
Ouro em forma de tenista. É isso o que João Fonseca é. Não pelas premiações milionárias no horizonte de uma carreira promissora, mas pela oportunidade única oferecida ao tênis brasileiro. O carioca de 18 anos estreia nesta quinta-feira (20) no Masters 1000 de Miami. A partida, com início não antes das 20h, contra o americano Learner Tien será mais uma inserção nos grandes palcos do esporte.
Seus espaço entre as estrelas da modalidade se desenha não apenas com contornos brasileiros. Os principais nomes do tênis externaram elogios ao brasileiros. Os organizadores dos torneios também. O modo de manifestarem o pareço pelo adolescente recai na distribuição da agenda do dia.
Quadra central
João foi alocado para jogar na quadra central de Miami, cenário destinado aos maiores destaques da modalidade. O mesmo ocorreu dias atrás em Indian Wells.
O tênis vive de fenômenos no Brasil. Oportunidades nunca aproveitadas para estabelecer o país como uma fábrica de tenistas capazes de ocupar as primeiras posições do ranking. Apesar de ser uma modalidade cara, há mão de obra suficiente para a formação de uma armada brasileira de raquetes.

Dados da Federação Internacional de Tênis (ITF) apontam que o país conta com 2,6 milhões de praticantes. Parece pouco, o equivalente a 1,2% da população brasileira. Mas o número bruto coloca o Brasil como o nono país com mais tenistas no mundo. A quantidade não reflete tanto na qualidade.
Fenômenos não aproveitados
Os grandes nomes brasileiros na modalidade são como cometas que aparecem de tempos em tempos. Em uma era analógica, Maria Esther Bueno empilhou títulos. Às portas da digitalização global, Gustavo Kuerten surgiu para colocar no vocabulário dos brasileiros palavras como backhand, forehand, smash. Duas décadas e meia após o catarinenses ser o número 1 do mundo, há consenso de que a oportunidade de fomentar o tênis no Brasil foi desperdiçada.

No tênis mede-se o sucesso pelos títulos e pela posição no ranking da ATP e da WTA, entidades reguladoras no masculino e no feminino, respectivamente. Dividindo o tênis brasileiros entre A.G. (antes de Guga) e D.G. (Depois de Guga), percebe-se o não aproveitamento da potencialidade de crescimento proporcionada pelo catarinense.
"O trabalho, agora, é melhor"
Tendo como ponto central o primeiro título de Guga em Roland Garros, em 1997, oito dos outros tenistas do país a ficarem no top 50 são A.G., contando homens e mulheres. A quantidade cai para seis na Era D.G. João pode diminuir a diferença. É o atual número 60.
— Essa é uma das coisas que nunca aconteceu (aproveitar a oportuniade). Na boa. As pessoas, o pessoal naquela época trabalhou no tênis e não tinha a mínima transparência. Era muito difícil. Pensava muito em si próprio. Hoje já se vê um pouco mais de transparência. O trabalho que está sendo feito está bem melhor do que antes. Acho que agora é o momento de de alicerçar esse boom que esse menino está trazendo — destaca Larri Passo, técnico de Guga.
Hoje já se vê um pouco mais de transparência. O trabalho que está sendo feito está bem melhor do que antes
O técnico gaúcho fez sua parte na tentativa de promover o tênis brasileiros. Criou um centro de treinamentos em Santa Catarina. Nele passaram todos os principais nomes do tênis brasileiros deste século. Hoje, ele vive nos Estados Unidos e presta consultoria a treinadores e jogadores.
Com a experiência de uma aventura solo, outra coletiva e de ver o desperdício da Era Guga para um fortalecimento vigoroso do tênis brasileiro, Larri apresenta ideias de como aproveitar fenômeno João Fonseca.

