É 0h22min de quinta-feira em Aktobe, no noroeste do distante Cazaquistão. Na concentração do F.C. Aktobe, em um quarto com climatização e geladeira, como ele me descreve, Yuri Mamute atende à chamada no WhastApp. Confesso que esperava ouvir lamúrias pelas dificuldades em se adaptar à vida ao país encravado no meio da Ásia, mas com uma pequena ponta na Europa. Mas um Mamute eloquente e entusiasmado com a vida no gelado Cazaquistão não permite um segundo de dúvida:
– Que coisa bem boa, mano. Deus me colocou em um lugar maravilhoso. Por mim, ficaria aqui. É calmo, tranquilo, com pessoas espetaculares. Mano, estou feliz aqui. Feliz mesmo.
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Mamute nem sabe como foi parar no Cazaquistão. Treinava no time de transição Grêmio desde outubro, depois de voltar do Náutico. Foi quando surgiu a oferta do Cazaquistão. Nunca tinha ouvido falar do país. "É bomba", alertaram alguns. Ele deu de ombros. Topou a oferta de empréstimo até novembro sem pensar. Em 24 horas, reuniu documentos, fez a mala e partiu. Antes de se despedir, organizou a festa de dois anos do filho, Joaquim. Quando os convidados cantaram o Parabéns a Você, já estava no avião, a caminho de Antálya, no Mediterrâneo turco, para a pré-temporada do Aktobe.
– Nem sei quanto durou a viagem. Foram umas 30 horas. Estava tão feliz com a chance de jogar que nem senti o tempo passar – conta.
Mamute pegou os últimos 15 dias da pré-temporada do Aktobe. Os ex-colorados Cassiano e Vítor Júnior e o lateral-esquerdo Juninho, ex-Palmeiras e Figueirense, já estavam lá havia um mês.
O time fez um amistoso e voltou para casa. O desembarque foi com neve e temperatura na casa dos -15ºC. Para entusiasmo do novato.
– Para mim que nunca vi neve, está maravilhoso. Neva todos os dias – conta, cheio de excitação.
Pergunto a ele o quanto está frio no momento. Ele pede licença, corre à janela e volta em seguida:
– Hoje não nevou. Está -4ºC agora. Já teve um solzinho. Dizem que é a última semana de frio. Graças a Deus. Joguei com -16ºC. Tu ficas como um robô, nem consegue se mexer direito. Falar fica difícil, a boca não abre muito.
Mamute mora ao lado do local de treinos do Aktobe. Veste camadas de roupas e vai a pé até o campo. Conforme o corpo aquece no treino, vai tirando as roupas térmicas. Nas fotos no site oficial do Aktobe, é o único a aparecer sempre de calção. No inverno, o time joga e treina no mesmo estádio, "que lembra o do Zequinha", ele descreve. A casa oficial do clube fica fechada no inverno. Uma lona protege o campo da neve. Os brasileiros foram lá apenas uma vez, para conhecer. Viram um imenso quadrado branco que mais parecia uma pista de patinação.
Pelo clima seco e frio do Cazaquistão, quase todos os jogos são em piso sintético. Nas quatro primeiras rodadas, Mamute só fez um jogo em grama natural. Foi na capital, Astana. Mas lá é tudo diferente mesmo. A cidade começou a ser erguida há 20 anos. Tem construções modernas e ares de aspirante a Dubai. Será sede da Expo 2017, em mais uma etapa de atrair o olhar do mundo para o Cazaquistão. Nono em extensão territorial, o país é uma imensidão ocupada por só 17 milhões de habitantes. A economia se baseia no gás e no petróleo e se favorece do fato de os oleodutos do Cazaquistão ligarem a Rússia à China e à Índia.
Aktobe, no entanto, ainda conserva ares do Cazaquistão dos tempos de domínio soviético. Parece sob efeito de filtro amarelado, com prédios antigos e pouco verde.
– Para mim, que sou tranquilo, é ótimo, tem trânsito normal, boas lojas, mercado, boa comida. A cidade é meio antiga, sem pintura – descreve Mamute.
Nada que abale a alegria do atacante. Em quatro jogos, só ficou de fora de um. Nos demais, atuou os 90 minutos. Não lembra da última vez em que teve sequência parecida. Na rodada passada, o time venceu fora por 3 a 1 e aliviou a pressão da torcida. O Aktobe é o clube dos estrangeiros, há ainda um senegalês e um argentino. O oitavo lugar gera cobranças.
Mamute se diz adaptado ao estilo de força e velocidade cazaque. Conforme sua avaliação, "arrebentou a boca do balão" no último jogo. A pegada dos marcadores o faz lembrar do Rubem Berta, dos jogos em que era vetado pelo irmão e pelo pai, zelosos de sua integridade.
– Aqui é "tudo" loucão. O jogo é correria, truncado, mais pau – diz.
Nas próximas semanas, Mamute receberá a mulher e o filho. Trocará a concentração por um apartamento. O salário é quase o mesmo do Grêmio, com que tem mais um ano de contrato. Mas parece uma fortuna se incorporar nele a felicidade encontrada no Cazaquistão.
– Mano, me disseram que aqui era bomba. Bomba, nada. Não imagina a alegria de dormir sabendo que jogará. Como é bom aqui do outro lado do mundo – sorri o Mamute à solta nas estepes cazaques.
*ZHESPORTES