente ao lembrar trechos de seu mais célebre discurso "I have a dream", que não no de sua terra natal? O sonho do pastor de um dia ver, nas colinas vermelhas da Geórgia, filhos de ex-escravos e filhos de ex-donos de escravos sentados juntos à mesa da fraternidade ainda fazia sentido. Sob o tremular da bandeira olímpica, a fala do reverendo se juntava a todos que clamam por direitos iguais, lutam pela diversidade e exigem Respeito, um dos valores do Olimpismo.
Momentos depois, a surpresa. Quem seria o último protagonista do revezamento da tocha olímpica e acenderia a pira? Os olhos seguiam a nadadora campeã olímpica Janet Evans subindo a rampa até que o holofote iluminou Muhammad Ali, então com 54 anos, mas já lutando contra o Mal de Parkinson. Que bela homenagem, muito pelo que representou fora dos ringues ao combater o racismo e a Guerra no Vietnã.
Em 1960, nos Jogos de Roma, então com 18 anos e quando ainda se chamava Cassius Clay, conquistou o ouro. No entanto, depois de ser festejado como herói nos Estados Unidos, teve seu pedido negado por um garçom em um restaurante frequentado por brancos. O jovem campeão, decepcionado, atirou sua medalha no Rio Ohio. A réplica dessa medalha lhe foi devolvida na Olimpíada do Centenário em uma das partidas do Dream Team do basquete americano.
Os Jogos de Atlanta deixaram muito a desejar no quesito organização e foram manchados pelo ataque terrorista que matou duas pessoas e deixou 110 feridos no Centennial Park. Mas foram impecáveis sob o aspecto das lendas que exaltaram.
Veja como foram as últimas cerimônias de abertura das Olimpíadas
Cláudia Coutinho realizou a cobertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, e dos de Atlanta, em 1996, pelo jornal Zero Hora