Existem fenômenos que demoram a se repetir. Nos últimos 113 anos, o cometa Halley passou pela terra somente em duas oportunidades, mesma quantidade de vezes que tenistas gaúchos foram campeões de um Grand Slam. Na manhã desta terça-feira (30), Rafael Matos começa a batalha para que a terceira vez não demore tanto. Ao lado do português Francisco Cabral, ele enfrenta os australianos Rinky Hijikata e Jason Kubler no torneio de duplas masculinas de Roland Garros.
Nos próximos dias, também entrará em quadra na competição de duplas mistas com a paulista Luisa Stefani, com quem venceu o Australian Open em janeiro, igualando o feito de Thomas Koch, também campeão nas duplas mistas em 1975 no saibro francês.
Foram duas tardes quentes separadas por mais de 20 anos que marcaram a vida do gaúcho de 27 anos. Na primeira, no litoral gaúcho, começou a se interessar pelo esporte. Jogava padel e tênis. Não demorou para ter de escolher entre a raquete de madeira e a de cordas, já que as modalidades possuem golpes com lógicas distintas. A característica que o fez escolher pelo tênis é algo que segue com ele até aqui.
— Na minha idade, que era sete anos, somente o tênis tinha competição, então escolhi jogar tênis porque queria competir — explica.
Se nesta terça entrará no templo das quadras de saibro, é porque muito pó de tijolo deixou tênis e meias encardidos ao longo dos ano. Durante a semana, os treinos eram quase diários. Os finais de semana também eram passados dentro de quadra. Os resultados não demoraram a aparecer. As vitórias em solo gaúcho passaram a ser nacionais e, em seguida, no cenário sul-americano.
Matos teve um desenvolvimento físico mais tardio. Mesmo que fosse menor do que seus concorrentes, seguiu em frente, compensando a falta de tamanho com outras características.
— Ele participava de muitos torneios de desenvolvimento. Parecia que tinha 10 anos e o adversário tinha 16. Foi uma fase muito difícil de mentalidade. Ele jogava no limite para ser competitivo. Isso desenvolveu o caráter comportamental dele — avalia Luis Peniza, um de seus técnicos na época de juvenil e que hoje trabalha na ADK Tennis, em Itajaí-SC, onde Matos treina.
Por fim, atingiu bons resultados internacionais. Em 2014, Rafael Matos e João Menezes foram vice-campeões da chave juvenil de duplas do US Open. O tenista estava formado, faltava a lapidação.
Durante a fase de formação ainda passou pelo Instituto Gaúcho de Tênis e passou pela ADK Tennis, quando, em 2019, resolveu voltar a Porto Alegre, mesmo que aqui não tivesse a estrutura mais adequada para treinar.
— Voltei a ter o suporte da família por perto e ganhei muita disciplina. Às vezes eu fazia o treino físico no tapete de casa, fazia sozinho, dependia só de mim. Isso me deu muita disciplina — revela.
Na época, seu treinador era Rodrigo Ferrero, irmão de Franco, seu técnico atual. Naquele momento, começou a amadurecer a ideia de focar somente nos torneios de duplas. Não havia equilíbrio entre os resultados nas duas modalidades. As vitórias em parceria eram em maior número do que em simples, o que fez com que os rankings ficassem desnivelados.
A pontuação em duplas o permitia jogar competições maiores, a de simples, não. Mesmo assim, a decisão foi complexa.
— Enxergamos que poderia ter mais resultados nas duplas. Em simples, ele não mantinha a constância de bons resultados nos mesmos torneios. Falei que jogar simples estava ficando sofrido para ele. Ele ficou um ano relutando — conta Rodrigo Ferrero.
O crescimento foi gradual. A construção de um bom posicionamento demorou cerca de dois anos, segundo Rodrigo. Matos chega a Paris como o duplista número 38 do ranking. No começo do ano, chegou a ser o número 26 da lista da ATP. São seis títulos na carreira.
A outra tarde de calor marcante foi a de 27 de janeiro deste ano, quando ao lado de Luisa Stefani venceu o Australian Open. Naquele dia, aumentaram para sete o números de brasileiros a vencer um Grand Slam como tenistas profissionais.
— Na escola fizeram um trabalho sobre o que queriam na vida, e ele desenhou uma escada e em cada degrau escreveu um Grand Slam e colocou do lado (a palavra) campeão. Quando ele ganhou o Australian Open de mistas, caí em lágrimas e passou um filme na minha cabeça. O primeiro degrau ele conseguiu — relata a mãe, Rosane Matos.
Ela é uma enciclopédia quando o assunto é a carreira do filho. Sabe quando, onde e como aconteceram os momentos mais marcantes passados por Matos em uma quadra. Cada ano de carreira vira um álbum de fotos personalizadas com retratos tirados por ela mesma.
Parceria construída há anos
Não é só de treino, suor e vitórias que se forma um campeão de Grand Slam. O acaso também tem papel relevante. O destino cruzou o caminho de Rafael Matos em 2013. Após vencer o título de um torneio no México conheceu Luisa.
Gabriel Hocevar, seu parceiro de quadra por uma década, é quem conta como os dois se pecharam.
— Foi em Mérida, no México. Quando ele ganhou na Austrália, lembramos daquele dia. Fomos jantar e, do nada, apareceu a Luisa Stefani e sentou com a gente. Foi muita coincidência. Foi ali que começou a relação entre eles — relembra.
Hocevar e Matos percorreram juntos as quadras do mundo até os 18 anos. Dividindo o mesmo lado da rede conquistaram o primeiro título profissional deles. Foi um Challenger disputado em Montes Claros-MG. Por anos, tramaram uma parceria para fazer frente com os grandes nomes do circuito. Uma lesão no ombro fez Hocevar mudar de planos e migrar para o tênis universitário.
— Ele sempre foi mais calmo. Sabia lidar com a pressão. Ele me deixava mais tranquilo em quadra — explica.
Se não pode contar com o amigo de anos, Matos aposta em uma mudança para Roland Garros. O Grand Slam francês será apenas o terceiro ao lado de Cabral, após um ano jogando ao lado do espanhol David Vega. Tudo para que não demore muito tempo para o tênis gaúcho conquistar mais um dos grandes torneios da modalidade.