Encontrar um lugar na agenda de Edu Gaspar requer paciência. Foram alguns telefonemas do produtor Marcos Bertoncello. Horário marcado, vieram dois adiamentos.
– Liga em meia hora – pediu, educado.
Ligação feita, e celular na caixa de mensagem. Uma hora depois, novo pedido:
– Podemos conversar daqui a pouco? Estou recebendo visitantes aqui na
CBF.
Duas horas depois da hora marcada, Edu nos atende. Demonstra certo constrangimento com o atraso e reforça pedidos de desculpas. Passa das 19h de uma sexta-feira na sede da CBF, horário em que deveria se encerrar seu expediente. O relógio de quem planeja a vida da Seleção Brasileira para Tite, no entanto, não obedece a horários marcados. Nem deve, como fica claro em cada resposta concedida nos 30 minutos de entrevista.
– Estar na coordenação, ser técnico, ser preparador da Seleção Brasileira requer uma responsabilidade absurda. Encaramos dessa forma – repete como um mantra coordenador de todas as seleções de futebol do Brasil.
Edu comanda uma equipe que planeja às minúcias a vida da Seleção. Ele e Tite se entendem com um olhar. Estão juntos desde 2011, quando o então volante decidiu se aposentar. Assumiu como gerente executivo e virou chefe do técnico que o havia relegado à reserva. Oriundo de família de classe média, filho de pai formado em música e irmão de um doutor em filosofia, Edu não concluiu o ensino médio. Mas levou para seu gabinete a experiência de cinco anos no Arsenal e quatro no Valencia, além do aprendizado como investidor na construção civil. Para se aperfeiçoar em gestão esportiva, fez cursos e participou de congressos na Inglaterra.
Em algumas semanas, começará um curso de quatro anos da Uefa, no qual cumprirá ciclos trimestrais em grandes clubes europeus. Tudo em nome da eficiência, uma marca que ele e Tite tatuaram nesta Seleção. A seguir, confira a entrevista.
Como foi a viagem à Rússia?
Tivemos ótima impressão, foi interessante ter ido à Rússia, entendido um pouco da cultura e visto o que a Fifa nos oferece como base-camp (centro de treinamento). Foi muito bom, embora nossa equipe da CBF já tivesse ido. Nosso supervisor (Luis Vágner Vivian) esteve na Rússia duas vezes, fez filtro inicial de vários base-camps. São 58, houve triagem inicial e estamos chegando a um que possa nos atender.
Na Copa de 2014, passamos a entender melhor o que significa escolher sede e campos de treino. Quantos locais foram visitados por vocês?
São 58 base-camps. Desses, fizemos um filtro prévio, olhando a cidade e o que o local de treinos nos oferecia. Nossa equipe deve ter visitado entre 32 e 34 dos 58 indicados pela Fifa. Fez uma pré-lista de 16. Aí, o Fábio Mahseredjian viajou e fez mais um filtro. Indicou seis. Numa outra viagem, fomos eu e ele. Agora, estamos quase chegando à nossa decisão.
A ideia é ficar numa região mais próxima de Moscou?
Quais as nossas estratégias? Se pegar Moscou, Sochi ou Krasnodar, por exemplo, cada uma delas terá de seis a 12 jogos. Contamos com a sorte de cair em um lugar com mais jogos previstos. Outro ponto é a qualidade do basecamp. Pode estar em um grande centro, com excelente estrutura de cidade, mas o local de treino não nos atender. E vice-versa. Estamos vendo, a prioridade é estar em um base-camp que atenda às necessidades técnicas do Tite, do Fábio (Mahseredjian), do Matheus (Bachi, auxiliar), e do Cléber (Xavier, auxiliar), para ficarmos bem instalados.
Os locais que restaram nesta triagem são CTs que se encaixam no padrão dos grandes clubes europeus?
Todos têm características específicas. Alguns têm CTs, muitos deles com atendimento total, mas também eleitos por outras seleções como prioridade. Existem outros bastante interessantes em grandes hotéis, com campos muito bons anexos. São oferecidos locais de qualidade, mas o base-camp dificilmente atenderá 100% às exigências da Seleção. Com isso, precisaremos adaptar e fazer investimentos, caso necessário, para cobrir nossa demanda. O importante foi ter ido antes, estudado os base-camps e as cidades, ver as necessidades que possam aparecer e não deixar nada para a última hora. A ideia é ter tempo para ficarmos bem instalados.
