Daniela Santarosa vive em constante movimento. A pentacampeã da Travessia Torres-Tramandaí é "viciada" – como ela mesmo diz – em corridas, sejam elas parte dos treinos do dia a dia, maratonas de 42,195 quilômetros ou ultramaratonas, como o percurso de 81,7 quilômetros entre as praias do litoral norte gaúcha. Um trajeto que, de carro, é percorrido em cerca de uma hora e meia foi completado por Daniela em 7 horas e 21 minutos, novo recorde da prova feminina. A vitória valeu mais um troféu à vasta coleção da atleta de 40 anos, que corre há 20, disputa ultramaratonas há oito e supera os limites do corpo a cada evento.
Atleta "desde sempre", Daniela deixou a carreira no jornalismo de lado para se dedicar à saúde e ao esporte. Há um ano, ela abriu a Santa Academia, no bairro Três Figueiras, e pode se focar mais nos treinos para as diversas provas disputadas ao longo do ano – que costumam incluir pelo menos duas ultramaratonas.
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– Sempre pratiquei esporte. Dancei balé, fiz natação, surfei por anos. Comecei a correr por causa do surfe, queria manter o pique do esporte na cidade. E gostei. Na primeira prova que disputei, uma rústica em Porto Alegre, fiquei entre as 10 melhores. Sou competitiva por natureza e vi que tinha talento. Aí fui observando como os outros corriam. Não tem como separar a corrida da vida. É uma coisa compulsiva, e virou quase uma religião – brinca.
A paixão pelas corridas é demonstrada o tempo todo por Daniela. Mãe de Francisco, oito anos, a empresária e corredora vê a modalidade como um meio de retomar o convívio social – e de conhecer a cidade – através do esporte.
– Correr é simples: tu pegas um par de tênis e vai para a rua. Virou uma espécie de moda no mundo inteiro, e é algo que se encaixa muito bem para a vida da mulher moderna. É fácil sair e começar a caminhar e correr. Chega um momento da vida em que tu cansas de fazer festa, de ir em baladas, e na corrida é possível conhecer gente nova. Os grupos de treino proporcionam isso. É uma ótima maneira de socializar – explica, antes de dar dicas para quem pretende se aventurar nas ruas. – Para quem quer iniciar, é fácil. Começa caminhando, aí corre um minuto, e vai alternando. Pouco a pouco, aumenta a carga. Mas vale a pena procurar alguém que ajude com isso. Eu não tinha GPS, nada, e só fui ter planilha de treinos há 10 anos.
Filosofia, dor e solidariedade em oitenta quilômetros
Daniela recomenda a corrida a qualquer pessoa que peça sua opinião sobre o assunto. Mas faz questão de ressaltar que disputar ultramaratonas é algo muito diferente até mesmo das maratonas tradicionais – as provas costumam ter trechos em pisos diferentes do asfalto e das pistas, como é o caso da TTT, feita toda à beira mar.
– Correr ultramaratonas é uma "tosqueira", e o corpo cobra o preço. É para poucos. As pessoas que começam a correr querem fazer ultras sem treinar, e não é assim. É um caminho de formiguinha: comecei com oito quilômetros, depois 10, 20, maratona, até que passei para a ultra.
A experiência – e até mesmo a idade – ajudam a suportar as questões físicas e mentais que envolvem uma prova de mais de sete horas de duração.
– Sempre digo que é mais fácil começar a correr ultramaratonas com mais de 35 anos. É muita pauleira. O tempo inteiro, tu tens de administrar o teu ritmo e o teu limite. Ficam um diabinho e um anjinho negociando o tempo inteiro no teu ouvido, e tu pensas que podia estar em casa, descansando, bebendo uma cerveja, fazendo qualquer coisa ao invés de estar ali. São momentos muito grandes de oscilação, de dor, de suportar isso. É preciso ter resiliência – conta.
Para passar o tempo, vale até mesmo trocar ideias com os competidores durante as provas.
– Eu vou conversando com várias pessoas, e os papos beiram a filosofia. Falamos do sentimento de estar ali, das dores, damos apoio. É um clima de total solidariedade, pois todos estão no mesmo barco. Mesmo que tu queiras vencer os teus adversários, também existe essa sensação de que estamos todos juntos. Não tem como saber quem é rico, quem é pobre. Ali, somos todos iguais.
Seis meses de preparação e neve na Patagônia
Uma prova como a Travessia Torres-Tramandaí exige de Daniela cerca de seis meses de treinos. Além das corridas diárias, rústicas, meias-maratonas e maratonas fazem parte da preparação. A rotina foi utilizada pela atleta para a disputa de provas como a Mountain Do, na Lagoa da Conceição – em que faturou o primeiro lugar feminino – e a Patagonia Run, em San Martín de los Andes, na Argentina, prova disputada a -5ºC e que leva os competidores a até 1,8 mil metros de altura, no topo do Cerro Colorado.
– Fiz os 100 quilômetros da Patagonia Run em 2013. É uma "tosqueira" completa. O corpo não é preparado para isso. Mas, ao mesmo tempo, quando você chega no alto da montanha e se vê no meio dos Andes, mais alta do que nas montanhas em volta... É algo inexplicável. Tenho o sonho de correr no Mont Blanc (na França), e as maratonas de Nova York, Berlim, Londres e Tóquio. É um vício. Com as corridas, tu realmente descobres quem tu és.
*ZHESPORTES