O terceiro capítulo da série Cadê o esporte no RS? é dedicado ao tênis. A modalidade, ainda que tenha tido como maiores expoentes no país a paulista Maria Esther Bueno e o catarinense Gustavo Kuerten, é forte no Estado. O técnico de Guga, por exemplo, era Larri Passos, natural de Rolante, cidade do Vale do Paranhana. Além dele, outros gaúchos fizeram sucesso do lado de dentro da quadra. Treze jogadores ficaram no top 100 do ranking mundial ao longo da história.
O mais destacado entre os homens foi Thomaz Koch, 24º em 1974. Entre as mulheres, Niege Dias chegou à 31ª posição em 1988.
Atualmente, porém, o cenário é bem diferente. Só tem um gaúcho entre os cem primeiros, e ainda assim, no de duplas. Marcelo Demoliner é o atual 49º da ATP. No de simples, o porto-alegrense Guilherme Clezar ocupa a posição de número 273. Entre as mulheres, Gabriela Ce, também da Capital, é a 343ª. O passo-fundense Marcos Daniel, 56º em 2009 e 96º em 2010, foi o último a aparecer no top 100 individual.
Depois de abordar a luta do basquete para recuperar seu espaço e os desafios do vôlei para pelo menos ter um campeonato estadual, agora é a vez de tentar explicar as razões para que um Estado com tantos talentos e tamanha fartura de tenistas não consiga atingir um alto nível competitivo.
A situação atual
Só dois fenômenos impedem que o Rio Grande do Sul tenha sido o maior expoente do tênis no Brasil. Não fossem a paulista Maria Esther Bueno e o catarinense Gustavo Kuerten, atletas de exceção mundial, os gaúchos comandariam a história da modalidade no país. O Estado teve nomes como Thomaz Koch, que chegou a ser 24º no mundo e só não teve posição ainda mais alta porque a ATP demorou a organizar um ranking, e Niege Dias, 31ª entre as mulheres em 1988. Mas já se vão quase 10 anos sem um gaúcho entre os 100 melhores na categoria simples e só há um duplista nessa condição – Marcelo Demoliner, atual 34º.
Entre as explicações para essa realidade, a mais repetida entre as pessoas consultadas foi a mesma: falta uma cultura esportiva na atual geração. Questão de educação mesmo. Por ser um esporte quase sempre individual, é preciso que o atleta sacrifique os prazeres da adolescência para construir uma carreira. Mas nem sempre existe essa consciência. A necessidade de dedicação exclusiva ao futuro, a decepção pela falta de resultados e as tentações contemporâneas atrasam a conclusão das etapas de formação. Tecnicamente, há jogadores de alto nível, principalmente jovens, mas muitos desistem com o passar do tempo e com as quedas prematuras em torneios com adultos.
Além disso, o tênis tem uma peculiaridade com relação aos outros esportes. Há uma onda de jogadores que se destacam na juventude e, graças a isso, conseguem bolsas de estudo, principalmente nos Estados Unidos. Assim, em vez de seguir carreira profissional, eles enveredam para o lado acadêmico e mudam de profissão, usando o esporte para abrir portas nas universidades americanas.
— Um atleta de tênis tem que desejar. Isso significa: tem que se sacrificar, se dedicar. Hoje, está mais fácil para jogar do que 30 anos atrás, tem mais estrutura, mais clubes, mais jogadores. Mas também tem mais distrações. Com um clique no celular, viaja longe. Precisa ter suporte. Mas o principal é o querer jogar — aponta Niege Dias, a mais destacada jogadora brasileira depois de Maria Esther Bueno.
O discurso tem apoio de duas importantes figuras ligadas à Associação Leopoldina Juvenil, um dos mais tradicionais clubes do Estado. Uma delas é a do coordenador de tênis, Cristiano Testa, também ex-jogador. Responsável por comandar uma equipe de técnicos que trabalha com 450 atletas entre crianças e adultos, identifica na geração atual uma falta de educação para o esporte. A outra é do tenista André Ghem, que chegou a ser top 100 mundial nas duplas em 2007. Recuperando-se de lesões no ombro e no cotovelo, ele treina no clube para tentar recuperar espaço no cenário.
— A maior dificuldade que encontrei foi no próprio circuito. Era muito difícil jogar. A maior parte das competições é na Europa. Para quem não tinha estrutura, como eu, fazia tudo sozinho. Nem técnico podia levar. Então me preocupava com o jogo, mas precisava pensar no transporte, no treino, na marcação da quadra, na alimentação, na moradia. Lembro que enfrentei o alemão Mischa Zverev e ele tinha toda uma equipe lá — diz.
