Na Argentina e no Uruguai, é corriqueiro se ouvir a expressão "clube de bairro". O Lanús, por exemplo, que em 2017 decidiu a final da Libertadores contra o Grêmio, orgulha-se disso e ainda cunhou para si a alcunha de "maior clube de bairro do mundo". Trata-se daquela equipe que tem consciência de estar espremida entre times maiores, mas prefere fincar raízes e conquistar um público mais restrito. É com esta intenção que a diretoria do São José se reunirá, nesta sexta-feira (5), com uma empresa de marketing para que, nos próximos meses, dê um passo maior em seu projeto.
— Queremos levar para esse lado, que o bairro dê apoio. A zona norte de Porto Alegre tem uma população grande e empresas ali em volta que têm como nos dar uma mão — explica o vice-presidente de futebol, Milton Machado.
Machado, aliás, é mais do que um mero dirigente. Desde 2014, a empresa da qual é diretor-presidente passou a ser a principal investidora. E, a partir de então, o clube começou a se organizar para alçar voos maiores.
— Foi uma exigência nossa que, para investir, a gente tivesse a gestão do futebol. E isso deu certo, porque começamos a administrar o São José como uma empresa, visando pagamentos de impostos, salários em dia. Tudo que uma empresa bem organizada faz. E começamos a colher os resultados — explica Machado — Essa receita está dando certo, porque o São José só cresceu e chegou a um patamar que nunca esteve — completa ele.
De fato, quem acompanhou o noticiário esportivo nesta semana deve ter se surpreendido com o fato de que, na última terça, o Grêmio tenha sido goleado por 4 a 1 pelo time reserva do São José, em um jogo-treino realizado no CT Luiz Carvalho. Mas este foi apenas mais um indício do trabalho silencioso que vem sendo desenvolvido no Zequinha, como é carinhosamente chamado. Depois de conquistar a Supercopa Gaúcha e a Copa Valmir Louruz, em 2015, e a Copa Paulo Sant'Ana, em 2017, o time conseguiu o acesso à Série C do Brasileirão no ano passado. E, hoje, mesmo com um orçamento mensal de R$ 250 mil, figura em segundo lugar no Grupo B, um ponto atrás do Juventude.
— Em um primeiro momento, somos uma equipe estreante. Os quatro clubes que desceram da Série B (Juventude, Luverdense, Paysandu e Boa) estão na nossa chave. São camisas que estão acostumadas a estar neste tipo de competição. Então, tentamos montar um elenco forte para conhecer o campeonato e buscar a manutenção na Série C. Mas, com certeza, se os resultados continuarem vindo, atingindo a classificação à próxima fase, nós podemos sonhar com voos mais altos — manifesta o técnico Rafael Jaques, que comanda o time principal desde agosto de 2017.
Aliás, Jaques é um dos pilares para o sucesso do clube dentro de campo. Ex-atacante do Grêmio na década de 1990, passou pelo futebol espanhol e português antes de encerrar a carreira. Logo em seguida, cursou administração, prevendo que se tornaria dirigente. Mas não conseguiu ficar longe dos gramados e, após cursos de especialização, iniciou a carreira de treinador no próprio São José.
— Conheci o Jaques quando fui diretor de futebol da Ulbra que foi vice-campeã gaúcha (2004), e ele foi meu centroavante. Eu observava muito os jogadores durante as palestras e sempre senti nele uma liderança. Disse que ele um dia seria técnico e ele levou na brincadeira. Há uns quatro anos, o buscamos para trabalhar conosco. Foi auxiliar do China Balbino e depois passou pela base. Para mim, não é surpresa que tenha evoluído tanto. Nós apostamos nessa identificação com o clube. Hoje, metade do nosso elenco é formado na base. E o Jaques, quando criança, jogou na escolinha do São José. Tem até uma foto dele com sete ou oito anos, com a camisa do Zequinha — conta Machado.
No time atual, a figura mais conhecida é o volante Diguinho, ex-Fluminense e Botafogo, que foi contratado este ano. De resto, são atletas que já estão há mais tempo no clube, como o goleiro Fábio, passaram pelo Passo D'Areia em outras temporadas, como o atacante Cláudio Maradona, ou que foram formados nas categorias de base, como o meia Rafael Carrilho. Este, inclusive, é o grande segredo. Atualmente, o filho do próprio técnico Jaques joga na escolinha do São José. Quem também colocou seus filhos por lá foram Paulo César Tinga, ex-meia da dupla Gre-Nal, e o diretor-executivo colorado Rodrigo Caetano. O projeto vem colhendo frutos, já que o clube lidera os Estaduais sub-15 e sub-17 e fez a final do sub-20 contra o Inter. Como as coisas estão se saindo muito bem dentro de campo, o próximo passo é evoluir como instituição. Por isso, o interesse pela campanha publicitária que pretende abraçar a comunidade local.
— O América-MG é um exemplo disso. Tem uma torcida pequena, mas lota o Independência. A nossa não lota nem a parte social muitas vezes. O clube poderia buscar uma maneira, a longo prazo, com escolas próximas, com as famílias do bairro. Esses meninos que são gremistas ou colorados podem também torcer pelo Zequinha, ir aos jogos. O estádio é acolhedor, não tem confusão. No momento que ele se acostumar a ir, os familiares vêm atrás — avalia Jaques.
Resta saber se o jovem treinador de 43 anos estará presente para ver essa nova evolução do clube. Já são 82 jogos à frente do time principal, com 41 vitórias e 21 derrotas. Além de levar a equipe à terceira divisão nacional, em 2018, Jaques conquistou o título de campeão gaúcho do Interior e a Recopa Gaúcha. Com resultados tão positivos, seria natural que ele despertasse o interesse de outros clubes.
— No final do ano passado, tive cinco convites para sair. De dentro e fora do Estado. Mas eu nem deixei chegar a valores, nem entrei em negociação, porque acreditava no projeto do clube para este ano. No Gauchão, fizemos um grupo muito pequeno. Mas na Série C, aí sim, a diretoria entendeu que precisava encorpar mais o elenco e nos deu peças de reposição — revela o técnico.
Neste sábado, às 18h, o São José enfrenta o Luverdense, no Mato Grosso, pela 11ª rodada do Grupo B. Faltam mais oito jogos para encerrar a primeira fase da Série C. Os quatro primeiros de cada chave classificam para as quartas de final, com os semifinalistas subindo para a segunda divisão nacional em 2020.