O Juventude está a um empate com gols de dar um passo do seu tamanho neste seu projeto de reconstrução. A partir das 19h, enfrenta o Fortaleza pelas quartas de final da Série C. Como ficou no 0 a 0 no Alfredo Jaconi na segunda-feira, joga com o tempo a favor no Castelão para voltar à Série B depois de sete anos. A vaga é mais uma etapa da escalada de um clube que apostou numa administração com mão empresarial e na força de suas categorias de base para se reerguer.
O caminho de volta tem sido longo e pedregoso. Em 2012, o Juventude enfrentava uma crise tão profunda que havia virado um time fora de série. A vaga na Série D em 2013 teve de vir pelas copas regionais. A penúria batia na porta também do vestiário. Faltavam recursos para oferecer o café da manhã e as refeições aos jogadores em dias de treinos em dois turnos. Técnico do time à época, Lisca e alguns líderes do grupo procuraram um restaurante próximo do Alfredo Jaconi. Negociaram um valor mais em conta nas refeições. Pagavam do próprio bolso, é claro. Era a saída para manter a rotina de trabalho de outrora.
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A retomada começou ainda em 2012. Raimundo Demore assumiu o clube. Nesse mesmo ano, Lisca chegou. Em 2013, eliminou o Grêmio de Barcos e Vargas no Gauchão. Perdeu para o Inter a Taça Farroupilha, mas saiu fortalecido. Lisca tem certeza de que eliminar o Grêmio trouxe a confiança para sair da Série D no segundo semestre.
– O clube não tinha mais um calendário definitivo, mas era uma vitrina para os jogadores. Trabalhávamos com essa ideia. Ajudou que montamos um time com atletas identificados com a cidade e o time, como Diogo, Rafael Pereira, Zulu, Jardel, Fernando, goleiro que está no Vitória. Ele compraram a ideia – conta Lisca.
Em 2013, quando eliminou o Metropolitano-SC e voltou à Série C depois de três anos, o Juventude já dava sinais de retomada. O orçamento já permitia servir o café da manhã no vestiário para os jogadores. Mas sem verba de TV e com custos de viagem, as contas apertavam. Os salários atrasavam. Quando o mês completava 90 dias, a direção arrumava uma forma e quitava os primeiros 30 dias. Lisca mantinha o grupo mobilizado. E os jogadores com salários mais elevados, como Diogo, Rafael Pereira, Fernando e Zulu faziam vaquinha para ajudar quem recebia menos.
– A gente entendia. Entre nós, jogadores, dizíamos: "Se agora está assim, imagina se largar?". Treinávamos como se fosse o último jogo da vida. Só nós poderíamos tirar o clube daquela situação – conta o centroavante Zulu, 162 jogos e 68 gols pelo clube entre 2011 e 2015.
Lisca saiu em 2013. Picoli, cria do clube, fez um bom trabalho. Mas o Juventude patinava na Série C. Até que em 2015 chegou Antônio Carlos. Faltou um gol para avançar aos mata-matas da Série C. Roberto Tonietto, empresário, dono de rede de combustíveis, assumiu o clube em janeiro. Ele havia sido o vice de finanças de Demore na segunda gestão. Conhecia como poucos as contas no Jaconi.
Tonietto, na largada, adotou duas medidas: renovar com Antônio Carlos e reduzir em 20% o orçamento de todas as áreas – incluindo o futebol. A aposta seria maciça na base. Do grupo de 30 jogadores do Gauchão, 18 haviam sido criados no Jaconi.
Tonietto mudou também a estratégia. Criou espécie de usina de beneficiamento. Em vez de vender os jogadores ainda na base, os valorizaria no time principal antes. O Juventude é reconhecido como formador. São tantos jogadores forjados por ele na Europa que paga um escritório em Porto Alegre para rastreá-los e cobrar os percentuais do mecanismo de solidariedade nas negociações. Thiago Silva, por exemplo. Sua venda para o PSG rendeu euros para o Juventude. Assim como a ida de Alex Telles do Galatasaray para o Porto.
Os resultados da administração empresarial já aparecem. Em dezembro, havia quatro meses de salários atrasados – R$ 550 mil cada. Agora, estão todos em dia. O vice gaúcho e as classificações na Copa do Brasil e aos mata-matas da Série C fizeram a papada recuperar o hábito de ir ao Jaconi. Os gastos com viagens, por outro lado, fizeram crescer o orçamento. Saltou dos R$ 9 milhões para R$ 11 milhões. Quase nada se comparado aos R$ 300 milhões de Grêmio e São Paulo, dois rivais que o Juventude deixou pelo caminho neste ano. E isso já mostra que é proibido duvidar desse time neste domingo. Não se esqueçam que há quatro anos, ele nem vaga na Série D tinha.
*ZHESPORTES