A ideia é ter um local exclusivo ou é possível se instalar em um hotel, dividindo espaço com hóspedes?
É óbvio que precisamos fazer bons treinos, estar concentrados no momento de trabalho, focado na Copa. Mas acho que o excesso de blindagem e distância são fatores a serem analisados. Obviamente, não é uma exposição demasiada, mas ter um acesso, proximidade com as famílias e o torcedor. Não vejo, inicialmente, problema. Mas essa é uma das decisões a serem tomadas. Na próxima visita, definiremos o que será melhor para a Seleção.
O quanto classificar antes privilegia o Brasil na escolha do local de treinamento?
Zero. Isso é um assunto que poderia ser reavaliado perante as escolhas. Hoje, é por ordem de chegada. Você coloca sua prioridade em apenas um campo e depois escolhe a segunda prioridade, em caso de a primeira já estar ocupada. Uma seleção pequena, com estrutura pequena de delegação, pode escolher o melhor CT da Rússia. E uma seleção de maior estrutura, que demorar a visitar o país, terá poucas escolhas, pode até ter de partir para lugar privado ou buscar outra alternativa.
Você estava na Rússia no dia do atentado em São Petesburgo. Como foi a reação dos organizadores da Copa? Percebeu preocupação deles?
Estávamos em Moscou, recém havíamos chegado. Soubemos pelas ligações dos familiares. Não causou nenhum tipo de preocupação ou mudança de planejamento. As pessoas em Moscou estavam aparentemente tranquilas.
Você e o Tite assistirão aos jogos da Copa das Confederações?
Isso é um tema que ainda discutiremos. Mas são grandes as possibilidades de irmos para a Rússia conferir de perto a competição e tudo o que a envolve.
A pouco mais de um ano da Copa do Mundo, é possível perceber a atmosfera da competição na Rússia?
Ainda não. Eles acabaram de sair de um rigoroso inverno, tiveram poucas mudanças em termos de construções ou grandes obras. Começaram agora. Ainda não senti aquele ambiente, que parece estar em fase embrionária. Mas, nós, já estamos curtindo (risos).
O Tite pretende fazer testes já a partir da próxima convocação?
Não posso adiantar se haverá novidades. Agora, classificar-se de forma antecipada para a Copa abre possibilidades de discussão interna sobre uma situação nova que apareceu. Para nós, até então, não haveria essa possibilidade de levar um jogador ou outro para avaliação. Agora, há essa chance. Temos os jogos amistosos contra Austrália e Argentina, veremos o que o Tite pensa. Vamos amadurecer melhor essa ideia, discutir e ver o que é melhor. Se for interessante para o Tite convocar atletas novos para que possa visualizá-los e prepará-los para a Copa, isso será contemplado. Mas é com ele mesmo.
O modelo de trabalho adotado por vocês na Seleção, com planejamento e extremo profissionalismo, pode inspirar os clubes brasileiros e oxigenar a gestão do nosso futebol?
Não pensamos muito longe do nosso dia a dia. Fazemos o que achamos interessante para a Seleção. Venho falando que essa metodologia, essa rotina de trabalho, o espírito que estamos levando aqui, nada mais é do que a importância que o cargo requer. Estar na coordenação, ser técnico, ser preparador da Seleção exige responsabilidade absurda. Encaramos dessa forma. Estar todos os dias aqui, despachar, comandar reuniões, fazer estudos, pesquisas, visitas, conversar com os atletas, isso faz parte de um trabalho de responsabilidade à frente da Seleção. O quanto inspira os nossos colegas? Puxa, se for para o bem do futebol, que inspire muito, seria uma honra. Porque o trabalho feito aqui é com todo o coração. Entregamos da melhor forma possível em termo de responsabilidade, de tempo.
Olhando de fora, parece que há duas CBFs. A do presidente Marco Polo del Nero, envolvida em escândalos, e a de vocês, que mostra alto rendimento com a Seleção. Como funciona? Há uma separação?
Aqui, sinceramente, não vejo essa separação. Muito pelo contrário. Poucas pessoas sabem o quanto de gente da CBF está envolvida conosco na Seleção. Sempre que temos a oportunidade, agradecemos, fazemos questão. É um pessoal que está nos ajudando mesmo, vem apresentando bom trabalho conosco. Todos os demais departamentos mostram aceitação (ao projeto), Nos sentimos parte de um grupo de trabalho maior, de toda a CBF.
