Torço para os clubes do Norte e Nordeste se darem bem na Série B. Volta e meia, abro a tabela de classificação no celular e fico ali fazendo contas para ver quantos têm chance de entrar entre os quatro que sobem. O Brasil deve ser um dos únicos países do mundo que não pode se orgulhar de chamar de nacional o seu mais importante campeonato. Sim, porque a nossa Série A não traduz a grandeza do Brasil. Tirando Goiás e Sport, não passa de um combinado de jogos Sul-Sudeste. É um torneio regional, diminuído, restrito ao gueto mais rico do mapa.
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Vez por outra, cariocas ou paulistas mandam um jogo em Brasília, Manaus ou Cuiabá. Mas futebol turístico não resolve o problema. É quase uma caridade, por dinheiro. Falo de cores, texturas e rostos diferentes. Falo da universalidade do localismo. De torcidas apaixonadas que lotam estádios para torcerem por seus times e reforçarem suas histórias enraizadas e populares. Como a do Paysandu, no Pará. Ou a do Sampaio Corrêa, no Maranhão. E de Bahia, Vitória, Náutico ou Santa Cruz.
O Santinha colocava 40 mil pernambucanos - até o nome do seu estádio tem outra sonoridade e espírito: Mundão do Arruda - na Série D. Vá a um jogo no Pará e você verá o que é festa de verdade. Os baianos ainda preservam aqueles torcedores folclóricos, que vão ao estádio alegoricamente fantasiados, na antítese da lógica barrabrava e sua cópia sem graça dos argentinos. Pois todos esses times tradicionais, excluídos por força da concentração de renda nos Estados do Sul e Sudeste, têm chances reais de subir este ano.
Mas há outro massacre, também imposto pelo poder econômico, reforçado pelo potencial de consumidores das torcidas das capitais estaduais, que é mais triste ainda por se tratar de uma praga espalhada em todo o território nacional. E, para este mal, não tem cura. O futebol do interior do Brasil está morrendo. Não há a menor chance de surgir um campeão brasileiro com Zé Carlos, Renato Pé Murcho e Zenon; Capitão, Careca e Bozó. Aquele timaço do Guarani de 1978 não foi acaso. Quase 10 anos depois, em 1986, um outro, com João Paulo, Ricardo Rocha, Tite (sim, o técnico), Boiadeiro e Evair perdeu para o São Paulo na final. O Guarani era um clube do interior forte e vigoroso. Hoje, atolado em dívidas, está sumindo.
Em 1983, a Ferroviária, de Araraquara, fez 3 a 1 em um Grêmio que, no fim do ano, seria campeão do mundo. Brilhou. Depois de duas décadas rebaixada em São Paulo, voltará à Série A em 2016. Já tem minha torcida. Campina Grande alardeia ser a maior rivalidade do Interior no planeta, com Treze e Campinense. Mas são focos de resistência. Não ultrapassam divisas. Santa Catarina é um caso à parte, com peculiaridades geopolíticas. Joinville é maior e mais rica do que a capital, Florianópolis.
Por isso controlo Xavante, Juventude e Caxias na Série C. O futebol do interior deste continente chamado Brasil tem de resistir, assim como um campeonato sem representação de todas as regiões precisa ser encarado como deformação. Do jeito que está, o Brasileirão se vê reduzido a costumes e realidades parecidas, sem a universalidade dos regionalismos que compõem o mosaico cultural do país. O futebol é um elemento da nossa identidade. Mas que identidade brasileira é essa, sem a cantoria nordestina, o verde da Amazônia ou os mistérios do Pantanal?
O Brasileirão, assim como está, é uma mentira de olhos azuis e cabelos loiros. E o Brasil é mais do que isso.
*ZHESPORTES
Opinião
Diogo Olivier: o Brasileirão não é brasileiro
Um torneio sul-sudeste, de cabelo loiro e olhos azuis, é o que virou nosso mais importante campeonato, excluindo cores, culturas e a maioria dos rostos
Diogo Olivier
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