— Estruturar, estruturar. Fazer mais inserções, os grupos treinarem mais juntos. Estou vendo meninos de 16, 17 anos em um nível muito bom de tênis muito bons de tênis. Agora eles precisam ser ajustados. O que a nossa entidade (Confederação Brasileira de Tênis) tem que fazer é melhorar essa parte de formação. Talvez centralizar um pouco mais (o trabalho). Trazer mais seguido os melhores para treinar entre eles. Acho que está faltando um pouco.
João Fonseca chega em cenário diferente
O quadro do tênis brasileiro atual apresenta-se diverso daquele do começo do século. Guga entrou na casa dos brasileiros sem bater na porta. Nenhum astrônomo previu sua passagem pela Terra. De supetão. Seu primeiro título foi logo um Grand Slam, um dos quatro torneios mais importantes do tênis. Ele era o número 69 do ranking em 1997, quando conquistou um dos seus três títulos no saibro francês.

A mídia brasileira desprendia pouca atenção para o esporte das raquetes. Guga era um desconhecido do público. Foi como se a cobertura massificada do tênis no Brasil nascesse ali. o Manezinho da Ilha era o garoto-propaganda exemplar. Jovem, tinha 21 anos. Alegre. Bom moço, sonho de toda sogra. Os predicados não foram o suficiente para produzir outros nomes de um patamar próximo, mas uma semente foi plantada.
Nesses 25 anos de quando ele se tornou o primeiro brasileiro a liderar o ranking até agora, Bia Haddad Maia, em simples, alcançou o melhor ranking. Foi número 10 do mundo no ápice de uma carreira em andamento e de início longe do meteórico.

O tênis, o esporte, está em um momento muito bacana. Acho que a gente tem de saber surfar bem essa onda agora
João insere-se em um cenário diferente. Está há algum tempo no radar dos astrônomos da bolinha amarela. A consolidação da Internet como meio de comunicação manteve o tênis como um esporte de nicho, mas com cobertura constante.

Além de sites especializados, os canais de TV a cabo, uma novidade no fim do século passado, transmitem os principais torneios, agora reforçados com o streaming.
— Me lembra muito da época do Guga. Hoje, com a rede social, com todas essas coisas, você potencializa demais isso. Está muito legal. O tênis, o esporte, está em um momento muito bacana. Acho que a gente tem que saber surfar bem essa onda agora — avalia Bruno Soares, ex-número 1 de duplas.

Expectativa inédita
O mundo mais conectado faz João ter batido na porta antes de furar a bolha do tênis. Assim como Guga, João venceu um Grand Slam na categoria júnior. Desde então, há expectativa sobre seu nome, situação não vivida por Guga.
No fim do ano passado, venceu o Next Gen, torneio com os principais expoentes jovens do tênis. Este ano emplacou dois torneios Challengers, nível mais baixo, e um de nível ATP.
— Ele traz visibilidade para esporte. Espera-se que traga mais recursos e oportunidades. Buscamos parceria para desenvolver em relação a quadras públicas, patrocínio e desenvolvimento de novos talentos — destaca Gustavo Kern, presidente da Federação Gaúcha de Tênis.
A nova realidade do tênis

A tradição tenística brasileira estava tão em baixa quando Guga surgiu a ponte de o país não sediar à época nenhum torneio de nível ATP. Foi criado então o Brasil Open em 2001, competição de nível 250. O calendário do tênis conta desde 2014 com o Rio Open, torneio de nível 500.
Ele traz visibilidade para esporte. Espera-se que traga mais recursos e oportunidades
A edição deste ano do Rio Open ocorreu na sequência do titulo de João no ATP 250 de Buenos Aires. Sua presença causou frisson nas alamedas do Jockey Club do Rio de Janeiro, sede do evento. O fuzuê continuou mesmo após sua eliminação na primeira rodada.
— É cara diferenciado como pessoa, mesmo além do que ele faz na quadra. Acho que é isso que engrandece o nosso esporte, traz mais atenção para o nosso esporte. Então acho que o João só vai puxar mais ainda esse crescimento do evento. Acho que a gente só tem a ganhar como esporte, como evento e como torcedor, como brasileiro — explica Thomaz Costa, vice-diretor do Rio Open.

O cometa João Fonseca promete rodar a órbita terrestre por longo período. A previsão é que fique por tempo suficiente para o tênis brasileiros aproveitar sua existência e diminuir a distância entre a passagem de um fenômeno e outro.