Você participou da Premier League, como jogador do Arsenal por cinco anos. Como você vê o nosso futebol e o Brasileirão?
Todas as ligas podem avançar, ter esse sentido de evolução na cabeça. O Brasileirão está muito melhor do que anos atrás. Vejo avanços interessantes, clubes cada vez mais organizados, atletas com poder e nível diferenciado em relação à épocas atrás, preocupados com alimentação, desempenho, preparação e cuidados extracampo. Vejo nosso futebol com uma margem de evolução, mas também evoluindo.
Na Inglaterra, você teve contato com a gestão totalmente profissional. Esse modelo se encaixaria aqui?
Estamos indo para um caminho legal, hibrido. Os clubes se deram conta de que precisam de um profissional de mercado, o cara que entende de valores, de infraestrutura, de estrutura, de organização numa comissão técnica e que tem os contatos. Isso é complexo, requer um profissional da área. Não que ele vá tomar todas as decisões do clube. Mas fará parte de uma engrenagem de decisões, que se reportará ao seu presidente. São poucos os clubes das Séries A e B que não têm um profissional nesse processo.
Como você vê o estatutário?
O diretor estatutário é importante. Convivi no Corinthians com esse tipo de dirigente, é interessante a posição dele perante a instituição. Na Inglaterra, por exemplo, os clubes são apenas de futebol. Aqui muitos são também clubes sociais. É importante ter um diretor estatutário que entenda o clube. Desde que cada um saiba sua posição no processo decisório, os dois são importantes.
Por que não temos técnicos no Exterior?
Acho que o idioma é uma barreira, sim. Convivendo com o Tite, vejo a importância que tem no dia a dia o diálogo. Não há como conduzir um grupo, uma comissão ou um departamento sem ter o idioma. Quanto à evolução, estamos indo por um caminho legal. Por isso falo do Brasileirão. Vejo surgir caras como Roger, Rogério Ceni, Fábio Carille, Antônio Carlos. São técnicos interessantes, com conteúdo acadêmico, preocupados em melhorar, em crescer. Todos temos a ganhar.
Os clubes reclamam da dificuldade de reter jovens jogadores, pela legislação, que permite um primeiro contrato só de três anos. O quanto isso é pauta entre vocês na Seleção?
Esse é um tema importante, se trata de um produto do nosso futebol. Mas com nossas responsabilidades na Seleção, focamos nossa energia no dia a dia. Não nego que esse não foi um tema discutido pela gente, não tivemos ainda a oportunidade. É preocupação nossa segurar esses atletas. Quem sabe possamos abrir esse debate interno para ajudar os clubes.
Qual o tamanho do desafio de manter a Seleção em alto nível até a Copa 2018?
É uma boa pergunta. O desafio é grande. Os atletas que se destacam agora podem cair de rendimento depois de amanhã. Precisamos manter o trabalho de acompanhamento muito próximo dos atletas, para que percebam que são observados e que dependerá do desempenho deles a convocação. A Seleção é momento. Quem está em bom momento, é convocado.
Qual o universo de jogadores que vocês observam?
Muda a cada convocação e conforme o momento dos atletas. Muitos entram no radar, muitos saem. É um universo que já foi de 52 jogadores, 48 e até 46.
A Seleção terá Argentina e Austrália em junho, quatro jogos das Eliminatórias e a Alemanha, em março. Há mais algum jogo previsto antes da Copa?
A ideia é ter, sim. Dispomos de duas datas em novembro, destinadas às repescagens das Eliminatórias. Precisamos ver quem as jogará para definir adversários. Em março, contra a Alemanha, gostaríamos de ter outro jogo na sequência, a data-Fifa permite.
Os jogos de novembro seriam na Europa?
Se possível, sim. Quanto mais experiência possamos ter contra seleções europeias e de alto nível, mais ganhamos para chegarmos pronto à Copa.
A Seleção chegará à Rússia em condições de ganhar a Copa?
Nosso trabalho e dedicação são para isso. Daí é criar as estratégias para estar capacitado a fazer uma grande Copa.
O jogo contra o Equador está confirmado para Porto Alegre?
Oficialmente, não.
Mas a tendência é de que seja?
É um assunto que está em evolução.