Felipe Massa já sabe quando vai encontrar Bernie Ecclestone e os representantes da Fórmula 1 e da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) no tribunal. A Justiça inglesa agendou para os dias 28 e 31 de outubro deste ano as primeiras audiências do caso em que o piloto brasileiro busca ser reconhecido como o campeão do Mundial de Pilotos da temporada 2008 da F-1.
Será o primeiro passo judicial da disputa de Massa com a FIA, F-1 e Ecclestone nos tribunais. As primeiras audiências vão analisar os aspectos legais mais relevantes do processo na divisão de King's Bench da Corte Superior de Londres, na Inglaterra. A informação foi publicada inicialmente pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão.
Estas primeiras audiências já vão contar com a presença de todos os envolvidos no caso, como Ecclestone e representantes da Formula One Management (FOM) e da FIA, além dos próprios advogados de Massa.
A equipe do piloto brasileiro acionou a Justiça inglesa com base em declarações de Ecclestone ao site alemão "F1 Insider", em março de 2023, para mostrar que o regulamento da competição foi mal aplicado na época. O ex-chefão da categoria afirmara que considerava Massa o campeão de 2008, em razão da batida deliberada de Nelsinho Piquet, que prejudicou o compatriota no GP de Cingapura daquele ano. Por isso, os advogados pedem que a FIA admita, em declaração, ter violado seus próprios regulamentos ao não investigar prontamente as circunstâncias do acidente.
QUANTO MASSA PODE RECEBER DE INDENIZAÇÃO?
Além do reconhecimento como vencedor do título, o ex-piloto da Ferrari quer ser indenizado. O valor que será cobrado tem três pontos centrais. O primeiro deles é o bônus que Massa receberia da Ferrari pelo título, na casa de 2 milhões de euros (R$ 10,87 milhões), conforme citado no documento protocolado pelo advogado Richard Levett junto à Justiça britânica. Também são reivindicados valores estimados que seriam recebidos de patrocínios e oportunidades comerciais que o piloto teria com o status de campeão mundial, assim como a diferença do salário que ele recebeu no restante da sua carreira na F-1 e a quantia que receberia como campeão.
O montante exato será definido após prova pericial, mas a estimativa das perdas é de pelo menos 64 milhões de libras (cerca de R$ 463 milhões, no câmbio atual), sem correção ou juros. A análise financeira da equipe jurídica de Massa foi feita por um especialista em casos de natureza complexa como este e aponta que a análise final resultará em um valor mais alto.
ENTENDA O CASO
A disputa entre Massa e F-1 e FIA remete ao GP de Cingapura de 2008, um dos mais polêmicos da história da categoria. Na ocasião, Massa e Lewis Hamilton brigavam ponto a ponto pelo título. O brasileiro entrou naquela etapa apenas um ponto atrás do inglês, na época defendendo a McLaren. E tudo se encaminhava para uma vitória na corrida e uma virada de Massa no campeonato.
No auge de sua trajetória na F-1, o brasileiro, então na Ferrari, havia conquistado a pole position, no sábado. No domingo, liderava a prova até a 14ª de 61 voltas daquele GP. Foi quando Nelsinho Piquet bateu intencionalmente sua Renault, por ordem do polêmico Flavio Briatore, chefe da equipe, para beneficiar Fernando Alonso, seu companheiro de time. O espanhol havia feito pit stop duas voltas antes e estava com o tanque cheio - na época, havia reabastecimento dos carros durante as corridas.
A batida provocou a entrada do safety car na pista, o que mudou a história da corrida. Alonso, que largara em 15º, herdou e manteve a primeira posição até a bandeirada final. Foi o maior beneficiado pela batida. Massa foi o maior prejudicado porque ainda foi alvo de erros da Ferrari nos boxes.
Mesmo após cair para o último lugar da prova, o brasileiro terminou a prova em 13º, sem somar pontos. Hamilton, seu grande rival no campeonato, foi o terceiro. O inglês viu sua vantagem crescer de um para sete pontos na tabela. O campeonato acabou com ele somando apenas um ponto a mais que o brasileiro na classificação geral.
CONFISSÃO DE NELSINHO
No ano seguinte, o filho do tricampeão Nelson Piquet entrou em contato com a FIA para admitir que bateu de propósito em Cingapura para beneficiar Alonso. O brasileiro havia acabado de deixar a Renault, no meio da temporada 2009. E tinha o apoio do pai para fazer a denúncia, que veio a público em agosto daquele ano.
O Conselho Mundial de Automobilismo acolheu a denúncia, julgou o caso e distribuiu punições. Desclassificou a Renault no campeonato e suspendeu os dirigentes envolvidos na polêmica decisão: Flavio Briatore, chefe da equipe, e Pat Symonds, diretor de engenharia. Alonso e Nelsinho foram poupados.
Apenas um ano depois, tanto Briatore quanto Symonds fizeram acordos com a FIA para serem liberados para atuar na F-1. O primeiro assumiu cargo formal na Alpine no ano passado, enquanto Symonds exerceu a função de principal responsável pela área técnica da própria F-1 até 2024.
RETOMADA DA POLÊMICA
O caso voltou aos jornais em março do ano passado. Ecclestone, chefão da F-1 por quase 40 anos, fez revelações bombásticas sobre o caso em entrevista ao site "F1 Insider". Questionado sobre os títulos de Hamilton, o inglês afirmara que considerava Michael Schumacher o único heptacampeão da história da F-1 porque Hamilton não seria o campeão moral de 2008, na sua avaliação.
Ecclestone disse que considerava Massa o campeão daquele ano em razão do que acontecera em Cingapura. O inglês, no entanto, foi além e revelou que ficou sabendo sobre a batida intencional de Nelsinho ainda durante 2008. Essa informação é o grande fundamento das ações judiciais de Massa. O motivo é que, pelas regras da FIA, um campeonato não pode ter seus resultados alterados após finalizado. Ecclestone, porém, confirmou que estava ciente da trama da Renault ainda em 2008, durante a disputa do campeonato.
Neste contexto, suas declarações promoviam uma grande reviravolta na discussão. "Max Mosley (então presidente da FIA) e eu fomos informados durante a temporada sobre o que havia acontecido na corrida de Cingapura. Nelsinho Piquet havia confessado ao pai, Nelson, sobre a ordem da equipe de acionar o safety car para ajudar Alonso a vencer. Implorei ao Nelson para manter a história em segredo", afirmou Ecclestone, que é próximo do pai de Nelsinho - o inglês foi chefe de Piquet em sua época de piloto.
"Decidimos não fazer nada na época. Quisemos proteger a Fórmula 1 e salvá-la de um grande escândalo", declarou Ecclestone, ao tentar justificar a decisão de não tomar nenhuma decisão sobre o caso ainda em 2008. "Tínhamos informação suficiente na época para investigar o caso. De acordo com o regulamento, teríamos que cancelar a corrida de Cingapura naquelas circunstâncias. Isso significa que aquela etapa não estaria contando para o campeonato. E aí Felipe Massa seria o campeão mundial, e não Lewis Hamilton."