Há, também, outro debate em andamento, capitaneado por Luis Carlos Enck, o Biba, ex-diretor técnico do Instituto Gaúcho de Tênis (IGT). Esse instituto surgiu como uma forma de elevar o nível de treinamento de jogadores. Na época, era para ser uma espécie de clínica, acolhendo os melhores atletas e intensificando a preparação. O local até funcionou, mas encontrava resistência por parte dos clubes, que julgavam ser uma concorrência, o que Biba contesta, alegando que os atletas seguiam jogando em nome dos clubes e não do IGT. Segundo ele, porém, a hora é de mudar a metodologia de treinos. Ele buscou, na França, referências novas para ajudar a desenvolver a modalidade desde a infância, com mais ambiente de jogo e competitividade.
— Ensinamos as crianças a bater na bola, não a jogar tênis. Precisamos fazê-las compreender o esporte tecnicamente e taticamente. Demonstrar o porquê de tomar tais decisões e não só mecanizar os movimentos — explica Biba, que também é superintendente da Fundação Tênis, instituição que atende mais de 1 mil crianças em situação de vulnerabilidade pelo Rio Grande do Sul em expansão para São Paulo.
Para Testa e Ghem, não há problemas de formação técnica. Prova disso são os resultados obtidos na base. O Brasil coleciona títulos pré-profissionais. Recentemente, Thiago Wild venceu o US Open juvenil. Em 2010, o alagoano Tiago Fernandes conquistou o Aberto da Austrália — e já abandonou a carreira sem maior sucesso nos profissionais. Há dezenas de brasileiros campeões do Banana Bowl, o mais tradicional campeonato de base.
— O fato de não ter mais tantos torneios no Brasil também dificulta. Na década de 1980, o país era grande promotor de competições e isso aumentava a nossa pontuação — acrescenta Testa.
Da novíssima geração, um dos principais expoentes é Gustavo Tedesco. Aos 14 anos, o guri de Dois Irmãos, que joga pelo Clube 7 de Setembro, de sua cidade natal, vai disputar a Copa do Mundo na República Tcheca. É o primeiro do ranking do país e segundo na América do Sul.
— Pretendo seguir carreira profissional, jogar em alto nível. Daqui a 10 anos, meu objetivo é estar perto dos top 80. Não sei se vai dar certo, mas é onde quero estar — salienta.
Está depositada, assim, a esperança gaúcha de voltar a brilhar no tênis.
Copa Davis em Porto Alegre
Porto Alegre entrou para a história da Copa Davis, a mais tradicional competição por países, em três oportunidades.
Uma das mais marcantes se deu em novembro de 1966. A Capital havia sido escolhida para receber a semifinal por ser casa dos gaúchos convocados para o confronto, com os Estados Unidos. No primeiro jogo, Thomaz Koch perdeu para Dennis Ralston, então quinto colocado da ATP. No segundo confronto, Edson Mandarino venceu Cliff Richey. A partida de duplas teve vitória americana, com o ex-líder do ranking Arthur Ashe jogando ao lado de Dennis Ralston sobre Koch e Mandarino. Seria necessário ganhar os dois jogos de domingo para avançar à final. Pois Koch aplicou 3 a 0 em Richey e Mandarino superou Ralston após cinco sets. A virada levou o time brasileiro à decisão diante da Índia. Em Calcutá, no mês seguinte, os donos da casa ganharam por 3 a 2. O desafio final ficou com a Austrália (na época, o campeão jogava só a final, em casa).
Vinte e dois anos depois, a cidade voltou a respirar tênis. No meio do Parcão, foi montada uma arena para recepcionar Guga, o surpreendente campeão de Roland Garros no ano anterior. O outro atleta de simples era Fernando Meligeni. Nas duplas, Guga jogou com Jaime Oncins. Na sexta, vitória de Guga sobre Moya, de virada, e derrota de Meligeni para Alex Corretja. No sábado, Guga e Oncins venceram Corretja e Javier Sánchez. Bastava uma vitória para o Brasil chegar às quartas de final. Mas mesmo com a arquibancada lotada, nem Guga nem Meligeni ganharam e o placar final foi de 3 a 2 para a Espanha.
Em 2009, a Capital sediou novamente a Davis. Em partida válida pelo zonal sul-americano, que daria vaga no Grupo Mundial, o Brasil enfrentou o Equador em uma quadra adaptada no Gigantinho. No feriado farroupilha, o gaúcho Marcos Daniel e o paulista Thomaz Bellucci não conseguiram superar os irmãos Nicolás e Giovanni Lapentti. O time brasileiro, sob olhares de Guga e Maria Esther Bueno, perdeu por 3 a 2.
Gaúchos no top 100 na história
SIMPLES
Thomaz Koch 24º (1974)
Marcos Hocevar 30º (1983)
Niege Dias 31ª (1988)
Marcos Daniel 56º (2009)
Edson Mandarino 81º (1975)
Ivan Kley 81º (1986)
Fernando Roese 92º (1991)
DUPLAS
Marcelo Demoliner 34º (2017)
Franco Ferreiro 53º (2011)
Cesar Kist 79º (1987)
Nelson Aerts 80º (1990)
José Carlos Scdmidt 82º (1983)
André Ghem 88º (2007)